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Jornalismo

Trabalhar com pessoas

O desafio é orquestrar os diversos saberes e fazeres para que todos, afinados, trabalhem na construção e uma Educação de boa qualidade

PorNOVA ESCOLA

13/03/2016

TEREZINHA AZERÊDO RIOS,

TEREZINHA AZERÊDO RIOS,
é graduada em Filosofia e doutora em Educação.

É muito comum ouvir alguns educadores dizerem que seu trabalho é importante ou mais complexo do que o de outros profissionais porque nele se lida com pessoas. Na escola, os gestores ressaltam essa sua responsabilidade à medida que administram processos com o intuito de desenvolver pessoas múltiplas e diferentes. 

Embora a princípio não se possa discordar dessas falas, é fundamental refletir sobre o que, de fato, se quer dizer com isso. Podemos trabalhar com indivíduos tanto para desenvolver suas potencialidades, trazer alegria e ajudar como também para aprisionar ou fazer sofrer. 

O sociólogo austro-americano Peter Berger, em seu livro Perspectivas Sociológicas, diz que trabalhar com pessoas pode significar "retirá-las de favelas ou metê-las na cadeia, bombardeá-las com propaganda ou extorquir-lhes dinheiro (...), levá- las a produzir melhores automóveis ou transformá-las em melhores pilotos de bombardeios". Assim, o resultado pode ser acolhê-las e reconhecer as diferenças ou, ao contrário, excluí-las, ignorando-as ou forçando-as à solidão. 

Pessoas são gente - e aí nos referimos a seres humanos. Muitos ou apenas um. E até mesmo todos - gente do campo, gente brasileira, gente grande, gente fina, gente boa. Dizemos que o que queremos mesmo é sermos reconhecidos como tal, ser gente de verdade. Isso tem a ver com identidade, cidadania e direitos. E vida de gente não é vivida sozinha. Aponta-se, assim, a necessidade de ela ser solidária. 

Costumo dizer que a solidariedade é o respeito levado às últimas consequências. Ou seja, a consideração cuidadosa das pessoas, em sua alteridade, sua diferença. O outro é outro eu. O coletivo é composto de inúmeros "eus", muitas pessoas, muita gente. A solidariedade é construtiva, criadora de possibilidades. Porém, é difícil instalá-la no espaço escolar. A equipe gestora percebe que há limites no interior dela mesma e, com frequência, se refere aos que encontra na relação com professores, alunos e comunidade escolar. Sem a presença da solidariedade, como formar uma equipe? 

Tenho observado a solidariedade em um grupo de chorinho com o qual partilho o trabalho num programa de Educação continuada de gestores. Em suas apresentações, percebo, entre melodias e acordes, a atenção ao aceno do líder, a troca de olhares e sorrisos, o silenciar para dar lugar ao instrumento do outro, o empenho em entrar na hora certa e a alegria em mobilizar e encantar a plateia. No início, a afinação dos instrumentos para alcançar a harmonia desejada. Depois, improvisos, surpresas. Por fim, o aplauso como reconhecimento da beleza. E eles vão em frente, Chorando as Pitangas, que é como se chama o grupo. 

Ouço a música que eles tocam, analiso a maneira como agem e faço uma analogia com o que deveria ocorrer nas escolas. Ao gestor cabe organizar a comunidade para que todos realizem suas tarefas em harmonia, numa orquestração de saberes e fazeres diferenciados, num ritmo de gente afinada na construção da Educação de boa qualidade e desafiada por esse objetivo. O grupo de chorinho me faz acreditar que ganha a vida, no sentido mais rico da expressão, com seu trabalho. Chego à conclusão de que a gestão deve caminhar nessa direção: do ganhar a vida, vida de gente.


Foto: Marina Piedade

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