Alexander S. Neill
O promotor da felicidade na sala de aula
POR: NOVA ESCOLAVenerado pelos amantes da liberdade irrestrita, abominado pelos partidários de uma Educação tradicional e respeitado pelos que reconhecem a importância de flexibilizar a hierarquia escolar. Assim o educador, escritor e jornalista Alexander Sutherland Neill (1883-1973) - fundador da Summerhill School (leia mais no quadro abaixo), na Inglaterra - viveu boa parte de seus 90 anos. Sua escola tornou-se ícone das pedagogias alternativas ao concretizar um sistema educativo em que o importante é a criança ter liberdade para escolher e decidir o que aprender e, com base nisso, desenvolver-se no próprio ritmo.
Summerhill: progressista aos 88 anos
Fundada em 1921, Summerhill já passou por diversas ameaças de fechamento. Na última, há dez anos, os fiscais da rainha Elizabeth II alegaram que os alunos estavam atrasados em relação ao ensino oficial. Zoe Readhead, filha de A.S. Neill e atual diretora, afirmou na época que preferia trancar as portas a trair as ideias do pai. Abaixo-assinados do mundo todo garantiram o funcionamento do lugar. Em 2007, porém, em uma nova inspeção, o governo deu parecer favorável ao funcionamento da escola. Os alunos assistem às aulas que querem, podendo demorar dias, semanas, meses ou anos para se interessar por um ou outro conteúdo. Testes, exames e prêmios são abominados, pois Neill acreditava que eles desviam o desenvolvimento da personalidade ao estabelecer modelos a seguir. Os livros são o material menos importante da escola. Tudo que a criança precisa aprender é ler, escrever e contar. O resto deveria compor-se de ferramentas, argila, esporte, teatro, pintura e liberdade, escreveu numa de suas publicações. Apesar do culto à liberdade total, regras devem ser seguidas, sim. As leis do país não podem ser desrespeitadas e normas de conduta são criadas e aprovadas em assembleias semanais, nas quais alunos de todas as idades, professores e funcionários têm direito a voz e a voto. Enquanto diretor, Neill instituiu as lições particulares: conversas ao lado da lareira, espécie de psicoterapia, agendadas por quem precisasse conversar.
A época em que ele viveu justifica grande parte de suas ideias. Depois da Primeira Guerra Mundial, a humanidade sentiu-se desapontada consigo mesma ao ver as grandes invenções utilizadas para a destruição, conta Luiz Fernando Sangenis, professor de filosofia da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutrinas totalitárias, como o fascismo, o nazismo e o comunismo, se estabeleceram, fazendo com que diversos pensadores começassem a clamar por liberdade de pensamento e de ação.
Nossa cultura não tem tido grande sucesso. Nossa Educação, nossa política, nossa economia levam à guerra. Nossa medicina não põe fim às moléstias. Nossa religião não aboliu a usura, o roubo... Os progressos da época são progressos da mecânica em rádio e televisão, em eletrônica, em aviões a jato. Ameaçam-nos novas guerras mundiais, pois a consciência social do mundo ainda é primitiva, escreveu Neill no livro Liberdade sem Medo.
Disposto a construir um mundo melhor por meio da escola, Neill tornou-se um dos mais importantes educadores das décadas de 1960 e 70. Seu respeito pela infância e sua coragem em manter uma posição de independência fazem com que até hoje ele mereça ser revisto e estudado.
Educação libertária
Homem prático e pouco afeito a teorias, Neill desenvolveu suas ideias pedagógicas baseando-se no filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que acreditava na bondade inata do homem. As descobertas no campo da psicologia no início do século 20 também exerceram forte influência sobre ele, com destaque para os estudos dos psicanalistas austríacos Sigmund Freud (1856-1939) e Wilhelm Reich (1897-1957), com quem fazia terapia. De acordo com Neill, a Educação deveria trabalhar basicamente com a dimensão emocional do aluno para que a sensibilidade ultrapassasse sempre a racionalidade. Ele acreditava que a convivência com os pais, com sua natural superproteção, impedia os filhos de desenvolver a segurança suficiente para reconhecer o mundo, de forma intelectual, emocional ou artística. Por isso, os alunos tinham de morar em Summerhill e recebiam a visita dos pais esporadicamente.
Felicidade X sucesso
Neill queria que seu método fosse utilizado como remédio para a infelicidade causada pela repressão e pelo sistema de modelos imposto pela sociedade de consumo, pela família e pela educação tradicional. Ter sucesso era, em sua opinião, ser capaz de trabalhar com alegria e viver positivamente. É célebre sua afirmação: Gostaria antes de ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico. Neill acreditava que as crianças eram naturalmente sensatas, realistas, boas e criativas. Quando educadas sem interferências dos mais velhos, seriam capazes de se desenvolver (leia mais no quadro abaixo) de acordo com sua capacidade, seus limites e seus interesses, sem nenhum tipo de trauma. Toda e qualquer interferência por parte dos adultos só as torna robôs, afirmava. As intervenções, segundo ele, roubavam a alegria da descoberta e a autoconfiança necessária para a superação de obstáculos, causando sentimentos de inferioridade e dependência, duas fortes barreiras para a felicidade completa.
Gestão democrática e autoavaliação
Hoje mais de 200 escolas espalhadas pelo mundo seguem os ensinamentos de Neill (50 só nos Estados Unidos). A Educação em geral aproveitou muito de seu pensamento: uma relação mais aberta entre alunos e professores, que juntos podem decidir regras de conduta, o conceito de que a Educação deve ser uma preparação para a vida e a escolha de conteúdos que levem em conta o interesse prévio de cada um são alguns dos legados da pedagogia de Summerhill. Mas esses seriam apenas detalhes, pois, na essência, os princípios desse educador estariam em xeque. As discussões sobre as causas da violência e da indisciplina têm apontado para uma omissão da família e da escola em relação ao estabelecimento de limites. Procura-se hoje fazer com que pais e professores exerçam sua autoridade, sem sentir-se culpados, analisa Luiz Fernando Sangenis.
Liberdade sem Excesso, A.S. Neill, 168 págs., Ed. Ibrasa, 34 reais
República de Crianças, Helena Singer, 179 págs., Ed. Hucitec, tel. (11) 3083-7419 (edição esgotada)
No site da Summerhill School (www.summerhillschool.co.uk), você encontra textos sobre a pedagogia de A.S. Neill e fotos atuais e antigas da escola (em inglês)