As fronteiras da Educação
Mais do que em disputas desportivas ou políticas, uma nação se constrói e se afirma na escola, com docentes bem preparados e com consciência social
01/03/2010
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Jornalismo
01/03/2010
Fronteiras, ou linhas de frente, são os limites entre o que foi conquistado e o que ainda falta conquistar - como as da ciência, que demarcam o que a humanidade já conhece e o que ignora, e as dos esportes, cujas marcas estão aí para ser seguidamente superadas. As fronteiras territoriais são demarcadas pelos contornos de nossa soberania geográfica ou política, mas toda nação se consolida em outros fronts, como o social, o econômico e o cultural. E todos esses dependem da Educação, campo em que não há desafios externos patrulhados por sentinelas, mas desafios internos enfrentados no dia a dia por professores.
Nas linhas avançadas da Educação brasileira, não há pesquisadores enclausurados em laboratórios de ponta, mas educadores estudando as melhores formas de ensinar e promovendo integração social ou mesmo civilizatória em situações reais. Tenho encontrado exemplos notáveis dessa atuação na "fronteira educacional". Nas minhas andanças pelas escolas do país, identifico personagens que, por reunirem qualidade pedagógica, consciência social e envolvimento humano, poderiam simbolizar essa luta permanente de construção nacional, como nos exemplos a seguir.
Há áreas centrais na cidade de São Paulo que já foram importantes regiões fabris ou de residências burguesas. Hoje, esses bairros concentram imigrantes recentes - latino-americanos, africanos e asiáticos - trabalhando em inúmeras confecções clandestinas e outras atividades informais ou marginais. Bruna, excelente pós-graduada, é professora numa escola de um bairro como esses e encara com clareza e competência o desafio de ensinar Ciências a quem por vezes nem sequer domina nossa língua. Mas é na habilidade com que enfrenta problemas de defasagem idade-série, de descompassos culturais e até mesmo de exploração ilegal de trabalho juvenil que se percebe nela a verdadeira educadora, mais do que "apenas" professora de Ciências.
Também recentemente me deparei com uma escola que classifico como vanguarda de civilização ao participar de uma consultoria num ponto bem distante da capital paulista. Numa região de desequilíbrio social e ambiental no Pará, entre os rios Xingu e Araguaia, em meio a imensos pastos de pecuária e um canteiro de mineração, testemunhei o trabalho entusiasmado de Fátima. Essa "educadora sem fronteiras" sabe adequar atividades para crianças em diferentes estágios de letramento - muitas filhas de pais analfabetos -, usar informações trazidas por elas para lidar com uma realidade que precisa ser transcendida, valorizar qualidades não cognitivas para aumentar a participação de todos ou ainda estimular a leitura com o bom exemplo de colegas que sejam efetivamente leitores. Tudo isso baseado no que há de mais atualizado em conhecimento didático.
Nesse mesmo local conheci Dalva, lecionando numa escola cercada de bares e bordéis. Ela sabe que sua atuação tem um papel importante na definição do futuro de uma menina - que pode virar enfermeira, professora ou prostituta - ou de um menino - que se tornará motorista, comerciante ou pistoleiro - numa região em que as chances de trabalho digno competem de igual para igual com a marginalidade e o crime. Essa compreensão também a mobiliza além da escola, na luta para que os empreendimentos milionários promovam mais desenvolvimento do que degradação.
Afirmo com tranquilidade que profissionais como Bruna, Fátima e Dalva são símbolos de nossa vanguarda e não é preciso visitar o centro de São Paulo ou o sul do Pará para encontrá-los. Eles estão em toda parte, numa escola de seu bairro, às vezes vistos como referência, às vezes anônimos. Mas, onde houver importantes fronteiras sendo defendidas, pode apostar: ali há educadores bem formados e de corpo inteiro.
É físico e educador da Universidade de São Paulo (USP).
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