O mundo dentro e fora da escola
O ensino de Geografia deve se apoiar em saídas de campo, em leitura de textos de todos os gêneros e na produção e interpretação de mapas
17/10/2016
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Jornalismo
17/10/2016
O homem do século 21 revê o seu relacionamento com o meio ambiente e estuda as consequências de sua interação desmedida com a natureza. As fronteiras políticas se alteram por acordos ou guerras. A globalização aproxima, ao mesmo tempo que coloca em conflito diferentes povos. Com tudo isso, a forma de ensinar a ciência que estuda a Terra e suas transformações também se modifica. A Geografia tem passado por amplas tentativas de renovação (leia a linha do tempo no quadro abaixo) para conseguir formar estudantes capazes de compreender as relações entre a sociedade e a natureza. Nessas idas e vindas, foram criados caminhos e, às vezes, também equívocos (leia o quadro abaixo). Atualmente existem três perspectivas de ensino que, de acordo com os especialistas, devem ser trabalhadas de maneira complementar para que o espaço - o principal objeto de estudo da disciplina - seja bem compreendido.
Quando o foco da Geografia estava nas descrições físicas dos lugares, os estudos se concentravam em identificar os componentes da paisagem (tipos de vegetação, relevo e clima), o número de habitantes e a denominação de cidades e rios importantes que banham a região. Essa abordagem, chamada de tradicional, era "a ciência dos lugares e não dos homens", na definição do francês Paul Vidal de La Blache (1845-1918). "Acreditava-se que, se os alunos conhecessem as características físicas do território, desenvolveriam uma consciência de nação", conta Francisco Capuano Scarlato, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, na capital paulista.
Na década de 1960, alguns pensadores, em especial os franceses, passaram a defender que o estudo deveria se posicionar criticamente frente à realidade e à ordem constituída - e o geógrafo assumir a função de agente de transformação social. Assim, a disciplina se aproximou das ciências políticas. "Era a corrente crítica se opondo à tradicional. As principais características dessa concepção eram estudar o homem interagindo sobre o meio e conceber as relações sociais e de trabalho como decisivas na transformação do território", explica Marcos Bernardino de Carvalho, coordenador da pós-graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nela, compete ao professor mostrar os problemas sociais e, ao mesmo tempo, despertar nos estudantes a consciência sobre seu papel como cidadãos ativos na resolução dos problemas locais e gerais.
Mas essa visão gerou descontentamento entre diversos especialistas. Será mesmo que somente a luta de classes explica o comportamento da sociedade? Nos Estados Unidos, a reação a essa abordagem foi tão radical que a disciplina deixou de figurar no currículo de um grande número de estados. O resultado veio à tona no fim dos anos 1980, quando um estudo da Universidade da Califórnia mostrou que a maioria dos estudantes não sabia a localização de países e cidades importantes (e alguns nem sequer conseguiam encontrar no mapa a cidade onde moravam). O que, afinal, deveriam saber os alunos em época de globalização?
Uma das respostas a essa questão veio de pesquisadores que se debruçaram sobre o estudo da Geografia cultural - corrente criada na Alemanha no fim do século 19. Ela defende um relacionamento mais próximo com ciências como História, Antropologia, Sociologia, Filosofia e Psicologia, tendo foco na cultura e nas representações que o homem faz de si, dos outros e do espaço. "O valor que as pessoas atribuem à mata próxima da casa, ao shopping onde fazem compras ou às praças onde praticam esportes é levado em conta para retratar a realidade", explica Roberto Lobato Correa, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Muitos educadores acreditaram que a análise da relação do homem com seu meio aprofundaria o conhecimento sobre os territórios. A capacidade dos estudantes de compreender o planeta e dar significado ao que se aprende na disciplina, aproximando o conhecimento adquirido na escola da própria vida, também seria facilitada. Afinal, no mundo globalizado são a cultura e as manifestações locais que garantem a noção de pertencimento a um lugar.
Nas escolas brasileiras, a perspectiva tradicional, a crítica e a cultural dividem espaço nas salas de aula (leia o quadro abaixo). E isso é positivo. Para falar do rio que passa pela cidade, por exemplo, o professor pode começar pelo estudo da nascente e dos municípios que ele banha, abordando o conceito de mata ciliar (análise descritiva da perspectiva tradicional), trabalhar os impactos da produção industrial e agrícola e as dificuldades econômicas dos ribeirinhos (relação entre a economia e as consequências sociais defendidas pela perspectiva crítica) e encomendar pesquisas sobre a relação da população com o curso d'água e a importância para a cultura local (objetos de estudo da perspectiva cultural).
Para aquele que dá aulas, o desafio é fazer uma preparação adequada, buscando vivência cultural e formação embasada em teorias, com o domínio das didáticas específicas (leia entrevista no quadro abaixo). "Para que os alunos compreendam as transformações no território e relacionem os conteúdos estudados ao que viram na televisão ou a algo que ocorreu na vizinhança, eles precisam entrar em contato com conceitos estruturantes da área, como paisagem, lugar e território", destaca Levon Boligian, autor brasileiro de livros didáticos.
A disciplina tem como uma de suas principais ferramentas a cartografia. Logo, nenhum estudo dessa área será completo se a criança não souber interpretar e produzir mapas. Essa alfabetização cartográfica começa nas séries iniciais (com a confecção de planos da sala de aula ou da escola e de mapas do tesouro) e perpassa toda a escolaridade. "Os desenhos de observação são essenciais em Geografia. Com a intervenção do professor, a garotada entende que as noções espaciais são usadas por todas as pessoas diariamente e que é possível representar a realidade de uma maneira que todos entendam", ressalta Sueli Furlan, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. O aprendizado dessa linguagem comum se dá quando as noções topológicas (perto e longe, alto e baixo, por exemplo) e de proporção, redução e escala são trabalhadas em sala de aula, assim como o significado das legendas e dos símbolos que representam a paisagem.
Mas as atividades de cartografia ganham outra dimensão com o uso da tecnologia. "Páginas gratuitas na internet, como as do Google Earth, proporcionam a visualização das cidades, permitindo a localização de lugares", diz Levon Boligian. Uma ideia é dar coordenadas geográficas para que os alunos encontrem no globo o ponto correspondente. "Com uma sequência de atividades bem elaborada, a turma vai entender latitude e longitude e a importância da divisão do planeta em linhas de localização", explica Boligian. Já no estudo sobre a ocupação de regiões, esse mesmo programa permite comparar imagens. Fotos aéreas de São Paulo e de uma cidade africana, por exemplo, levam à reflexão sobre as distintas formas de ocupar e organizar o espaço, revelando um pouco da cultura local.
Apesar da importância da cartografia, a observação continua sendo a essência do trabalho do geógrafo. Por isso, as saídas a campo estão cada vez mais presentes no planejamento das aulas. "Nelas, o aluno colhe informações que garantirão a compreensão da realidade", destaca Sueli Furlan. Esse tipo de estudo não requer viagens longas: pode ser realizado no bairro ou em uma visita ao centro da cidade. Porém é fundamental haver a orientação clara do professor na produção de pautas de observação e na escolha de materiais que permitam detectar as mudanças ocorridas no local, como fotos antigas, mapas e ilustrações.
Ler é um procedimento fundamental em Geografia. O contato com diversos gêneros, literários e informativos, faz com que a garotada aprenda a buscar informações em várias fontes. "A literatura ajuda as crianças a perceber o contexto no qual aquele espaço está inserido e a apurar a capacidade de descrevê-lo, destacando as características mais importantes de acordo com a intenção", explica Sueli. Indicar a leitura de grandes autores é um ótimo caminho para desenvolver o imaginário do aluno, sair da visão puramente científica da disciplina e lembrar que ela tem uma ligação humana e prática.
Todo o esforço de unir as perspectivas tradicional, crítica e cultural na sala de aula, agregando os recursos adequados para ensinar, tem como meta fazer com que o estudante avance nos saberes geográficos (leia o quadro abaixo) e perceba quanto eles são aplicados no dia-a-dia, seja no mapa mental elaborado no trajeto de casa para a escola, seja na observação e compreensão dos costumes locais. "A ideia é fazer os jovens entenderem que ser cidadão é também ter o sentimento de pertencer a uma realidade na qual as interações entre a sociedade e a natureza formam um todo que está constantemente em transformação", acredita Sueli.
Fontes Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), O Ensino de Geografia no Século XXI, de José Willian Vesentini, e Roberto Lobato Corrêa
Até os anos 1970, o ensino da disciplina era ancorado apenas em uma abordagem. Depois, duas novas correntes surgiram.
Professor de Geografia de 6ª série em Londrina, a 370 quilômetros de Curitiba, conta como mudou a maneira de ensinar a disciplina.
Qual era a perspectiva dominante no ensino de Geografia quando você se formou?
Nos anos 1990, meus professores trabalhavam com a abordagem crítica, mas a Geografia tradicional ainda fazia parte de nossa prática.
Quando sua atuação mudou?
Assim que comecei a dar aulas, fiz cursos de formação nos quais aprendi a perspectiva cultural.
O que você aprendeu?
A conhecer a visão dos alunos sobre o lugar e a fazer com que eles relacionem o conhecimento escolar à própria vida.
Que recursos você utiliza?
Uso mapas e a descrição física dos lugares, conectando os conteúdos e o que eles observam no dia-a-dia.
Como a cultura é abordada?
Para que os estudantes compreendam o lugar onde vivem, mostro a transformação do espaço ao longo do tempo, de acordo com os traços culturais de antes e de hoje.
As orientações curriculares da prefeitura de São Paulo recomendam que, ao fim do 5º ano, os alunos sejam capazes de:
O documento prevê ainda que os alunos do 9º ano saibam:
Bibliografia
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