Um único texto, vários sentidos
Sem o peso da obrigação, a leitura de obras literárias na escola permite a crianças e jovens construir significados e estabelecer relações
PorNOVA ESCOLA
29/10/2015
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
29/10/2015
João Luís Ceccantini,
professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis, e pesquisador nas áreas de literatura e leitura.
Um conto divertido, um poema delicado e uma crônica saborosa concentram, na sua simplicidade, princípios fundamentais para uma eficiente formação de leitores. Esse trabalho consiste em escolher textos literários de boa qualidade - que estimulem a subjetividade dos alunos - e criar, em meio à rotina das atividades escolares, rodas de leitura que procurem fugir de uma abordagem utilitária da literatura.
Hoje, no âmbito da teoria e da discussão das práticas de leitura, há um consenso sobre a formação de leitores: o de que a literatura propicia uma experiência ímpar, rica e fundamental para o desenvolvimento intelectual, emocional e linguístico de crianças e jovens. A leitura de textos de boa qualidade estética, independentemente de quaisquer atividades escolares que se pretenda a ela associar, deve ser valorizada em si e ocupar uma posição central no projeto pedagógico. Criam-se, assim, condições para a profunda identificação do leitor com a obra, o que atende a uma necessidade universal de ficção e fantasia e permite as mais variadas projeções com personagens, situações ou atmosferas. Isso se dá de modo muito peculiar, diferentemente do que se passa com a leitura do texto informativo, que desenvolve outras competências.
Quando o aluno lê um bom texto literário, passa por uma experiência particular, que impulsiona a imaginação e permite que vivencie situações que o dia a dia raramente permitiria. Outro trunfo da prática é a possibilidade de superar o fragmentarismo da vida cotidiana (e das atividades de algumas escolas, como a análise da palavra solta e da frase isolada), mergulhando num processo intenso de construção de sentidos e de relações. Tal processo é impregnado de unidade e coesão, aspectos que estão na base de uma obra literária de fôlego.
Ter como objetivo central a construção de sentidos não representa pouco. Ao contrário, significa, talvez, atacar o cerne dos problemas hoje enfrentados pela instituição escolar. O célebre psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990) alertava para a necessidade da "luta pelo significado" e para o papel que a literatura pode desempenhar nessa empreitada na obra A Psicanálise dos Contos de Fadas (Ed. Paz e Terra): "A tarefa mais importante e também mais difícil na criação de uma criança é ajudá-la a encontrar significado na vida. Muitas experiências são necessárias para se chegar a isso. A criança, à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a se entender melhor; com isto torna-se mais capaz de entender os outros, e eventualmente pode se relacionar com eles".
Dar um peso significativo ao texto literário no trabalho com a leitura na escola, numa perspectiva que não seja meramente tarefeira, favorece para que a criança se torne um jovem de comportamento leitor ativo e para que ele, por sua vez, se transforme num adulto leitor perene, aquele que não abandona a leitura tão logo se veja fora dos muros da escola e encontra na literatura múltiplos sentidos para a vida.
Para desencadear esse processo, é necessário que o professor seja ou deseje ser, ele mesmo, um leitor voraz e apaixonado, capaz de identificar bons livros, torná-los acessíveis e transformá-los em objeto do desejo.
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