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Jornalismo

O que está incluído em uma alfabetização inicial para todos?

Área de estudo: Didática da leitura e da escrita

PorNOVA ESCOLA

05/01/2016

Mirta Castedo,

Mirta Castedo,
diretora do Dep. de Ciências da Educação da Univ. de La Plata, é professora titular de Didática do Ensino Primário e Observação e Didática da Leitura e Escrita

A partir deste século, vários países latino-americanos tentaram e conseguiram, progressivamente, recuperar a responsabilidade na condução dos destinos coletivos e isso se manifesta, no âmbito educacional, em políticas caracterizadas por um forte ideal de inclusão. Essa tendência compete com outra perspectiva, reforçada nas últimas décadas do século passado, centrada em medir a eficácia do sistema em relação a determinados parâmetros, em que o Estado se encarrega do controle sobre o produto - avalia e mede as aprendizagens dos alunos e professores, compara esses resultados, recompensa e pune, mas não se envolve nas condições em que as aprendizagens foram geradas.

Nosso trabalho analisa as condições de ensino que criam a possibilidade de inclusão e procura desfazer a reprodução das desigualdades baseadas na ideia de que as diferenças de origem familiar reforçam as diferenças nas oportunidades educacionais.

Como educadores, essa participação supõe ao menos três tipos de intervenção: nas condições de ensino em sala, na organização do ensino no âmbito da instituição e nas de políticas de funcionamento dos sistemas de Educação que limitam, restringem ou permitem o desenvolvimento dela. Nesse mesmo sentido, Flavia Teriggi diz: "...os últimos cinco anos têm sido férteis na produção de teorias didáticas comprometidas com a análise das condições de ensino e com a criação de formas de trabalhos pedagógicos capazes de alterar a relação dos alunos com o conhecimento e de construir poder intelectual" (Terigi, 2004: 193).

Estas reflexões1 não têm a intenção de proporcionar conhecimento mais amplo sobre as práticas de ensino, e sim de voltar a algumas que já conhecemos por outras publicações para analisá-las do ponto de vista de seu potencial a fim de incluir todos em todas as culturas escritas. Mas é conveniente explicar que não pretendemos voltar ao modelo de escola que surgiu com os estados modernos, em que a igualdade é equiparada à homogeneidade e em que se "lutou não só contra as diferenças linguísticas mas também contra as diferenças dialetais da fala, ajudando, dessa maneira, a criar o mito de um padrão único para ter acesso à língua escrita" (Ferreiro, 1994).

Pelo contrário, é possível pensar em termos de inclusão de diversidades sem homogeneizar, sem comprometer a realização de uma base de conhecimentos universais. Incluir a diversidade, porém, não garante que não se voltará a gerar exclusão. Se o outro é diferente porque é portador de algo que normalmente o resto não possui, ele é visto como um anormal. O problema central é a identidade na diferença, e não apenas a celebração da diferença: há algo comum a todos e todos são (somos), ao mesmo tempo, diferentes. Trata-se de incluir a nós mesmos como iguais, em vez de incluir os diferentes em um ato de generosidade forçada. "A diferença só é um direito se é afirmada com base na semelhança, na universalidade do ser humano" (Lerner, 2007: 9). Basicamente, de acordo com esta autora, vamos trabalhar com duas ideias centrais: "incluir no ensino todas as variedades próprias do objeto de conhecimento" (2007: 16) e "aceitar que a diversidade na sala de aula é a regra e não a exceção"(2007: 9).

Em que se baseia essa inclusão? Trata-se, ao mesmo tempo, de incluir as crianças em novas culturas escritas - no sentido de que são novas para elas quando entram na escola - e de incluir na escola as culturas escritas de que elas já são portadoras antes de entrar. Não só se ensinam novas culturas escritas que a escola oferece como um objeto a ser aprendido como também se ensina a situar sua própria cultura como parte da cultura de todos. Ensina-se a objetivá-la como uma entre outras, em pé de igualdade.

Nós argumentamos, em vários documentos e fóruns, que um propósito fundamental da Educação é incorporar todas as crianças e os jovens na cultura escrita (entre outros, Lerner, 2001: 15). David Olson disse, em 1995, que participar da cultura escrita é "a capacidade de participar de uma tradição escrita em ciência, filosofia e literatura...". Vários anos depois, podemos dizer que o singular deve ser enunciado no plural. Precisamos construir uma escola que se constitua como o lugar central onde todos consigam conquistar o poder de participação nas tradições escritas das ciências, filosofias e literaturas de diferentes povos e diferentes épocas e todos possam fazê-lo com base em suas diversas origens culturais. Não se trata de uma única cultura escrita e isso ocorre não só entre os povos diferentes mas também no interior de cada um deles.

Crianças e jovens deveriam ter a possibilidade de conhecer várias tradições literárias, e não apenas a sua ou as reconhecidas como antecessoras das próprias tradições. Por meio do acesso ao que nos é diferente, objetivamos o que é nosso, o que temos em comum e o que nos diferencia. O mesmo ocorre nas ciências e nas filosofias e nas suas formas de ler e escrever: ter acesso aos conceitos de saúde, doença, vida, morte, beleza, arte... em diferentes culturas é ter acesso a diferentes formas de dizer o mundo. Compreender essas formas permite um afastamento da sua própria palavra, a objetividade que é essencial para compreender os demais, para entender que não somos mais que uns entre outros. Outros, por vezes, distantes no tempo ou no espaço, mas, muitas vezes, no contexto da diversidade cultural latino-americana e em tempos de grandes movimentos migratórios. Esses outros estão próximos e compartilham a mesma sala.

Por último, mencionamos que participar da cultura escrita pressupõe ingressar nela ou ter acesso a ela e, como resultado dessa participação - se ela é realmente legítima -, transformá-la. Cultura escrita "não é", "está sendo", e aspiramos que todos tenham direito de participar. Ingressar nas culturas escritas e transformá-las é um direito. Tornar isso possível para todos, independentemente da sua cultura de origem, é a missão política da escola hoje (Castedo e Zuazo, aceito para publicação).

Analisemos duas situações muito frequentes nas nossas salas de aula. A primeira, a leitura em voz alta do professor e a abertura de um espaço de discussão (Castedo, Molinari, Torres e Siro, 2001; Cuter, Lobello e Torres, 2001; Lerner e outros, 1996). Nós tentamos colocar as crianças em contato com todos os textos que podíamos tanto no papel como na tela. Oferecemos a elas a diversidade de culturas escritas da maneira como elas são, culturas próximas e distantes tanto no tempo como no espaço. O próximo porque é familiar, e o distante, porque "...quem não teve acesso a outra cultura, a reconhecendo como legítima, não sabe que sua cultura é uma cultura. (...) É necessário que a escola permita aos alunos compreenderem que a vida é diferente do 'lado de fora', em outras classes sociais e em outros lugares, que foi diferente no passado e que pode ser diferente no futuro" (Lerner, 2007: 9).

Quando lemos em voz alta e abrimos espaço para que os alunos exponham suas opiniões, tentamos encontrar um tema, um problema ou uma questão que seja atraente para que tenham vontade de opinar. Um problema que seja relevante para lhes dar a oportunidade de resolvê-lo enquanto o professor intervém para ajudar na tarefa, envolvendo-os como sujeitos cognitivos capazes de pensar por si mesmos. Interessa-nos, especialmente, que consigam discutir com o texto, para o qual voltamos várias vezes, relendo trechos, observando as formas de expressão das culturas escritas presentes neles e, ao transporem a língua escrita, transformem a língua falada.

Analisamos as formas específicas em que as mesmas ideias (motivos) são expressadas em palavras na língua escrita, em diferentes relatos, de uma forma particular, própria e pouco evidente. Destacar relações implícitas entre as ideias e as palavras é algo feito não só em relação a uma história particular, mas também entre histórias, e não apenas na literatura.

O docente sempre devolve aos alunos o problema da interpretação do texto. Ele discute o que é possível interpretar. Faz isso pautando a atividade com intervenções que os ajudam a voltar ao texto e a relacionar partes não contíguas, construindo interpretações que nem sempre são evidentes. Por exemplo, às vezes, ele se detém para avaliar como a narração de uma história é o que nos permite imaginar uma personagem com certas características. Outras vezes, relaciona histórias de um mesmo tipo para aprender sobre o que está além da narração e de cada história em particular, por ser próprio de um gênero.

O professor mobiliza nos estudantes saberes já disponíveis com base na experiência escolar (e extraescolar), sendo essencial fazer essa relação para construir novos saberes. Eles sabem sobre lobos, bruxas e madrastas porque leram ou ouviram alguém ler histórias. Mas para construir a ideia de adversário é necessário evocar ao mesmo tempo todos os malvados e chamar a atenção para a regularidade do papel deles nesse tipo de história. Trazer o que já é conhecido para construir saberes é uma intervenção feita constantemente se nos propomos a incluir as ideias do outro no conhecimento a ser alcançado por todos.

Não apresentamos problemas simples, mas complexos, porque as crianças são diferentes porque são crianças e, portanto, leram menos do que um adulto, mas são idênticas a qualquer outro ser humano, de qualquer cultura, porque elas resolvem problemas cognitivos como os demais: inferindo, generalizando, abstraindo, refletindo, comparando...

A interação permanente com a linguagem escrita da voz do educador que lê e comenta textos com as crianças e constantemente se refere ao que é dito no texto, ao mesmo tempo que constrói com elas o significado faz com que, inevitavelmente, a linguagem oral se transforme progressivamente. E mais ainda quando podem ler sozinhas. Portanto, a moderação das discussões sobre a leitura feita se dirige ao conteúdo referencial ou à reflexão sobre como a linguagem se refere aos fatos e não à recuperação dos eventos mais importantes, à ordem em que ocorreram, à pronúncia ou à sequência das frases com as quais são enunciados. As crianças se expressam como podem, em sua própria variante de fala, e progressivamente, vão aprendendo as formas de se expressar nas várias culturas escritas às quais têm acesso por meio da leitura própria ou feita pelos adultos.

Não apenas ler e comentar sobre histórias. Ocupamos o tempo em aula com uma conversa permeada pela cultura escrita. Se vamos comentar os acontecimentos do fim de semana ou do dia anterior, jornais e revistas servem para esclarecer, expandir e enriquecer as interpretações. Se vamos compartilhar a preocupação com a doença de um animal de estimação, a oportunidade é boa para ler algo sobre como cuidar dele. Nem sempre, mas mais frequentemente do que nas práticas tradicionais, recorremos à escrita.

Trata-se de construir um novo estatuto de expectativas mútuas entre docente e aluno. De "eu-adulto corrijo quando você-criança fala e controlo o que você interpreta quando eu leio" para "eu-adulto não interrompo quando você fala, você-criança não me interrompe quando eu leio; eu escuto quando você fala, você me ouve quando releio, ambos temos o direito de interpretar e estamos limitados pelo próprio texto". Não há a necessidade de aprender a falar - isso elas já sabem. Precisamos aprender a falar em e sobre outras línguas, as línguas escritas.

A segunda situação é a leitura das crianças por si mesmas (Castedo, 1999; Castedo, Molinari, Torres e Siro, 2001; Kaufman, 1997; Lerner e outros, 1996; Lerner, Cuter, Lobello e Torres, 2001). O professor as incentiva a explorar todos os textos de maneira autônoma. Por exemplo, pede para que procurem onde está escrito "rinoceronte", "África", "rã" ou "fragata" na lista do índice de uma enciclopédia de animais. Aproveita a oportunidade para analisar outras palavras interessantes porque elas são compostas de várias partes e com as quais também se formam outras palavras, como "gafanhoto", "mamíferos" / "mama", "formiga" / "formigueiro", "subterrâneo" / "subaquático" e assim por diante. Propõe pesquisar se nos ingredientes de "arroz-doce" está incluída a "canela"...

Nessas situações, o docente devolve às crianças o problema da leitura. Porém como dar o direito de elas lerem quando ainda não o sabem? É verdade, elas não leem como nós lemos, mas o fazem exatamente igual a nós: interpretam indícios, predizem, antecipam e inferem de maneira perfeitamente lógica. Ou seja, fazem o que faz qualquer sujeito cognitivo: coordenam informações. Então, ainda que as respostas sejam diferentes, algumas mais próximas das convencionais e outras distantes, não há diferença entre quem afirma que está escrito MARTINIANO em MANUELA e quem diz que esse não pode ser um nome de homem. Ambos são diferentes nas respostas, mas não no processo.

No ensino tradicional, quando não se considera que as crianças leem de modo diferente, primeiro é ensinado a sonorizar as letras para depois juntá-las, quer elas apareçam ou não no contexto das palavras e das frases. Nas propostas mais atuais, ainda se mantém essa negação da individualidade dos processos de leitura sobre a diversidade de respostas: no início, é proposto ler palavras, mas, a princípio, elas estão isoladas do texto, começando pelas curtas, formadas por sílabas diretas e de conteúdo conhecido; propõe-se procurar uma palavra no meio de um conjunto dado (em um envelope ou em uma lista), mas respeitando os critérios de dificuldade de dados definidos pelo adulto; propõe-se ler pausadamente letra por letra enquanto a palavra é descoberta, porém, aquelas sempre são mostradas de forma sucessiva, sendo as antecipações do contexto evitadas em função dos indícios que vão sendo mostrados; também se trabalha com rimas (dar uma palavra e procurar outra que rime ou identificar as que rimam em uma canção que escutaram), mas são rimas orais, a escrita aparece mais tarde, apenas quando se lê igual aos adultos; também é proposto comparar inícios e fins, mas de encadeamentos orais, não escritos.

Por que situações aparentemente iguais se tornam tão diferentes? Porque ler as letras não é sonorizá-las e juntá-las, e sim coordenar informações do texto e do contexto, antecipando interpretações cada vez mais de acordo com ele. As situações podem ser aparentemente similares, mas a orientação das intervenções do professor é totalmente diferente. Isso porque, ao intervir, ele considera o processo de aprendizagem, os diversos modos pelos quais as crianças conceituam a língua escrita, e não apenas o processo como um todo mas também a diversidade de aproximações que se apresentam nesse momento da aula. As intervenções do docente interagem com as interpretações da turma. Esta é a outra forma de promover a inclusão na aula: aproximar os diferentes conceitos dos alunos no processo de ensino, em vez de pretender que eles formulem conceitos juntos e, ao mesmo tempo, com base nos fragmentos de conhecimento que o professor regula. Aproximar o ensino, da aprendizagem é um gesto essencial de inclusão do outro.

As situações que acabamos de mencionar, juntamente com outras amplamente descritas em inúmeras publicações, foram construídas ao longo de décadas e ainda estão sendo construídas, de forma cooperativa, entre grupos de professores e pesquisadores. Em nossas aulas, quando conseguimos propor um problema genuíno e que as crianças se envolvam na construção da resposta, todos respondem normalmente. Nunca uma resposta de uma criança é ilógica. O problema é a identidade na diferença: há algo em comum entre todos, ao mesmo tempo que todos somos diferentes. Todos lemos histórias ou leem para nós, mas alguns dos alunos leem várias por dia, outros só ouvem a leitura e há os que levam o livro para casa e o exploram... Todos ditam uma história para o professor, mas alguns se apaixonam e quase não deixam o resto falar. Uma parte deles prefere ouvir os colegas, alguns observam e escutam e só intervêm em questões fundamentais... Não estabelecemos um modelo de resposta correta para a qual orientamos os alunos ditos normais e isolamos o resto.

Na escola atual, cada vez mais abrangente em idades, jornadas e culturas, portanto, cada vez mais repleta de diversidades, precisamos resolver a simultaneidade do ensino sem recorrer à destruição ou à desqualificação da diferença.


1 Este artigo é uma versão resumida de Castedo (2011), em que estão os registros de aula analisados que exemplificam os conceitos aqui expostos.

Bibliografia

  • Castedo, M. (1999). ¿Dónde dice, qué dice, cómo dice...? Em M. Castedo, C. Molinari, e A. Siro, Enseñar y aprender a leer. Buenos Aires: Novedades Educativas.
  • Castedo, M. (2011). Lenguaje y pedagogía para una educación inicial inclusiva "en" y "de" las diversas culturas escritas. Memorias del X Congreso Nacional de Lectura. Bogotá: Fundalectura.
  • Castedo, M., e Zuazo, N. (aceito para publicação). Culturas escritas y escuela: viejas y nuevas diversidades. Revista Iberoamericana de Educación.
  • Castedo, M., Molinari, C., Torres, M., e Siro, A. (2001). Propuestas para el aula. Nivel inicial, primer ciclo y segundo ciclo. Primera serie. Buenos Aires. Programa Nacional de Innovaciones Educativas. Ministerio de Educación de la Nación.
  • Cuter, M. E., Lobello, S., e Torres, M. (2001). Yo leo, tu lees, él lee. Buenos Aires. Dirección de curricula. Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires.
  • Ferreiro, E. (1994). Diversidad y proceso de alfabetización: De la celebración a la toma de conciencia. Lectura y Vida. Nº 3. P. 5-14.
  • Kaufman, A. M. (1997). Legalizar las lecturas no convencionales: una tarea impostergable en alfabetización inicial. Memorias del I Encuentro Internacional y IV Nacional de Pedagogías Constructivistas, Pedagogías Activas y Desarrollo Humano. Manizales, Colombia: Edición Cooperativa Editorial Magisterio.
  • Lerner, D. (2002). É possível ler na escola? Em D. Lerner, Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed.
  • Lerner, D. (2007). Enseñar en la diversidad. (iRA, Ed.) Lectura y Vida. Nº 4. P. 6- 17.
  • Lerner, D., Cuter, M. E., Lobello, S., e Torres, M. (2001). La encuesta. Leer y escribir en primer ciclo. Prácticas del lenguaje. Aportes para el desarrollo curricular. Buenos Aires: Dirección de Curricula. Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires.
  • Lerner, D., Lorente, E., Lotito, L., Levy, H., Lobello, S., Natali, N., e outros. (1996). Documento de trabajo Nº 2. Lengua. Actualización curricular. Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires.
  • Terigi, F. (2004). La enseñanza como problema político. Em G. Frigerio e G. Diker, La transmisión en las sociedades, las instituciones y los sujetos. P. 191- 202. Buenos Aires: Novedades Educativas.
Foto: Daniela Mac Adden. Ilustração: 45 Jujubas
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