Preconceito, no dicionário, é "qualquer opinião ou sentimento, favorável ou desfavorável, concebido sem exame crítico, conhecimento ou razão". Portanto, é coisa pensada, raciocínio restrito aos adultos, certo? Errado. Nem os pequenos estão imunes às múltiplas formas de discriminação. Acompanhe o que a professora Rita de Cássia Silva Santos vivenciou no CMEI Creche Vovô Zezinho, em Salvador: certo dia, ela levou para a classe bonecos com vários tons de pele e fotos com pessoas de características físicas distintas. Brenda, na época com 3 anos, apontou a foto de uma menina negra e disse que era feia. "Por quê?" "Porque ela é igual a mim", respondeu a garota.
É por isso que o combate às formas de preconceito deve ser prioridade desde a Educação Infantil. "O sucesso na aprendizagem está ligado a uma boa formação, e isso depende muito da relação que a criança tem com a escola", destaca o sociólogo Valter Roberto Silvério, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos.
Antes de tudo, é essencial reconhecer que existem as diferenças. "Infelizmente, algumas escolas reproduzem a discriminação racial, e muitos professores não apresentam propostas pedagógicas para se contrapor a essas situações", opina a pedagoga Lucimar Rosa Dias, membro da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros, do Ministério da Educação.
A professora Rita criou o projeto Griô, palavra de origem africana que significa "contador de histórias", que foca a valorização da identidade racial. Na creche, 89 dos 150 matriculados eram afro-descendentes, mas poucos conheciam a cultura de seus antepassados. Ela promoveu rodas de conversa, localizou a África num globo terrestre e apresentou Vovô Zezinho e Maria Chiquinha, um casal de bonecos pretos, que se tornaram os mascotes da turma. Rita leu vários contos de origem africana e associou-os a conhecimentos de mundo. Uma história do livro Ilê Ifé - O Sonho do Aiô Afonjá deu origem à seguinte atividade: após a leitura de A Terra Mexida e Plantada Dá Frutos, todos plantaram sementes no jardim para aprender que também as pessoas precisam de respeito e cuidados. Os familiares foram mobilizados para ajudar na produção de panôs (um tipo de artesanato de origem africana em que vários retalhos, de diferentes tamanhos e cores, são reunidos para representar a diversidade). Funcionárias da escola ajudaram a fazer birotes nos cabelos depois que a professora leu em sala o livro As Tranças de Bintou. Brenda, que se achava feia, logo percebeu que existem vários tipos de beleza.
Em Campinas, a 98 quilômetros de São Paulo, a professora Elaine Cassan também usou histórias para dar uma abordagem pedagógica ao tema etnia na EMEI Iniciação/Pezinhos Descalços. Tudo começou com uns tocando nos cabelos dos outros. Em seguida, eles representaram essas sensações em bonecos de massinha. Os pais participaram resgatando fotografias de antepassados para que as crianças pudessem fazer uma árvore genealógica. Contos e filmes, como o desenho animado Kiriku e a Feiticeira, foram mostrados para a garotada. As duas professoras promoveram uma sessão só com intervalos de um canal de TV para os mais velhos observarem os tipos físicos que aparecem nas propagandas. "Assim, pudemos abordar a questão do preconceito de forma crítica", conta Elaine.
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Contatos
- CMEI Creche Vovô Zezinho, R. do Comércio, s/no, 40010-000, Salvador, BA , tel. (71) 3611-7353
- EMEI Iniciação/Pezinhos Descalços, R. José Jorge Filho, 90, 03101-048, Campinas, SP, tel. (19) 3253-6118
- Lucimar Rosa Dias
- Waldete Tristão Faria Oliveira
Bibliografia
- Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais, org. Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 264 págs., tel. (61) 2104-6183 (distribuição gratuita para escolas)
- Tramas da Cor - Enfrentando o Preconceito no Dia-a-Dia Escolar, Rachel de Oliveira, 121 págs., Ed. Selo Negro, tel. (11) 3865-9890, 24,90 reais