Em busca de um sentido
Pesquisa revela uma cisão entre o modelo de Ensino Médio e os interesses e os projetos dos jovens que chegam a esse nível da Educação. Os problemas apontados por eles são muitos
PorNOVA ESCOLA
15/12/2015
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
15/12/2015
Quem são os jovens brasileiros que chegam à última fase da Educação Básica? Quais são suas aspirações em relação ao futuro? Na elaboração do modelo do Ensino Médio atual, questões como essas não foram respondidas e, consequentemente, os desejos dos estudantes estão longe de ser contemplados. "No Brasil, essa etapa se expandiu aproveitando o modelo do Ensino Fundamental, apenas com algumas adequações. A sala de aula é basicamente a mesma, os recursos didáticos e o tipo de professor também", diz Raquel Souza, assessora da Ação Educativa.
No entanto, estamos falando de jovens com características muito diferentes das encontradas nos alunos que ainda cursam até o 9º ano. "A autonomia dos alunos de Ensino Médio é de outra natureza. Muitos já tiveram alguma incursão pelo mundo do trabalho, o que traz novas percepções e perspectivas quanto à própria função da escola. Outros estão vivendo sua juventude em contato com as chamadas culturas juvenis, formas de pertencimento e expressividade com grupos de pares, no espaço escolar e para além dele", analisa Gisela Tartuce, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC).
Nesse sentido, a ausência de conexão entre os jovens e o Ensino Médio começa já na base que estruturou o modelo, no modo como ele foi pensado. Na pesquisa, o que aparece é o desdobramento disso: a clara falta de correspondência entre a realidade dos adolescentes e suas aspirações e o conteúdo oferecido pela escola. A insatisfação passa por questões como as disciplinas e os temas estudados em classe, a postura dos professores em sala de aula, o uso dos recursos tecnológicos, a infraestrutura, a segurança, a conservação da escola e a relação das instituições de ensino com o mundo do trabalho, como mostramos a seguir.
Língua Portuguesa e Matemática são disciplinas relativamente bem aceitas pelos estudantes do Ensino Médio. Entre os entrevistados, 78,8% declararam enxergar como útil o conteúdo que aprendem na primeira, enquanto 77,6% expressaram a mesma opinião sobre as aulas da segunda. No entanto, no que diz respeito às outras 11 disciplinas que compõem o currículo, o resultado é desalentador. Menos de 36% enxergam utilidade em Geografia, História, Biologia e Física, por exemplo. Literatura recebeu a pior avaliação: apenas 19,1% reconhecem como útil o conteúdo dessa área. "Isso permite concluir que uma parte substancial dos alunos não vê utilidade no conjunto das disciplinas. Esses resultados colocam em questão a extensão e a complexidade do currículo desse nível de ensino", afirma Haroldo da Gama Torres, autor da pesquisa.
Esse é, de fato, um dos principais pontos da crise do Ensino Médio. O acesso a essa etapa da Educação se ampliou, mas para os jovens das camadas mais pobres o currículo é especialmente distante da realidade e de seus horizontes. "Na vida, os conhecimentos dialogam entre si, mas na escola não. O problema é que as disciplinas são apresentadas de forma fragmentada", diz Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação.
Os adolescentes pedem atividades de caráter mais prático ou que apresentem exemplos do cotidiano para facilitar o aprendizado. "Nenhum currículo será bem implementado se o professor ignorar recursos metodológicos dinâmicos e se não articular os conceitos abstratos das disciplinas ao conhecimento do dia a dia", afirma Celso Ferretti, docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
A questão das faltas constantes apareceu como um dado central no conjunto de percepções dos jovens sobre os professores. O número impressiona: 42% dos entrevistados declararam não ter tido pelo menos uma das aulas programadas para o dia anterior à data da pesquisa. Paradoxalmente, os adolescentes não consideraram um problema a questão relacionada à ausência dos mestres. A avaliação sobre esse profissional é positiva. "O professor é tratado com indulgência. O aluno reconhece que ele ganha pouco e, por isso, precisa ter diversos empregos", conta Torres.
A maioria avaliou os professores como preocupados com os alunos e a aprendizagem. Um grupo grande, 81,3%, disse que, em caso de dúvida, os mestres explicam adequadamente as matérias. Já 77,2% os consideraram interessados em sua aprendizagem e 78,6% julgaram que a escola e os docentes apoiam os alunos com dificuldade.
Outro tema que emergiu ao tratar da convivência entre estudantes e educadores foram os conflitos que circundam a relação. Apesar da existência de algumas narrativas mais dramáticas, colhidas nos grupos focais, na maior parte dos casos os jovens justificaram esses conflitos recorrendo a argumentos atenuantes, como a sobrecarga de trabalho que parte dos profissionais enfrenta, além das salas superlotadas. As atitudes críticas dos estudantes em relação aos professores parecem ter, em certos casos, um caráter individualizado, mais associadas ao relacionamento interpessoal do que aos aspectos técnicos da atividade, como a frequência, a pontualidade e o conhecimento acerca da matéria que lecionam.
Para Raquel Souza, da Ação Educativa, a pouca convivência entre o corpo discente e o docente impede uma relação mais próxima, que favoreceria o ensino e a aprendizagem. "O contato dos estudantes com alguns professores ocorre, muitas vezes, apenas uma vez por semana, em aulas de 50 minutos. Assim, as chances de construir uma relação profícua são mínimas", avalia.
Os maiores incômodos em relação às regras da escola, na visão dos alunos, dizem respeito à proibição da utilização de celulares, às dificuldades de acesso à internet e à falta de uso dos novos recursos tecnológicos em sala de aula. A maioria deles já tem contato com a internet e se sente de certa forma mais qualificada do que seus professores. Com a oportunidade de obter informações diversificadas fora da escola, esses estudantes passam a dispor de elementos para questionar o poder - e consequentemente a autoridade - de seus mestres. "A escola, hoje, de um modo geral, tem demonstrado desconhecimento para lidar com as novas tecnologias. Isso se traduz na dificuldade de incorporá-las ao cotidiano", comenta Torres. Outro complicador: "Existe um processo de regulação, em que o acesso às tecnologias não é facilitado e, muitas vezes, funciona na base da proibição", completa. Assim, muito embora 73,8% do total de entrevistados tenham declarado que a sua escola é equipada com computadores, 37,2% deles reclamaram que nunca tinham usado o equipamento.
A estruturação de laboratórios de informática, que funcionam como verdadeiras ilhas no ambiente escolar, também é um ponto crítico nessa discussão. "O computador é uma ferramenta de estudo e tem de ser encarado como tal. Não pode ficar numa sala restrita, que está sempre fechada", avalia Marcos Magalhães, presidente do Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação.
Os especialistas se referem a outro problema no que diz respeito à incorporação da tecnologia pelas instituições de ensino: a ausência de formação para o docente. "O grande erro foi equipar as escolas com computadores sem investir na capacitação dos professores no que se refere à tecnologia da informação", completa Magalhães. Segundo ele, só há sentido em incluir esse recurso no programa se ele estiver atrelado a um propósito pedagógico bem estabelecido, permitindo tornar as aulas mais dinâmicas.
A escola não é só um local para aprender, na ótica dos alunos. Eles a avaliam muito mais por seu espaço físico. Nas narrativas coletadas durante a pesquisa qualitativa tiveram destaque os problemas relacionados à conservação das salas, mencionados por 38% dos entrevistados. Os dados quantitativos reforçam as declarações: 41,5% dos jovens disseram que onde estudam ou estudaram faltavam cadeiras ou estavam inadequadas para o uso. Além disso, 37,2% mencionaram vidros quebrados. Outros problemas relatados se referiam à iluminação e à limpeza.
Surpreendentemente, a pesquisa mostra que os adolescentes relacionam os problemas de conservação à insegurança. "Cerca de um quarto deles declarou não se sentir seguro no ambiente escolar", diz Torres. "A proporção dos que se sentem inseguros, no entanto, aumenta substancialmente entre os que acham a escola malconservada, passando de 17,1% para 36,2%." A segurança está ligada também aos relacionamentos. Os jovens ouvidos declararam se sentir mais seguros à medida que possuem mais colegas com os quais podem compartilhar assuntos pessoais. O mesmo ocorre quanto maior a percepção de interesse por parte dos professores.
Por fim, a pesquisa quantitativa também indicou que a presença de equipamentos escolares básicos - como computadores, quadras de esporte e bibliotecas - não é universal. Embora 93,9% dos entrevistados tenham afirmado que sua escola possuía quadra de esporte e 83,4% façam referência à existência de uma biblioteca, a utilização delas nunca ocorre em mais de um quarto dos casos. "Os alunos reclamaram da ausência de aulas práticas, que está, em grande parte, relacionada à falta de infraestrutura adequada. As bibliotecas não contam com um profissional especializado e nos laboratórios de Ciências não há quem faça a manutenção e prepare os equipamentos para as aulas. Nesse cenário, a atuação dos professores fica limitada", diz Celso Ferretti.
Um em cada cinco alunos ouvidos para o estudo declarou que só frequenta a escola para conseguir um diploma. Na cabeça deles, embora o conteúdo das aulas não seja de grande serventia para a sua vida, o certificado garante maiores chances a quem concorre a uma vaga no mercado de trabalho. "O ensino superior é uma referência quase universal no âmbito da pesquisa qualitativa, porém, mais de dois terços dos entrevistados na etapa quantitativa já estavam trabalhando ou pretendiam começar a trabalhar antes dos 18 anos", afirma Torres.
Mesmo os que gostariam de cursar uma faculdade declararam que a escola, nos moldes atuais, não é capaz de prepará-los para isso. "De modo geral, as escolas não estão demonstrando nenhuma habilidade para lidar com as temáticas que dizem respeito ao projeto de vida dos jovens", analisa Raquel Souza, da Ação Educativa. Para ela, as disciplinas não estão articuladas com questões que fazem parte do cotidiano deles depois que deixam a escola. "E esses são aspectos centrais na cidadania dos que estão no Ensino Médio."
Entre os entrevistados, a maioria compreende o trabalho antes de completar o Ensino Médio como uma atividade desejável, independentemente da opinião dos pais. "Esse é um dado a ser considerado no desenho de políticas educacionais para esse segmento, colocando, ao mesmo tempo, questões desafiadoras para o modelo da escola em horário integral", observa Torres.
Nesse sentido, discute-se a flexibilização do currículo ou mesmo a diversificação dos modelos de escola voltados para essa etapa da Educação Básica, de modo a atender aos diferentes perfis de estudantes e aos projetos que eles cultivam para o período posterior ao da conclusão dos estudos. "Fica muito mais fácil tornar a escola atrativa quando há alternativas para alinhar o currículo oferecido na escola à vocação e aos interesses de cada grupo de alunos", defende Priscila Cruz, do Todos pela Educação.
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