Resultados de avaliações externas ganham diferentes usos no país
Pesquisa mostra que vários estados estão empenhados em averiguar o aprendizado em sua rede. Porém isso nem sempre gera mudanças na prática pedagógica
04/08/2015
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Jornalismo
04/08/2015
O fenômeno não passa mais despercebido. A cultura da avaliação externa em larga escala impregnou a Educação brasileira desde a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1990, que nasceu com dois objetivos: avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência do ensino e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas. Para tanto, ele gera médias estaduais, regionais e uma nacional. A aceitação por parte das equipes escolares não foi imediata, mas aos poucos quem oferecia resistência se convenceu de que o país dava um passo à frente ao buscar um diagnóstico geral do ensino. Alguns estados e municípios quiseram ir mais fundo e obter informações de cada uma de suas escolas. Hoje, 19 das 27 unidades federativas têm ou já tiveram algum tipo de instrumento próprio para investigar o nível de aprendizagem dos alunos de sua rede. Ceará e Minas Gerais foram pioneiros, iniciando seus sistemas em 1992. Já o Tocantins, por exemplo, é adepto novato do recurso. Com o tempo, o governo federal diversificou os instrumentos lançando, em 2005, a Prova Brasil, que chegou com a proposta de ser mais abrangente e gerar informações por município e por instituição. Para tanto, diferentemente do Saeb, feito por amostragem, ela envolve todas as escolas públicas do país, porém se limita a sondar apenas duas séries do Ensino Fundamental. Até porque, em 1998, havia sido criado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para saber como os alunos brasileiros estão concluindo a Educação Básica -- e que, posteriormente, passou a ser usado no processo de seleção de algumas universidades, já que gera dados por estudante.
As redes estaduais e municipais fizeram diferentes opções, ora ampliando o número de disciplinas avaliadas, ora criando uma prova extra específica para aferir um conteúdo específico, como a alfabetização. A maioria, porém, fica com uma só verificação de larga escala e diversifica os usos dos resultados obtidos. É o que revela a pesquisa A Avaliação Externa como Instrumento da Gestão Educacional nos Estados, da Fundação Victor Civita (FVC), coordenada pelo inglês Nigel Brooke, professor convidado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde é membro do Grupo de Avaliações e Medidas Educacionais (Game). O estudo criou uma classificação para o destino dos dados gerados.
A euforia com o potencial das avaliações externas tem razão de ser. ?Elas estimulam a reflexão, o que é importante para o desenvolvimento geral das escolas, dos professores e dos alunos?, diz Thereza Penna Firme, coordenadora do Centro de Avaliação da Fundação Cesgranrio, do Rio de Janeiro, e membro da American Evaluation Association, associação norte-americana que reúne profissionais da área. ?Não tenho dúvida de que essa é uma contribuição importante no esforço geral para a melhoria da Educação no Brasil?, concorda Brooke em entrevista para esta edição especial (leia a entrevista com Nigel Bo).
CATEGORIA | UM EXEMPLO | DESCRIÇÃO DO CASO |
---|---|---|
Avaliação de programas, monitoramento, planejamento e pesquisa. |
Escolas de Referência (PE). | Monitoramento da implantação do período integral em escolas de Ensino Médio com base no desempenho dos alunos nas provas da avaliação externa do estado. |
Fornecimento de informações sobre a aprendizagem dos alunos para as escolas e definição de programas de formação continuada. |
Relatório Pedagógico (DF). | Informe detalhado elaborado pela Secretaria de Educação sobre o significado das notas obtidas nos testes do sistema de avaliacão distrital. |
Informação para a sociedade. | Boletim de Escolas (PR). | Relatório em linguagem simples distribuído para os gestores escolares e também para os pais com as médias obtidas nas provas aplicadas pelo estado até 2002 ? uma retomada está prometida para 2012. |
Alocação de recursos. | Aprender Mais (PE). | A rede financia a contratação de professores temporários para dar reforço escolar em Língua Portuguesa e Matemática para os alunos que não atingem as metas na avaliação estadual. |
Composição de políticas de incentivos salariais. |
Bonificação por Desempenho (SP). | Pagamento de bônus para toda a equipe escolar com base no rendimento global da unidade na apuração estadual de aprendizagem do ano anterior. |
Avaliação de desempenho do professor. |
Avaliação de Desempenho Individual (MG). | As notas obtidas na avaliação estadual fazem parte do conjunto de indicadores usado para avaliar os professores da rede. |
Certificação de alunos ou escolas. | Licença de funcionamento (DF). | Renovação da autorização de funcionamento de escolas particulares. |
Segundo a pesquisa, um dos usos mais frequentes dos números gerados é o monitoramento de programas das redes para verificar se os objetivos estão sendo atingidos. Embora sejam de grande utilidade para formular e ajustar políticas públicas, essas investigações de aprendizagem de grandes proporções não funcionam, por si só, como remédio para todos os males e se equivoca a rede que pensa assim. Consultor do Movimento Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos afirma: ?Só adianta avaliar se houver vontade de mudar por parte da rede e se as escolas forem aparelhadas para tanto?.
É consenso entre os especialistas que a criação de diversos tipos de avaliação também não leva a soluções se as suas matrizes não estiverem alinhadas às expectativas de aprendizagem dos alunos. Afinal, se não houver um trabalho contínuo visando a formação em serviço para diretores, coordenadores pedagógicos e professores para que eles enfrentem as dificuldades do dia a dia ? além de orientações técnicas pontuais sobre os resultados das sondagens ?, a mera divulgação dos números não faz com que os professores revejam sua maneira de ensinar e produzam impactos na sala de aula (conheça melhor esse e outros mitos em torno das avaliações externas na reportagem 8 mitos sobre os testes de aprendizagem de larga escala).
Entre as sete finalidades das avaliações detectadas pelas pesquisa, Brooke considera algumas inadequadas. É o caso do seu emprego na análise da competência individual dos docentes para a tomada de decisões sobre sua carreira. Como os processos de ensino e de aprendizagem são complexos, não dá para julgar o mérito de um professor com base em apenas um indicador. Outro uso dos resultados que gera críticas entre os especialistas é a mera premiação de escolas. Isso porque esse tipo de iniciativa estimula a competição e compara instituições com realidades e condições de trabalho bem diversas. No fim desse processo, o dinheiro pode ir parar nas mãos daquelas que precisam menos, deixando na mesma situação as que mais necessitam de ajuda. Assim, corre-se o risco de criar ilhas de excelência e não haver medidas que levem à melhoria do sistema como um todo. Por outro lado, há grande concordância que utilizar as informações geradas pelas avaliações para identificar as áreas mais carentes para providenciar reforços materiais e humanos é uma boa medida a tomar.
Que as avaliações foram um avanço na Educação brasileira, não há dúvida. Porém ainda falta ao país um planejamento global para otimizar o uso desse recurso e, ao mesmo tempo, aprofundar os resultados e complementá-los com a incorporação de instrumentos diversificados. Para a cadeia ser perfeita, Neves Ramos sugere que as redes estimulem as escolas a fazer autoavaliações: ?A análise feita pela instituição sobre a sua gestão, seus professores e alunos e o ambiente vai prepará-la para receber o olhar externo?.
Além de sofisticar cada vez mais as estratégias de verificação para colher dados que o governo federal não apura e cruzar informações (o que torna os resultados mais precisos), estados e municípios que investem em sistemas próprios de avaliação devem ficar atentos a outras medidas capazes de levá-los a tirar o máximo de proveito dos resultados. Uma delas é formular os testes com base nos objetivos almejados ? pois cada finalidade requer um modelo. Outra é garantir a frequência e a continuidade, já que os dados de um só ano não dizem muito sobre a qualidade do ensino oferecido por uma rede ou escola. Finalmente, é necessário alimentar as expectativas certas. ?As avaliações dão parâmetros úteis ao planejamento da escola e das secretarias, mas um risco que se corre é tratar o processo educacional como se ele se resumisse ao desempenho nessas provas?, avisa Sandra Zákia, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). E conclui: "Precisamos ter cautela para não incorrer no reducionismo de limitar a noção de qualidade de ensino aos padrões dos testes."
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