Instrumento a favor ou arma contra os alunos?
Reportagem da edição 9, de dezembro de 1986, indicada por José Eustáquio Romão
15/01/2016
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Jornalismo
15/01/2016
"Quando assumi a Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora, na década de 1980, fiquei responsável por uma rede muito grande, com mais de 100 escolas municipais. Os professores sempre demonstravam ter problemas em relação à avaliação, tema que sempre estudei. Então, toda vez que saía algum material sobre o assunto, nós procurávamos distribuir para os docentes da rede. A revista nos ajudou muito, pois trabalha com uma linguagem que o professor entende e gosta."
José Eustáquio Romão, diretor da pós-graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo, e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Instrumento a favor ou arma contra os alunos?
É uma pena que, em nossas escolas, a avaliação ainda seja usada por muitos professores como uma arma contra o aluno, com poderes de aprovar ou reprovar, de premiar e punir, de justificar, julgar e selecionar - dentro de uma escala de notas ou conceitos - os mais capazes e os menos capazes. A função da avaliação como recurso pedagógico é infinitamente mais rica e mais nobre, pois permite melhorar a qualidade do ensino e das diferentes aprendizagens, possibilitando até diminuir os altos índices de reprovação e evasão escolar.
Se analisarmos os critérios de avaliação utilizados para classificar nossos alunos, podemos constatar que, em geral, o ensino é planejado apenas para o aluno médio, sem levar em consideração os mais fracos, principalmente aqueles provenientes de famílias pobres (portanto, já discriminados pela sociedade).
A explicação mais comum que se costuma dar para o mau rendimento dessas crianças é a de que elas participam de um grupo pobre. No entanto, é possível que a criança pobre vá mal na escola exatamente porque é isso que se espera dela. Então, eu pergunto: será que não estamos avaliando nossa turma somente de acordo com nossos preconceitos e valores pessoais, que, provavelmente, nada têm a ver com a realidade social nem com a necessidade de nossos alunos?
Se concordamos em que a função da escola é proporcionar oportunidade a todos, cabe a nós, professores, propiciar, incentivar e esperar resultados elevados de todos os alunos, sem discriminação. Nesse sentido, precisamos entender um pouco melhor nosso papel, a fim de compreender que efeito provocamos sobre nossos alunos; e precisamos questionar também as razões que contribuem para que alguns alunos não deem conta das exigências escolares. Do contrário, continuaremos a usar a força do lápis vermelho e o castigo da reprovação como recursos classificatórios e controladores dos nossos valores.
A falta de hábitos de estudo, por exemplo, é um fator que precisa ser diagnosticado a tempo. Muitas vezes, a criança vai mal numa prova e não traz suas lições porque não tem um local para estudar em casa. Às vezes, nem lugar para guardar seu material. Sem conhecer mais de perto esse aluno, e limitando-se a cobrar dele um determinado rendimento, o professor certamente apelará para a saída mais imediata e conhecida, isto é, procurará "corrigi-lo" por meio da nota baixa ou do ponto negativo - atitude que não vai solucionar o problema nem contribuir para que essa criança se sinta encorajada a estudar. Ao contrário, é bem possível que ela se sinta cada vez mais desmotivada pelas suas dificuldades em corresponder às expectativas do professor.
O aluno desinteressado, muitas vezes bagunceiro, costuma ser também um habitual ganhador de zeros (sem contar que, nas provas, é o mais preparado para colar). Entretanto, o desinteresse, a indisciplina e a cola não são comportamentos que acontecem por acaso na escola, e é preciso estarmos abertos para entender suas raízes. Falemos, primeiro, do desinteresse, da falta de motivação para o estudo, tomando como exemplo uma aula sobre o valor dos alimentos.
Em geral, a criança é obrigada a ouvir do professor, a anotar no caderno e a ler no livro didático uma série de informações sobre o tema, muitas vezes abordado de forma monótona, totalmente desvinculada da sua realidade. Os alunos não são levados a fazer a ligação entre o que estão aprendendo sobre vitaminas e proteínas e o que comem em casa ou na merenda escolar - isto é, o conhecimento que a escola está transmitindo não leva em conta sua interferência na vida pessoal do aluno. Resultado: muitos de nossos alunos têm sérias dificuldades em aprender Matemática, Ciências e Estudos Sociais porque não conseguem dar um significado e certos conceitos. A resposta deles à escola? Fazer bagunça. colar etc. A resposta do professor? Muitas vezes a nota baixa e, consequentemente, a reprovação.
É preciso reconhecer que, ao colar, a mensagem que o aluno transmite é: "Não tenho responsabilidade sobre o meu desenvolvimento. O que vale é passar de ano". Por quê? Exatamente porque o julgamento estabelecido pela escola, por meio da avaliação escolar autoritária, é o da nota. Então, para o estudante, a cola acaba sendo uma questão de sobrevivência escolar, com o objetivo de alcançar bons resultados e salvar a auto-imagem diante de si próprio, do professor, dos colegas, da familia... Afinal, se colando dá para passar de ano, para que estudar ou correr o risco de ficar reprovado?
Outro ponto é a indisciplina, geralmente "controlada" pela nota de comportamento. Ocorre que, muitas vezes, as crianças não sabem manter limites porque esses limites não lhe foram definidos. Que tal abrir as regras do jogo e definir - com rigor, autoridade e honestidade - até onde elas podem ir? Depois, é trabalhar, no dia a dia, os comportamentos positivos e negativos, pois só assim você estará formando atitudes, educando de verdade. 0 professor que mantém sua autoridade em sala de aula apoiada na nota terá alunos que só se comportam bem porque se sentem cobrados e ameaçados. Os que se comportam mal, acostumados com notas baixas, continuarão a agir assim, por falta de um estímulo significativo.
Muitos professores já estão interessados em mudar a prática de avaliação escolar, visando recuperar a própria escola, apesar das atuais condições (precárias) de trabalho. Entre eles, surge a pergunta: de que forma posso ser mais cuidadoso na avaliação, se tenho 40 alunos e um programa extenso a cumprir? Como é possivel conhecer bem cada criança, para poder avaliar com mais critério?
Tentando ser bem objetiva, eu respondo: para descobrir as dificuldades das nossas crianças, entender suas filosofias de vida, é preciso estar ao lado delas, "perder" tempo conversando sobre casos importantes com elas (tempo esse que, ao contrário, não será perdido, mas muito bem aproveitado), conhecer seus hábitos, seus jogos preferidos, sua linguagem. Pode ser que, no começo, elas pareçam estar falando de coisas que nada têm a ver com o que o professor acha fundamental. Porém, com a prática, ele descobrirá o seu elo de comunicação e terá condições de começar de onde os alunos estâo, ligando o ensino à formação de atitudes e levando-os a estabelecer, a cada aprendizagem significativa, um novo ponto de partida para si próprios.
Trilhando por esse camiho, ficará bem mais fácil entender e usufruir, com a classe, do verdadeiro sentido da avaliação.
Novas posturas diante da avaliação levam a melhorias no ensino
O professor que trabalha com a avaliação como diagnóstico do ensino e das aprendizagens, a serviço da escola, dele mesmo e dos alunos, achará mais fácil rever os pontos fortes e fracos e propor altemativas que tornem mais eficiente o trabalho de cada um.
Uma mudança na postura de avaliação leva a uma melhora qualitativa do ensino, em todos os aspectos. No momento em que o aluno aprende a se diagnosticar, a definir suas dificuldades, ele ajuda o professor a entendê-lo e, consequentemente, a trabalhar melhor com a heterogeneidade da classe.
E não e só. Quando a avaliação é participativa, planejada com os alunos, ela adquire responsabilidade conjunta, fazendo cair por terra o desinteresse pelo rendimento escolar, a indisciplina e até a cola: em vez de "vou colar para passar de ano", o comportamento se transforma em "se eu não me esforçar, sei que vou ficar reprovado". Além disso, a nota ou conceito assim trabalhados são uma referência sobre as dificuldades do professor, as do aluno e as do curso e não uma conclusão definitiva sobre o destino escolar da criança. Eles são, assim, um diagnóstico que nos obriga (aluno e professor) a agir no sentido de recuperar nossa atuação, evitando a angustiante recuperação, tal como ela é conhecida - em geral, como medida de pronto-socorro, um remendo feito às pressas nos últimos dias de aula, tentando apenas ajudar o aluno a passar de ano. Na verdade, medidas desse tipo não beneficiam nem a criança, nem o professor, nem a escola como um todo, pois no ano seguinte as mesmas dificuldades continuarão no caminho.
Se você está disposto a dividir com seus alunos a responsabilidade da avaliação, as orientações a seguir poderão ajudá-lo:
- Para começar o planejomento da avaliação junto com os alunos, leve-os a conhecer o que irão aprender a cada bimestre (ou semestre), a fim de que os objetivos que você quer atingir fiquem claros. Para isso, discuta com a classe o porquê, o que e como você irá desenvolver o curso.
- É possivel que no começo haja dificuldades, mas sua atitude realmente aberta incentivará a participação efetiva já no 2º bimestre.
- Estabeleça com a turma os critérios de medida de aprendizagem que pretende usar durante o ano inteiro. Antecipadamente, combine as tarefas que serão pedidas e estabeleça com eles os critérios para dar nota. Exemplo:
- Dias antes da prova - demonstre à turma que você espera que todos estejam conscientes do que sabem e do que não sabem. Prepare a prova em função dos objetivos que você quer atingir com a avaliação, isto é, planeje perguntas sempre dentro do programa que os alunos têm em mãos, a fim de avaliar o real aproveitamento da turma.
- Com relação a trabalhos ou lição de casa - faça com que os alunos corrijam seus próprios erros. Não basta você tirar o errado e por o certo: é preciso que a criança saiba por que errou e por que precisa corrigir. Considere que cada tarefa realizada pelo aluno é um meio de você e ele avaliarem o que foi aprendido, o que tem de ser recuperado e o que precisa ser modificado em termos de esforço de ensinar e de aprender.
- No dia da devolução da prova corrigida, use ao menos uma aula para trabalhar essa prova que foi feita. Essa postura não significa perda de tempo, pois permite que cada um tenha controle do seu desempenho. Mas não pense que basta resolver a prova no quadro. É preciso trabalhá-la com cado aluno: por que o erro? Que raciocinio foi desenvolvido para se chegar à resposta? Assim, se a criança tirou uma nota baixa, ela entenderá a consequência dos seus erros, não por meio da punição, mas diante da responsabilidade pelo que fez e da maneira como encaminhou suas respostas. Essa postura não significa diminuir o rigor na correção nem deve levar a alteração da nota do aluno. Mas, com certeza, na prova seguinte, muitas dificuldades serão minimizadas. E todos sairão ganhando.
Clarilza Prado é professora de Avaliação Educacional no curso de Pedagogia de Pontifícia Universidade Católica (PUC- SP).
Ilustração: Walter Ono
Foto entrevistado: Flavio Santana
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