O dia a dia de trabalho
Planejamento, aulas e o cotidiano, administração de tempo e os limites da atuação
PorNOVA ESCOLA
23/09/2016
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
23/09/2016
59 horas/semanais é a média que o professor brasileiro gasta em atividades relacionadas ao trabalho, segundo declaram.
16% é a cota de docentes que afirmam dar aula ou ter outra atividade aos sábados.
65,9% é o percentual de professores brasileiros que escolheram a palavra "transformação" como a que mais se relaciona com o ensino.
64,2% é o percentual de professores que consideram o trabalho em equipe "necessário, mas só às vezes possível".
O tempo em classe
O que fazer se uma etapa da atividade planejada durou mais do que se previa, impedindo que fosse concluída na aula? "Não adianta correr para dar a matéria se o ritmo da classe se mostra mais lento", alerta a doutora em Educação Terezinha Azerêdo Rios. É incoerente apenas cumprir o programa se os alunos não aprenderem direito. A saída é passar o que ainda seria abordado naquele dia para a aula seguinte, ainda que seja preciso redimensionar o que vem depois. Ana Inoue, coordenadora do Instituto Pedagógico Acaia, em São Paulo, dá uma dica: ficar atento para não gastar tempo demais com tarefas obrigatórias ou necessárias, mas secundárias, como a chamada e a distribuição de materiais. A recomendação é evitar ou administrar procedimentos que deixem os alunos esperando. "Realizar algumas atividades em grupo ou em duplas também ajuda a otimizar o tempo em sala de aula", acrescenta.
Abordagens campeãs
Os coordenadores pedagógicos citam os cinco temas mais tratados nas reuniões com os docentes
Fique de olho no repertório do aluno
Por inexperiência, um iniciante pode incorrer num erro básico: tentar ensinar os conteúdos do jeito que os aprendeu na graduação. Não funciona, segundo alerta Juliano Custódio Sobrinho, professor da Universidade Nove de Julho, em São Paulo, e ganhador do prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita (FVC), quando atuava na Educação Básica. "Obviamente, o nível de conhecimento de um universitário é diferente do de um aluno do Ensino Fundamental. É essencial levar em conta a faixa etária da série em que atua e o repertório da garotada. "Conhecer bem o nível dos alunos faz toda a diferença para a eficiência do trabalho docente."
Ensinar e aprender
Veja quais os principais motivos que levaram os iniciantes (com menos de três anos de experiência) a escolher a profissão, segundo uma pesquisa com 3.584 docentes de escolas públicas e particulares de sete estados do país:
65% é o percentual de professores que avaliam a própria aula como "excelente" ou "muito boa".
Instrumento de primeira necessidade
Saiba como fazer e utilizar o portfólio dos alunos
O que é Importante aliado do professor e da coordenação pedagógica, o portfólio é um conjunto organizado de trabalhos produzidos pelo aluno ao longo de um determinado período (o ano letivo, por exemplo) e que se transforma em um instrumento de avaliação. Quando bem feito, traz, além das produções dos alunos, relatórios em que o professor comunica o que foi aprendido, de maneira clara, para a coordenação, os pais e os colegas.
Como fazer É preciso separar, de forma contínua, os trabalhos e já ir organizando o portfólio no decorrer do período. Essa seleção pode ser feita exclusivamente pelo professor ou com a colaboração dos alunos. Segundo Heloisa Ramos, formadora de docentes e colunista de NOVA ESCOLA, o que importa é selecionar trabalhos que demonstrem a trajetória da aprendizagem. Segundo ela, esse documento deve incluir uma introdução com a apresentação dos conteúdos abordados, a data de cada produção catalogada, uma breve descrição delas, reflexões do aluno e comentários do docente. Vale, ainda, incluir uma autoavaliação da criança.
Para que serve Do ponto de vista do aluno, o portfólio permite retomar o seu próprio percurso e rever pontos a estudar. Para o professor, possibilita avaliar, de forma contínua, a turma e cada criança ou adolescente, indicando o que precisa ser trabalhado na sequência e, principalmente, de que forma. Já o coordenador pedagógico tem nesse registro um meio de determinar temas a serem abordados na formação docente em serviço, tanto no atendimento individual quanto nas reuniões com toda a equipe.
88% é o percentual de professores que consideram a formação continuada necessária.
63% Para esse grupo, o coordenador colabora muito ou o suficiente para melhorar o ensino.
Avaliações contínuas
Há diferentes maneiras de verificar o que os alunos estão aprendendo e as provas escritas tradicionais são apenas uma delas. Quanto mais ferramentas forem usadas pelo professor para fazer esse diagnóstico continuamente, melhor. "Nem todos conseguem demonstrar suas aprendizagens da mesma forma", justifica Daniele Pagliarin, professora da rede municipal de Caxias do Sul. A observação permanente do desempenho das crianças ou dos adolescentes em sala de aula durante variadas atividades individuais e em grupo - que envolvam leitura, escrita, pesquisa e apresentações orais, entre outras -, acompanhada de anotações, consiste em um recurso valioso.
Como fazer uma boa prova
Algumas medidas ajudam a formular testes mais precisos de avaliação da aprendizagem dos alunos
Prepare uma matriz Organizar quais são exatamente os conhecimentos e as habilidades trabalhados e que, por isso, podem ser avaliados, ajuda a formular questões mais focadas.
Seja coerente O diálogo entre o que foi tratado em sala e o que cai na prova é essencial. Se nenhuma questão com o mesmo nível de dificuldade apresentado foi resolvida em classe, não dá para pedir que os alunos consigam, sozinhos, realizar a façanha.
Cuide do enunciado Os textos precisam seguir uma linguagem condizente com o nível de leitura em que se encontram os alunos naquela faixa etária. É sempre melhor evitar enunciados longos demais, que dispersam do foco central.
Não erre no tamanho Prova boa não precisa ser grande. O número de perguntas deve ser proporcional ao tempo disponível para solucioná-las.
Sozinhos ou em grupo?
Dependendo dos objetivos, o professor pode propor atividades individuais ou em equipe para a turma, mas essa organização precisa ser bem planejada para que dê os resultados esperados. Veja quando cada uma delas é a mais adequada:
Individual Indicada quando é necessário que o aluno tenha um tempo só dele para colocar em jogo o que sabe ou para os momentos em que o professor queira propor uma atividade com um nível de desafio específico para cada um da turma.
Em dupla Essencial para possibilitar a estudantes com níveis de conhecimento diferentes trocar informações de tal forma que ambos atinjam um novo patamar de aprendizagem.
Em grupo Especialmente recomendada para ampliar o debate quando o tema a ser desenvolvido é mais abrangente e requer diversidade de opiniões. Essa formação exige que os estudantes desenvolvam de forma mais complexa as capacidades de dividir tarefas e de argumentação. Pode também ser um momento posterior ao trabalho em dupla, para que as crianças compartilhem o que já produziram de conhecimento sobre o tema.
Para acabar com a cola
Um dos maiores desafios dos professores é evitar a cola nas provas. E as estratégias - todos bem sabem - são variadas: copiar partes dos livros e das apostilas em pequenos pedaços de papel e escondê-los em canetas, escrever um resumo na mão ou em outras partes do corpo, passar para o celular as informações mais importantes, olhar as respostas do colega, trocar de folha com ele etc. O professor, por sua vez, busca driblar a situação por diferentes meios: ameaçando a turma, exigindo conteúdos não trabalhados em sala, redobrando a vigilância, dando avaliações surpresas ou fingindo que nada vê. Porém, de acordo com os especialistas, nada disso ajuda a entender o que os estudantes aprenderam de verdade - e esse é o objetivo da prova, certo? A saída, de acordo com eles, é elaborar provas que façam a turma pensar e que não exijam decoreba. Dessa forma, nenhuma das tradicionais artimanhas da garotada vai trazer bons resultados e, por outro lado, o que os estudantes colocarem no papel vai dar um panorama confiável do nível em que estão.
2 horas ou mais. É quanto duram 92% das reuniões de docentes.
"A aula começa muito antes de o professor entrar na classe e não termina assim que ele sai de lá. Mas isso não significa ter de dedicar todo o seu tempo às atribuições profissionais. Daí a necessidade de existir uma boa organização por parte da escola, de maneira a não haver sobrecarga de tarefas e um desgaste do corpo docente. Ajuda muito, especialmente para quem está começando, considerar que o trabalho faz parte do seu cotidiano pessoal, ou seja, não é algo 'extra' na vida. Nem é possível separar tanto. Até o tempo para o lazer e a cultura acaba convertido em benefício da sua atividade na escola."
Terezinha Azerêdo Rios, doutora em Educação e colunista da revista GESTÃO ESCOLAR.
"Não tenho dúvida de que o planejamento ajuda bastante a administrar o tempo em sala, ou seja, a não se perder. No entanto, a sua realização depende muito do contexto que o professor encontra em cada turma e a cada aula. Por isso, ele deve se manter permanentemente atento às necessidades de mudança que podem surgir no decorrer do percurso, sem qualquer aviso ou previsão. Aí é preciso parar, refletir e corrigir a rota traçada. Uma coisa que acho importante, mesmo que o docente tenha de fazer alguns cortes no que foi programado, é não deixar o tempo se esgotar sem fazer um fechamento sempre que concluir a abordagem de um determinado conteúdo. Nessa hora, a proposta é sintetizar para os alunos as atividades que foram desenvolvidas e o que foi aprendido durante aquele período."
Luiza Helena da Silva Christov, docente do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (Unesp), campus de São Paulo.
"Se o iniciante percebe que conhece bem os conteúdos da sua disciplina, mas não se sente preparado para ensiná-los, deve buscar apoio na literatura. Há pesquisas específicas sobre o ensino da Matemática, da História etc. Não se admite mais o raciocínio 'Eu ensinei, mas a classe não aprendeu'. Se não houve aprendizado, é porque o conteúdo não foi ensinado corretamente."
Ana Inoue, coordenadora do Instituto Pedagógico Acaia, em São Paulo.
O que são as modalidades organizativas?
São formas de planejar as aulas de acordo com a complexidade do que será trabalhado. A pesquisadora argentina Delia Lerner as classificou em três grandes blocos:
1. Atividade permanente Realizada regularmente (todo dia, uma vez por semana etc.). Em geral, está ligada a procedimentos (como cálculo mental) e comportamentos leitores e escritores.
2. Sequência didática É um conjunto de propostas com ordem crescente de dificuldade. Cada passo permite que o próximo seja realizado.
3. Projeto didático É um tipo de organização e planejamento do tempo e dos conteúdos que envolve uma situação-problema. Seu objetivo é articular propósitos didáticos (o que os alunos devem aprender) e sociais (o produto final do trabalho, como um livro ou uma exposição).
O que é feito no horário de trabalho pedagógico coletivo?
Na reunião muitas vezes chamada de HTPC - sigla de horário de trabalho pedagógico coletivo - os docentes da escola se reúnem com o objetivo de aprimorar o processo de ensino e de aprendizagem. Esse é o momento oficial de formação em serviço. A principal ação é refletir de forma colaborativa sobre as práticas em sala de aula e encontrar novas estratégias para lidar com as dificuldades encontradas na escola. Para o iniciante, essa é a oportunidade perfeita para promover uma troca produtiva com os mais experientes - pensando em formas de alcançar o crescimento conjunto. Podem ser discutidos os mais variados assuntos, desde atividades para estimular nos alunos o gosto pela leitura até problemas específicos de aprendizagem detectados em uma série. É atribuição da coordenação pedagógica preparar uma pauta, com base nas necessidades da equipe. Aliás, a responsabilidade maior para que tudo ocorra bem é dos gestores, mas cada professor deve fazer sua parte. Isso inclui não faltar e contribuir sugerindo leituras enriquecedoras para o grupo.
Que tipo de atuação em sala de aula faz o professor se destacar?
O docente que faz a diferença em sala de aula é aquele que, basicamente, dirige todo o seu foco para a turma e procura ouvi-la sempre. "É necessário ter habilidade para a escuta, curiosidade pelas ideias dos alunos, capacidade de pesquisar e um compromisso com a ampliação do universo cultural deles", resume a professora Luiza Helena da Silva Christov, da Unesp.
O professor tem sempre de levar provas para corrigir e realizar várias tarefas fora do expediente?
O trabalho do professor envolve muitas tarefas além das realizadas em sala, mas ele não precisa, necessariamente, levar pilhas de provas para casa. Isso depende da carga horária que cumpre, em quantas escolas leciona e para quantas turmas. Se precisa se desdobrar em duas ou três unidades e tem um enorme volume de alunos, sua rotina será, de fato, sobrecarregada. Caso contrário, tudo vai depender da sua organização e das condições em que está contratado. Algumas redes preveem na jornada dos docentes uma cota de horas destinadas aos trabalhos extraclasse, justamente para que seja possível realizar todas as tarefas durante o expediente. Há escolas particulares que fazem o mesmo. "Ainda assim, nem sempre se consegue dar conta de toda a demanda nesses horários e acaba sendo necessário levar, sim, atividades para serem terminadas ou iniciadas em casa", diz a professora Daniele Pagliarin, de Caxias do Sul. Às vezes, esse procedimento é até uma opção. Muitos preferem cumprir algumas atividades fora da escola, até pela questão da tranquilidade e da concentração. De acordo com a psicóloga e educadora Ana Inoue, coordenadora do Instituto Pedagógico Acaia, em São Paulo, existe um trabalho que sempre será feito depois do expediente (em casa ou a caminho dela): a reflexão individual, com dados ainda bem frescos na cabeça, sobre o que ocorreu nas aulas do dia. "Para a qualidade do trabalho docente, é muito importante manter esse fluxo contínuo de dar a aula, pensar sobre ela, mudar conceitos e práticas, dar outra aula, mudar novamente."
O iniciante deve se contentar com o material didático fornecido ou recomendado pela escola ou pode buscar outros?
Não só pode buscar recursos extras, como deve - e a oferta é grande. Ocorre que se convencionou chamar de material didático somente aqueles que são fabricados explicitamente para ensinar, e isso não é verdade. Muitos professores usam apenas o livro didático e frequentemente desprezam, por exemplo, as novas tecnologias, com as quais os alunos têm muito mais desenvoltura. O objetivo não é focar somente o campo em que a garotada se sente mais à vontade, como a internet, mas é possível usar isso às vezes como ponto de partida para ampliar repertórios. Questão importante: não se deve dispensar recursos clássicos, como o mapa-múndi, só porque eles não são novos e criativos. A seleção de materiais deve estar sintonizada com aquilo que se quer dos estudantes. Se a proposta é que leiam mais, é preciso apresentar o máximo de opções que incentivem isso, como jornais, livros, gibis e revistas.
O professor novato pode incluir fatos da atualidade no planejamento?
"Os alunos recebem informações a todo o momento e cabe aos professores ajudá-los na compreensão do que é divulgado pela mídia", diz Daniele Pagliarin, professora em Caxias do Sul. Pensar em estratégias para levar fatos relevantes da atualidade para dentro da sala de aula é, portanto, uma proposta que ganha aprovação. "O professor só tem de saber o que quer ensinar com aquela atividade", alerta Marta Durante, diretora pedagógica da Escola Santi, em São Paulo. De fato, se não tiver essa clareza, como vai verificar depois se funcionou? A atividade pode até entusiasmar as crianças. Porém, se não ensina o que deveria, não é eficiente.
Diagnosticar para agir
"Planejar requer muita reflexão, porque é preciso ajustar os objetivos à realidade que encontramos. Sou formada em Pedagogia e, em 2011, me foi proposto o desafio de assumir como professora substituta uma turma de 4º ano já no fim de abril. A coordenadora pedagógica me perguntou: 'Você está preparada e aceita?'. Os alunos, praticamente, não tinham visto os conteúdos programados. Precisei fazer um movimento de retomada para conhecer o que eles, de fato, sabiam. Eu me concentrei, principalmente, em Matemática e Língua Portuguesa, mas sem esquecer as demais disciplinas, como Ciências. Cada turma é diferente da outra e exige um planejamento único. Porém, o dessa foi ainda mais específico. Tive até mesmo de investir na parte afetiva, porque as crianças ficaram sem professor por um período sinificativo. Considero fundamental durante esses meses ter dosado os conteúdos de maneira adequada ao ritmo da turma. Para minha satisfação, essa experiência foi um sucesso."
Daniele Pagliarin, professora da rede municipal de Caxias do Sul, a 131 quilômetros de Porto Alegre.
Precisa ter cartas na manga
"Meus primeiros dias como professora foram um pouco conturbados, porque assumi uma turma de Educação Infantil no meio do ano escolar. Por sorte, nós podemos encontrar profissionais experientes que se transformam em verdadeiros anjos da guarda. A antiga titular da minha classe me mostrou como funcionava a instituição, me orientou sobre os alunos, as rotinas e os espaços, além de mostrar como intervir em conflitos e como conversar com os pais. Uma das coisas que aprendi nessa fase foi que o planejamento precisa ser muito flexível, pois o que você espera que ocorra em sala pode, muitas vezes, não dar certo. Nunca se sabe como a classe vai reagir. Por isso, é sempre bom ter algo na manga: uma segunda, até uma terceira atividade."
Brenda Paes Moreira, professora da Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo (USP).
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