O papel das letras na interação social
O ensino atual do nosso idioma foca a prática no dia-a-dia e mescla atividades de fala, leitura e produção de textos desde cedo
17/10/2016
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Jornalismo
17/10/2016
Até os anos 1970, o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa era comparado a um foguete em dois estágios, como bem pontuam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O primeiro ia até a criança ser alfabetizada, aprendendo o sistema de escrita. Já o seguinte começaria quando ela tivesse o domínio básico dessa habilidade e seria convidada a produzir textos, notar as normas gramaticais e ler produções clássicas.
A partir dos anos 1980, o ensino não é mais visto como uma sucessão de etapas, e sim um processo contínuo. "O aluno precisa entrar em contato com dificuldades progressivas do conteúdo. Desse modo, desenvolve competências e habilidades diferentes ao longo dos anos", diz Maria Teresa Tedesco, professora do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
As situações didáticas essenciais para o Ensino Fundamental passaram a ser: ler e ouvir a leitura do docente, escrever, produzir textos oralmente para um educador escriba (quando o aluno ainda não compreende o sistema) e fazer atividades para desenvolver a linguagem oral, além de enfrentar situações de análise e reflexão sobre a língua e a sistematização de suas características e normas.
Essa nova concepção apresentava inúmeras diferenças em relação a perspectivas anteriores. Do século 19 a meados do 20, a linguagem era tida como uma expressão do pensamento. Ler e escrever bem era apenas uma consequência do pensar e as propostas dos professores se baseavam na discussão sobre as características descritivas e normativas da língua - e só. "Até essa época, o objeto de ensino não precisava ser a linguagem", explica Kátia Lomba Bräkling, coautora dos PCNs e professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo (saiba mais sbre essa evolução na linha do tempo abaixo).
Os primeiros anos da disciplina deveriam garantir a aprendizagem da escrita, considerada um código de transcrição da fala. Dois tipos de método de alfabetização reinaram por anos: os sintéticos e os analíticos (saiba as características de cada um no quadro abaixo). Os primeiros começavam da parte e iam para o todo, mostrando pequenas partes das palavras, como as letras e as sílabas, para, então, formar sentenças. Compõem o grupo os métodos alfabético, fônico e silábico.
Já os analíticos propunham começar no sentido oposto, o que garantiria uma visão mais ampliada do aluno sobre aquilo que estava no papel, facilitando o seu entendimento. Pelo modelo, o ensino partia das frases e palavras, decompostas em sílabas ou letras. "Nesses métodos, o essencial era o treinamento da capacidade de identificar, suprimir, agregar ou comparar fonemas. Feito isso, estaria formado um leitor", explica Maria do Rosário Longo Mortatti, coordenadora do grupo de pesquisa em História do Ensino de Língua e Literatura no Brasil, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Marília.
Aqueles que já dominavam essa primeira etapa de aprendizagem passavam para a seguinte (conheça os mitos da área no quadro abaixo). Na escrita, os alunos deveriam reproduzir modelos de textos consagrados da literatura e caprichar no desenho do formato das letras. Para fazer uma leitura de qualidade, o estudante tinha como tarefa compreender o que o autor quis dizer - sem interpretar ou encontrar outros sentidos.
As aulas focavam os aspectos normativos e descritivos da língua, e textos não literários - como o acadêmico e o jornalístico, por exemplo - não eram estudados. "O coloquial e o informal eram considerados inadequados para ser trabalhados em sala de aula", explica Egon de Oliveira Rangel, professor do Departamento de Linguística da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
Na década de 1970, uma nova transformação conceitual mudou as práticas escolares. A linguagem deixou de ser entendida apenas como a expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação, envolvendo um interlocutor e uma mensagem que precisa ser compreendida. Todos os gêneros passaram a ser vistos como importantes instrumentos de transmissão de mensagens: o aluno precisaria aprender as características de cada um deles para reproduzi-los na escrita e também para identificá-los nos textos lidos.
Ainda era essencial seguir um padrão preestabelecido, e qualquer anormalidade seria um ruído. Para contemplar a perspectiva, o acervo de obras estudadas acabou ampliado, já que o formato dos textos clássicos não serve de subsídio para escrever cartas, por exemplo.
Em pouco tempo, no entanto, as correntes acadêmicas avançaram mais. Mikhail Bakhtin (1895-1975) apresentou uma nova concepção de linguagem, a enunciativo-discursiva, que considera o discurso uma prática social e uma forma de interação - tese que vigora até hoje. A relação interpessoal, o contexto de produção dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção de quem os produz passaram a ser peças-chave.
A expressão não era mais vista como uma representação da realidade, mas o resultado das intenções de quem a produziu e o impacto que terá no receptor. O aluno passou a ser visto como sujeito ativo, e não um reprodutor de modelos, e atuante - em vez de ser passivo no momento de ler e escutar (leia a entrevista com uma professora que procura seguir as tendências no quadro abaixo). Essas ideias ganharam suporte das pesquisas que têm em comum as concepções de aprendizagem socioconstrutivistas, que consideram o conhecimento como sendo elaborado pelo sujeito, e não só transmitido pelo mestre. Entre os principais pensadores estão Lev Vygostsky (1896-1934) - que mostrou a importância da interação social e das trocas de saberes entre as crianças - e Jean Piaget (1896-1980).
Nos anos 1980, Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, autoras do livro Psicogênese da Língua Escrita, apresentaram resultados de suas pesquisas sobre a alfabetização, mostrando que o aluno constrói hipóteses sobre a escrita e também aprende ao reorganizar os dados que têm em sua mente. Em seguida, as pesquisas de didática da leitura e escrita produziram conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem desses conteúdos.
Hoje, a tendência propõe que certas atividades sejam feitas diariamente com os alunos de todos os anos para desenvolver habilidades leitoras e escritoras. Entre elas, estão a leitura e a escrita feitas pelos próprios estudantes e pelo professor para a turma (enquanto eles não compreendem o sistema de escrita), as práticas de comunicação oral para aprender os gêneros do discurso e as atividades de análise e reflexão sobre a língua.
A leitura, coletiva e individualmente, em voz alta ou baixa, precisa fazer parte do cotidiano na sala. "O mesmo acontece com a escrita, no convívio com diferentes gêneros e propostas diretivas do professor. O propósito maior deve ser ver a linguagem como uma interação", explica Francisca Maciel, diretora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), em Belo Horizonte.
O desenvolvimento da linguagem oral, por sua vez, apesar de ainda pouco priorizado na escola, precisa ser trabalhado com exposições sobre um conteúdo, debates e argumentações, explanação sobre um tema lido ou leituras de poesias. "O importante é oferecer oportunidades de fala, mostrando a adequação da língua a cada situação social de comunicação oral." (Leia as expectativas de aprendizagem do 5º e 9º anos no quadro abaixo.)
Por esse entendimento da leitura, da escrita e da oralidade, mudam os objetivos da Educação. "Considerar que o objeto de ensino se constrói tomando como referência as práticas de leitura e escrita supõe determinar um lugar importante para o que os leitores e escritores fazem, supõe conceber como conteúdos fundamentais do ensino os comportamentos do leitor, os comportamentos do escritor", diz Delia Lerner no livro Ler e Escrever na Escola: o Real, o Possível e o Necessário.
Para que a aprendizagem seja efetiva, a intenção do educador deve ser a de extrapolar as situações de escrita puramente escolares e remeter às práticas sociais. Dessa forma, possibilita-se aos alunos o contato com gêneros que existem na vida real - e não propor a elaboração de redações escolares sem contexto. "A proficiência do aluno requer a aprendizagem não apenas dos conteúdos gramaticais mas também dos discursivos", diz Kátia.
Fontes Os Sentidos da Alfabetização, Maria do Rosário Longo Mortatti e PCNs
As aulas de Língua Portuguesa, desde o século 19, foram marcadas pelos métodos de ensino de leitura e escrita nos anos iniciais de escolaridade e normativos nos anos seguintes. Foram as pesquisas dos últimos 30 anos que mudaram esse enfoque. Leia o perfil de cada fase.
Professora de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano da EE Doutor João Ponce de Arruda e da EM São Sebastião, em Ribas do Rio Pardo, a 97 quilômetros de Campo Grande.
Como são suas aulas hoje?
O foco é a análise dos textos, não o ensino de regras gramaticais. Conforme discuto as produções dos alunos durante as aulas e faço as correções, mostro que faltou uma conjunção ou os melhores usos de um pronome, procurando aliar ao contexto. Mesmo assim, vejo grandes desafios.
Qual o maior deles?
A falta do hábito de leitura, o que prejudica os alunos no momento da compreensão dos textos. Para tentar solucionar essa questão, procuro apresentar vários gêneros, esmiúço cada um e provoco a interpretação para que a turma possa entender melhor o que está escrito.
Houve mudanças na maneira de ensinar nos últimos tempos?
Leciono há 24 anos, mas percebi que nos últimos 20 houve alterações na sala de aula. Antes disso, as fórmulas se repetiam. O livro didático era usado como único material e o foco principal de ensino era a gramática.
Ao fim do 5º ano, é importante que o aluno saiba:
Ao concluir o 9º ano, é desejável que o estudante esteja apto a:
Fonte Diseño Curricular de La Educación Secundaria da Província de Buenos Aires, Argentina
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