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Jornalismo

A realidade da Pedagogia à distância

Saudado como um meio de democratizar o acesso à universidade, o curso esbarra em problemas herdados da modalidade presencial e na fraca institucionalização

PorAlice Ribeiro

03/01/2016

A licenciatura em Pedagogia é o curso com mais estudantes no Brasil entre as graduações a distância. A cada 100 alunos na modalidade, 30 a escolheram, mostra o Censo da Educação Superior de 2010, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No país todo, são mais de 286 mil alunos, espalhados por 4.450 polos (unidades onde ocorrem os encontros presenciais) de instituições públicas e privadas.

A expansão recente da EaD e seu potencial em atender professores em exercício - segundo as exigências da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que estipula a formação em nível superior como condição para a atuação do docente na Educação Básica - colocaram o segmento em evidência. Mas como são esses cursos? Qual o perfil de quem os procura? Como é desenvolvido o conteúdo curricular? Quem são os atores e como ocorre a interação virtual e presencial entre eles? Quais as tendências para os próximos anos?

Para conhecer esse universo pouco explorado, a Fundação Victor Civita (FVC), em conjunto com o Banco Itaú BBA e o Instituto Unibanco, encomendou a pesquisa Educação a Distância: Oferta, Características e Tendências dos Cursos de Licenciatura em Pedagogia, coordenada por Maria Elizabeth de Almeida, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). As instituições ouvidas pelos pesquisadores têm sedes em cinco capitais brasileiras (veja detalhes e informações sobre a metodologia no quadro abaixo). Leia a seguir alguns dos principais achados do estudo.

Cidades-sede das instituições pesquisadas

Nota das instituições no Enade

Total de polos

259 é o número de polos da maior rede privada nas cinco cidades pesquisadas

O mapeamento

A metodologia combinou revisão bibliográfica e pesquisa de campo em oito instituições (cinco públicas e três privadas) de cinco cidades das regiões socioeconômicas brasileiras: Manaus, recife, Goiânia, são Paulo e Porto alegre. a baixa adesão das instituições convidadas foi uma das dificuldades. os estudantes responderam a um questionário e participaram de grupos focais - técnica feita com base em discussões de grupo. Já os coordenadores, além do questionário, foram entrevistados. relatos de pesquisadores na área da formação e de avaliação da eaD foram incluídos.

Ênfase nos fundamentos gerais

A pesquisa identificou que a Pedagogia a distância repete a mesma tendência de atribuir maior peso aos fundamentos gerais que aos conhecimentos didáticos verificada na modalidade presencial - como indicou, em 2008, o estudo Formação dos Professores no Brasil, realizado pela Fundação Carlos Chagas (FCC) também sob encomenda da FVC.

Disciplinas como História e Sociologia da Educação são valorizadas, em detrimento daquelas voltadas aos conhecimentos didáticos. "Essa bagagem teórica é bem-vista pelos estudantes", assinala Maria Elizabeth. Poucas são voltadas aos conteúdos da Educação Básica e ao estudo de tópicos relativos ao sistema escolar, como o currículo. Há, ainda, a frágil associação com a prática educacional. Em depoimento, alunos, coordenadores e gestores mostraram que os espaços para o desenvolvimento da prática parecem restritos às atividades de estágio, que, por sua vez, têm a função de cumprir apenas exigências legais.

 

Indefinição do perfil do tutor

Atualmente, não existe uma regulamentação da profissão e das condições de trabalho desse profissional. Assim, a atuação da categoria vai do atendimento de questões burocráticas ao posto de professor em exercício. A fala de alguns entrevistados mostra uma polarização. Uns defendem a criação de uma nova profissão, a tutoria. Outros consideram que o profissional atua como um docente e deve ser reconhecido como tal. "É preciso pensar quem é o tutor e o que se quer dele. Se a ideia é que ele atue só na parte administrativa, precisamos de um perfil. Se ele for responsável também pelo conteúdo, deve receber a formação adequada", avalia Bernardete Gatti, pesquisadora da FCC (leia opiniões dela e de outros especialistas sobre o estudo abaixo). O docente que elabora o curso, em geral, é requisitado para outras funções e não pode se dedicar à docência na modalidade a distância. "Quem dá conta de tudo é o tutor, geralmente bolsista ou contratado de forma precária", diz Bernardete.

Com a palavra, os especialistas

"O estudo é muito significativo, pois enfrenta as questões que cercam a EaD de frente, apontando pontos positivos e negativos."

Klaus Schlünzen Junior, coordenador do núcleo de EaD da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp)

"Os cursos de EaD reproduzem os presenciais. Não se tem o cuidado de tratar o currículo e a linguagem de forma específica."

Bernardete Gatti, formadora de professores e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC)

"A modalidade virtual precisa de uma logística e um planejamento muito consolidado, sobretudo em relação ao uso das TIC."

Mauro Pequeno, coordenador do Programa UAB, na Universidade Federal do Ceará (UFC)

Institucionalização precária

Apesar da expansão da oferta de cursos de graduação a distância e da introdução de disciplinas sobre a EaD na modalidade presencial, o ensino a distância caminha lentamente rumo à institucionalização (leia um histórico do setor no Brasil no quadro abaixo). "Os cursos se localizam no terreno da excepcionalidade, são encarados como projetos temporários. Muitas vezes, estão totalmente à parte dos cursos presenciais", diz Maria Elizabeth.

Eles são concebidos pelos profissionais da própria casa - muitos deles professores da graduação presencial - para, em seguida, serem implantados em toda a rede. Um modelo que, ao mesmo tempo que garante a padronização da proposta, ignora as diferenças regionais (vale lembrar que muitas instituições têm sede em uma região, mas polos no Brasil todo). "Muitas delas não estão amadurecidas para propor uma formação a distância com toda a estrutura que esse processo requer", diz Adriana Pereira da Silva, educadora da Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. A fraca institucionalização colabora para a falta de conhecimento sobre a modalidade e, consequentemente, para o preconceito contra ela.

Linha do tempo

  • 1996 Ministério da Educação (MEC) cria Secretaria de Educação a Distância (Seed) e a LDB incentiva programas de EaD.
  • 1998 O Ministério da Educação (MEC) regulamenta o credenciamento de instituições na modalidade.
  • 2001 MEC permite que universidades ofereçam até 20% da carga horária dos cursos presenciais na modalidade a distância.
  • 2004 É criada a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, que abriga o Pró- Licenciatura, para docentes em exercício.
  • 2005 Decreto acrescenta o uso das TIC na compreensão da EaD e fortalece o papel do Estado no controle dos cursos.
  • 2006 O Sistema universidade Aberta do Brasil (UAB) é criado com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos no país.
  • 2007 A Seed estabelece referenciais para definir a regulação, a supervisão e a avaliação dos cursos de graduação a distância.
  • 2011 A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) assume o papel da Seed depois da descontinuação dessa secretaria.

Ausência de especificidades da EaD

O alemão Otto Peters, autor de referência sobre o tema na década de 1970, considerou os princípios da modalidade com base na Educação de massa e na replicação de cursos. Essa concepção predominou até a primeira metade dos anos 1990. O surgimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) trouxe novas mudanças. Permitiu, por exemplo, a criação de ambientes virtuais de aprendizagem, o que promoveu a aproximação a distância entre tutores, professores e alunos, o chamado "estar junto" virtual.

Mas qual é o espaço dos recursos tecnológicos nos cursos analisados? Apenas 1,8% das disciplinas se dedicam a conteúdos relacionados à EaD. Além disso, predominam materiais impressos e teleaulas. "O paradigma da Educação presencial ainda domina o ensino a distância. Por essa questão cultural, os projetos pedagógicos não preveem o protagonismo das TIC", pondera a coordenadora do estudo.


Fotos: Marina Piedade. Ilustrações: Bruno Algarve
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