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Jornalismo

Sexo: tema permitido em toda a escola

Inclua o desenvolvimento sexual na pauta de formação docente e oriente os funcionários a tratar do assunto com naturalidade

PorAurélio Amaral

26/06/2016

A EM Germin Loureiro, em João Monlevade, usa kits para ensinar prevenção. Foto: João Miranda

Falar de sexo ainda é um tabu. Muitas vezes, os alunos não têm abertura para tirar as dúvidas, os professores e os funcionários se sentem incomodados em responder a elas e os pais não gostam que o assunto seja discutido. Para romper com esses estigmas, vale implantar um projeto no qual toda a instituição aprenda a trabalhar com essas questões dentro e fora da sala de aula. "Um professor pode desenvolver boas atividades de Educação Sexual com uma turma. Se a equipe não abraça a iniciativa, porém, o assunto corre o risco de permanecer proibido fora desses momentos", explica Maria Helena Vilela, diretora executiva do Instituto Kaplan, em São Paulo, e autora do blog Direto ao Ponto, no site de NOVA ESCOLA. 

Elaborar um projeto institucional de Orientação Sexual (leia abaixo o modelo sugerido por Maria Helena Vilela) é uma necessidade diante dos altos índices de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e gravidez precoce na adolescência. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998, do Ministério da Educação (MEC), deixam claro que a preocupação não tem de ficar restrita a uma disciplina. De acordo com o documento, a concepção, os objetivos e os conteúdos de Orientação Sexual devem ser contemplados pelas diversas áreas do conhecimento. Dessa forma, assim como os outros temas transversais, o assunto vai permear toda a prática educativa. Por isso, é tema obrigatório da formação de professores e funcionários. 

Quando os interlocutores são crianças, uma preocupação deve ser o limite das abordagens. Ao montar a pauta dos encontros de formação, a coordenadora Jussara Alves da Silva Rosa, da EM Rocha Pombo, em Juiz de Fora, a 261 quilômetros de Belo Horizonte, leva em conta as saias justas trazidas pela equipe. Certa vez, uma professora do 1º ano ouviu um aluno se referindo ao próprio pênis com uma palavra que os colegas desconheciam, o que provocou um burburinho entre eles. Decidiu, então, fazer uma roda de conversa com as crianças explicando a nomenclatura correta das partes do corpo humano. A docente contou o ocorrido no horário pedagógico e, com a ajuda da coordenadora, definiu ações para abordar o autoconhecimento, com bonecos e manequins e a produção artística de autorretratos. Jussara pediu para o grupo trazer as produções a fim de identificar os conteúdos que precisam ser trabalhados, observando, por exemplo, a maneira como eles representam o masculino e o feminino nos desenhos.

No caso de séries mais avançadas, os próprios estudantes podem dar pistas sobre os aspectos que querem discutir. A rede de ensino de João Monlevade, a 117 quilômetros da capital mineira, tem um grupo de trabalho mensal, do qual participam quatro alunos da segunda etapa do Ensino Fundamental de cada uma das cinco escolas municipais, professores e gestores das instituições e as coordenadoras do Programa de Educação Afetivo-Sexual (Peas), ligado à Secretaria Municipal de Saúde. Com base nessas discussões, a EM Germin Loureiro, por exemplo, define o foco das oficinas de Educação Sexual realizadas mensalmente. A equipe de saúde também disponibiliza kits demonstrativos para a prevenção de gravidez precoce e DST - com camisinha, diafragma, dispositivo intrauterino (DIU) - e dá consultoria quando surgem dúvidas mais específicas. "Já convidamos uma enfermeira para falar sobre os efeitos da pílula do dia seguinte", conta a vice- diretora, Luciene Aparecida Gomes de Oliveira. Essas inciativas, no entanto, só surgem porque toda a equipe está atenta e traz impressões e dúvidas dos alunos para as reuniões. 

Conquistar a adesão de todos sempre dá trabalho. Não é difícil encontrar quem tenha vergonha de falar sobre sexo com os alunos. Aproveite, então, a familiaridade dos especialistas em Ciências, que conhecem a fundo conteúdos como reprodução, autoconhecimento do corpo, higiene e prevenção a doenças, para quebrar esse gelo. Foi o que fez a equipe gestora da EE João Feliciano, em Jacareí, a 78 quilômetros de São Paulo. Depois que a professora do 6º e do 7º ano, Celeste Francisca de Paula, participou de uma capacitação em Orientação Sexual, ela foi convocada a replicar seus conhecimentos nas reuniões pedagógicas. Assim, os docentes se motivaram a desenvolver atividades interdisciplinares sobre o tema. 

O passo seguinte foi informar os pais. No ano passado, Celeste preparou uma aula sobre métodos contraceptivos a estudantes do 6º ano. Por se tratar de alunos mais jovens, ela e a diretora, Mariane de Oliveira Ricci, juntas, decidiram enviar um comunicado às famílias explicando os objetivos da aula e detalhando os conteúdos que seriam trabalhados e as atividades desenvolvidas. "Este ano, pretendemos convocar uma reunião presencial. Assim, teremos oportunidade de explicar melhor a importância das ações para os pais mais resistentes", diz Mariane.

Projeto Institucional

Orientação sexual

Objetivo geral 
Contribuir para o desenvolvimento pessoal e a responsabilidade sexual dos alunos. 
 
Objetivos específicos 
- Para gestores Formar professores e funcionários e criar uma cultura escolar de atenção a temas de saúde e responsabilidade sexual. 
- Para os professores Articular os temas de sexualidade com os conteúdos das disciplinas.
- Para os funcionários Compreender a política de orientação sexual da escola, atuando perante os alunos de forma coerente com a proposta.
- Para os alunos Desenvolver atitudes assertivas em relação ao conhecimento do próprio corpo e ao comportamento sexual.

Tempo estimado 
De seis meses a um ano.

Desenvolvimento 
1ª etapa Diagnóstico 
Organize reuniões com as várias equipes de profissionais da escola - gestores, professores e funcionários. Forme subgrupos de acordo com afinidades profissionais e peça que eles falem sobre como os alunos se referem à sexualidade e elenquem comportamentos preocupantes que possam exigir intervenção. É nesse momento que se constata, por exemplo, que uma turma está desinformada em relação às transformações corporais pelas quais meninos e meninas estão passando ou que existem casos de desrespeito ao gênero e à diversidade sexual. Sistematize esses dados ao fim da reunião, pois eles serão úteis na avaliação do projeto. 

2ª etapa Definição de foco 
Com base no diagnóstico, estabeleça as prioridades. Como a Orientação Sexual é uma área ampla, defina um tema para desenvolver e assim não correr o risco de falar de muitos assuntos, porém com superficialidade. Defina os objetivos das ações para cada série e as temáticas a ser trabalhadas. Não se esqueça de identificar os profissionais que ficarão responsáveis pelas atividades, o tempo de duração, onde e como elas serão realizadas e os materiais. Veja o exemplo:

6º ano 

  • Objetivo Conhecer as mudanças da puberdade e aprender a lidar com elas, sensibilizando para o cuidado com o corpo. 
  • Conteúdo Higiene, mudanças físicas na puberdade e expectativas pessoais e sociais. 
  • Responsável Professor de Ciências. 
  • Quando Durante o seu período de aula. 
  • Material Jogos sobre o corpo humano.

3ª etapa Divulgação 
Realize um encontro com a comunidade escolar interna para deixar claros os objetivos sistematizados na fase anterior. Em seguida, o mesmo deverá ser feito com as famílias dos estudantes. Não é necessário um evento exclusivo para isso. O projeto pode ser apresentado durante uma reunião de pais, mas é importante a participação da direção e dos docentes envolvidos. Faça uma apresentação com dados e índices que justifiquem a importância do projeto. Se algum pai se mostrar contrário, chame-o para uma conversa em particular e coloque-se à disposição para tirar dúvidas. Vale mostrar os bons resultados alcançados em outras escolas. Para os alunos, as atividades podem ser comunicadas, de acordo com a rotina da escola, durante a aula do professor responsável. 

4ª etapa Preparação das equipes 
A formação em Orientação Sexual exige conhecimentos sobre o desenvolvimento da sexualidade na infância e na adolescência, prevenção e vulnerabilidade, além do manejo de grupo e a aplicação de metodologia compatível com o que se busca alcançar. Uma opção é chamar consultores ou instituições especializadas. Outra é usar os cursos oferecidos pela rede de ensino. A Secretaria de Saúde pode complementar com conhecimentos específicos - como a prevenção de DST/AIDS - promovendo palestras com profissionais da área. Nos encontros pedagógicos, abra espaço para a conversa sobre sexualidade. Organize encontros com os funcionários, explique os projetos e defina a função de cada um a fim de que os objetivos sejam alcançados. Solicite que eles discutam, façam sugestões e indiquem como vão colaborar. Os monitores e os profissionais da limpeza e da segurança, por exemplo, podem relatar aos gestores se observarem comportamentos que provoquem constrangimento - como carícias em público, atitudes de discriminação sexual - ou se identificarem cenas de invasão de privacidade, como alunos fotografando partes íntimas de colegas sem consentimento. 

5ª etapa Implantação do modelo 
Antes de expandir o projeto para toda a escola, comece com apenas algumas turmas. Um piloto sempre ajuda a ajustar o programa desejável à realidade da instituição. O ideal é escolher as classes em que os alunos apresentem dúvidas e demonstrem mais abertura em dialogar sobre o assunto. Durante o piloto, a equipe gestora avaliará a adequação do conteúdo proposto para os alunos, o interesse deles, a desenvoltura do professor, a adequação do tempo e espaço para a realização das atividades e o impacto do trabalho. Para tanto, é imprescindível desenvolver instrumentos de acompanhamento do processo. 

6ª etapa Monitoramento e avaliação 
Para cada resultado que se espera, é importante ter instrumentos capazes de medi-los. Leia o artigo de José Ricardo Aires, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que apresenta critérios para diferentes objetivos. Se o propósito é diminuir o número de gravidez na adolescência, é preciso, no início do projeto, levantar os índices e acompanhar a evolução ao longo do ano. A escola pode também fazer uma parceria com o posto de saúde mais próximo e combinar o envio anual de um relatório sobre o número de alunos que passaram a usufruir dos serviços disponíveis - sinal de que eles estão se preocupando com a saúde. Periodicamente, verifique se professores e funcionários estão envolvidos no processo. Promova encontros regulares com os responsáveis pelas atividades para discutir os avanços e rever os procedimentos planejados e a necessidade de suporte técnico. 

Consultoria Maria Helena Vilela, diretora executiva do Instituto Kaplan, em São Paulo

 


 

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