O ontem e o hoje, juntos, para ensinar
Os estudantes só aprendem a disciplina quando relacionam fatos, confrontam pontos de vista e consultam diversas fontes de pesquisa
17/10/2016
Este conteúdo é gratuito, entre na sua conta para ter acesso completo! Cadastre-se ou faça login
Compartilhe:
Jornalismo
17/10/2016
Em todos os tempos, o ensino de História foi permeado por escolhas políticas. No Brasil, após a proclamação da República, em 1889, a construção da identidade do país tornou-se prioridade. As elites tinham de garantir a existência de um estado -nação, escolhendo para ser ensinado aos alunos conteúdos que exaltavam grandes "heróis" nacionais e feitos políticos gloriosos. Desde então, pouca coisa mudou em termos do quê e como ensinar nessa área, sempre sob a influência, sobretudo, das visões de quem estava no poder. Para desenvolver a postura crítica da turma e dar aulas consistentes, é fundamental que o professor entenda esse processo. História é uma disciplina passível de múltiplas abordagens - que até recentemente não estavam em sala de aula, mas que hoje devem ser vistas com destaque. Por isso, tornou-se premente o trabalho com diversas fontes e o relacionamento do passado com o presente para que se entenda que contra fatos há, sim, argumentos. Tudo depende do olhar que se lança sobre eles.
Antes de a República ser instaurada no Brasil, não se ensinava a disciplina. Os jesuítas, que chegaram em 1549 e fundaram as primeiras escolas, usavam os textos históricos com visões bíblicas tão somente para ensinar a ler e escrever. Os conteúdos não eram discutidos e existia apenas uma verdade que jamais era contestada (leia sobre alguns mitos pedagógicos no quadro abaixo). Em 1837, no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, História passou a ter presença obrigatória no currículo (leia a linha do tempo abaixo). A ênfase principal era a formação da civilização ocidental e o estudo sobre o Brasil era relegado à situação de mero apêndice.
A maioria dos professores da escola carioca era formada por membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado no mesmo ano e adepto de uma visão política e romantizada da formação do país. Além de pautar o ensino pela questão da identidade de maneira ufanista, a instituição defendia que essa era a oportunidade em que os educadores deveriam moldar moral e civicamente as crianças e os jovens - um dos objetivos da disciplina na época e que está ultrapassado teoricamente.
A metodologia utilizada era a tradicional (conheça outros métodos no quadro abaixo), que tinha como princípio levar os alunos a saber datas e fatos na ponta da língua. Também houve a influência do historiador prussiano Leopold van Ranke (1795-1886), que via a história como uma sucessão de fatos que não aceitavam interpretação. Segundo ele, pesquisadores e educadores deveriam se manter neutros e se ater a passar os conhecimentos sem discuti-los, usando para isso a exposição cronológica. Na hora de avaliar, provas orais e escritas eram inspiradas nos livros de catequese - com perguntas objetivas e respostas diretas.
Essa postura em sala de aula só seria questionada no início do século 20, quando operários anarquistas de São Paulo e Porto Alegre, que lutavam por melhores condições de trabalho, criaram escolas inspiradas na pedagogia do espanhol Francisco Ferrer y Guardia (1849-1909). Nelas, valorizavam-se a racionalidade e o cientificismo e não havia espaço para a exacerbação do patriotismo. A História era explicada por meio das lutas sociais e não pela construção do Estado. Novas fontes de aprendizagem, como visitas a museus e exposições, foram incorporadas com o objetivo de fazer o aluno pensar e não apenas decorar o conteúdo. Além disso, temas como a Revolução Francesa eram abordados antes da Antiguidade, quebrando assim o paradigma da linearidade. As ideias revolucionárias, no entanto, foram pontuais e de pouca duração. As dez escolas com esse perfil foram fechadas com a pressão do governo de Arthur Bernardes (1875-1955), que sufocou os movimentos trabalhistas.
O cenário ficou ainda mais complicado quando, em 1930, Getúlio Vargas (1882- 1954), ferrenho nacionalista, subiu ao poder, ficando nele quase ininterruptamente até 1954. Nesse meio tempo, surgiram os primeiros cursos superiores de História, todos compactuando com a visão tradicionalista. Os estudos do suíço Jean Piaget (1896-1980) e do russo Lev Vygotstky (1896-1934), contudo, começaram a ser divulgados, trazendo teorias que influenciariam a Educação no geral, ao considerar as hipóteses prévias das crianças sobre os temas abordados na escola. Sendo assim, as aulas puramente expositivas não funcionariam mais e a ideia de que aprender é decorar começou a mostrar sinais de fragilidade.
A ditadura militar, nos anos 1960, fez com que as propostas mais avançadas demorassem para germinar. Em 1971, as autoridades substituíram História e Geografia por Estudos Sociais nas séries iniciais. Havia o medo de que o potencial político e crítico que o conhecimento mais profundo daquelas áreas poderia gerar reações revolucionárias. Segundo Circe Maria Fernandes Bittencourt, professora de pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, a fusão empobreceu os conteúdos de ambas as disciplinas, pois a ênfase passou para o civismo.
As mudanças mais significativas, entretanto, começaram a se desenhar com a influência da Psicologia Cognitiva, da Antropologia e da Sociologia. Essas duas últimas trouxeram, respectivamente, novos conteúdos e outras visões de fatos históricos - o que influenciaria a metodologia moderna de ensinar História. Além de ampliar o espectro de temas escolares - introduzindo, por exemplo, manifestações culturais locais - e de procurar diferentes versões, a metodologia moderna também se caracteriza pela ênfase na relação entre passado e presente, pelo rompimento com a linearidade e pela consulta a fontes de diversas naturezas. A partir dos anos 1980, cada vez mais professores foram tomando contato com essa nova forma de trabalhar (leia a entrevista no quadro abaixo).
Hoje não se concebe o estudo histórico sem que o professor apresente diferentes abordagens do mesmo tema, fato ou conceito - iniciativa importante para que o aluno perceba que, dependendo da visão e da intenção de quem conta a história, tudo muda. Basta pensar no exemplo de como entender o processo de formação de um bairro: pode-se vê-lo sob a ótica dos trabalhadores da região e das relações estabelecidas pelos modos de produção, dos que estiveram no poder, dos grupos minoritários que habitam o local ou das manifestações culturais, entre outras possibilidades. Durante as aulas, é impossível apresentar todas as maneiras de ver a história, mas é fundamental mostrar que ela não é constituída de uma única vertente (e que, até mesmo dentro de uma delas, pode haver interpretações diversas). O professor deve favorecer o acesso a documentos oficiais, reportagens de jornais e revistas e a outras fontes. O contato com essa diversidade leva o estudante a ter uma visão ampla e integrada da história. Além de textos, é recomendável que a turma consulte sites confiáveis, assista a filmes e documentários, visite museus e entreviste atores que tenham vivenciado os acontecimentos que estão sendo estudados. Tudo com planejamento e registro para que seja possível fazer uma avaliação minuciosa do processo.
Estabalecer a correspondência entre passado e presente passou a ser um dos objetivos da disciplina (conheça algumas das expectativas de aprendizagem no quadro abaixo) nos anos 1990, com a publicação pelo governo federal dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Daniel Helene, selecionador do Prêmio Victor Civita Educador - Nota 10, diz que relacionar os fatos ajuda na compreensão de que a História é um processo contínuo. Existe escravidão hoje em dia? Como ela era antigamente? "Isso deve ser feito de modo que o estudante entenda as transformações no decorrer do tempo. Essa também é uma forma de aproximar o conteúdo à vida do aluno - o que era impossível quando ele era transmitido cronologicamente. Esse procedimento passava a ideia de que a história é uma evolução, o que não é verdade. Hoje o professor pode explorar as diferentes formas de lidar com a temporalidade e, assim, estimular a reflexão. O resultado é que, em vez de decorar informações sem sentido, os jovens são estimulados a analisar o que aprendem e a memorizar conscientemente", afirma o consultor.
Desde a publicação dos PCNs, temas como ética e pluralidade cultural passaram a permear o ensino da disciplina, com mais uma novidade: se nos tempos idos o objetivo era fomentar a construção da identidade nacional, ancorada na deturpação e romantização de fatos, hoje o intuito é explorar as distintas identidades abrigadas em uma nação, tornando os alunos sabedores da diversidade cultural de sua época. Um desafio e tanto para os educadores contemporâneos.
Fonte Ensinar História no Século XXI: em Busca do Tempo Entendido, de Marcos Silva e Selva Guimarães Fonseca
As maneiras de ensinar História que já estiveram ou ainda estão presentes na sala de aula são:
Professora de História do 6º ao 9º ano da Escola Oswald Andrade, em São Paulo, conta como mudou a maneira de ensinar.
Como você aprendeu História?
O professor usava textos e expunha os conteúdos e os alunos decoravam. Apenas reproduzíamos as versões dos livros didáticos.
Sua visão mudou na faculdade?
Lá aprendi novos métodos e percebi que era necessário me basear em fatos próximos aos alunos e valorizar a experiência deles. Mas não apliquei isso de imediato.
Como ensinava no início?
De maneira linear, pois o material didático era assim. Mas com a formação em serviço aprendi outras formas de trabalhar e passei a lecionar usando os eixos temáticos.
Que perspectiva usa hoje?
Peço que os estudantes explorem várias fontes para que compreendam a história como sendo um fruto de transformações.
Quais materiais utiliza?
Livros didáticos, filmes e revistas, mas estou sempre aberta a receber sugestões da turma.
As orientações curriculares da prefeitura de São Paulo recomendam, entre outros itens, que ao fim do 5º ano os alunos sejam capazes de:
O documento prevê ainda que os alunos, ao fim do 9º ano, saibam:
Bibliografia
Últimas notícias