Herbert Spencer
O ideólogo da luta pela vida
PorNOVA ESCOLA
14/08/2015
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLA
14/08/2015
Tendo vivido num tempo de grandes avanços científicos (leia mais no quadro abaixo), o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) foi o principal representante do evolucionismo nas ciências humanas. Ele intuiu a existência de regras evolucionistas na natureza antes de seu compatriota, o naturalista Charles Darwin (1809-1882), formular a revolucionária teoria da evolução das espécies. É ele o autor da expressão sobrevivência do mais apto, muitas vezes atribuída a Darwin.
Herbert Spencer foi, com John Stuart Mill (1806-1873), um dos dois mais importantes pensadores ingleses da era vitoriana e o que melhor encarnou as características tradicionalmente relacionadas ao período. O reinado da rainha Vitória (1819-1901), que subiu ao trono em 1837 e governou até a morte, gerou o adjetivo vitoriano, ao qual se associam puritanismo, austeridade, otimismo e autoridade. Politicamente, o vitorianismo costuma ser lembrado como um tempo de hegemonia do liberalismo. Na realidade, o período foi bem mais complexo, principalmente depois da década de 1880. A partir dessa época, vieram à tona os contrastes sociais, as revoltas operárias, o questionamento das religiões e do imperialismo e as ideias socialistas, antes mantidas mais ou menos na obscuridade - e que inauguraram uma nova era. O período vitoriano assistiu a um acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, com a expansão das ferrovias e do telégrafo. Mas nada se comparou ao impacto da teoria evolucionista de Charles Darwin, que pôs em xeque tanto as explicações religiosas para a criação da vida quanto a ideia de que o ser humano ocuparia posição central no Universo. Um dos méritos do pensamento de Herbert Spencer foi propor novas posturas filosóficas com base nesse conhecimento.
O filósofo aplicou à sociologia ideias que retirou das ciências naturais, criando um sistema de pensamento muito influente em seu tempo. Suas conclusões o levaram a defender a primazia do indivíduo perante a sociedade e o Estado e a natureza como fonte da verdade, incluindo a verdade moral. No campo pedagógico, Spencer fez campanha pelo ensino da ciência (leia mais no quadro abaixo), combateu a interferência do Estado na Educação e afirmou que o principal objetivo da escola era a construção do caráter. Ele dizia que os conhecimentos úteis, que serviriam para formar os homens de negócios e produzir o bem-estar pessoal, eram desprezados em favor do ensino das humanidades, que davam mais prestígio, diz a professora Maria Angélica Lucas, da Universidade Estadual de Maringá.
Ao contrário do que acontecia na Europa continental, na Grã-Bretanha do início do século 19 o ensino era um assunto privado. A primeira ingerência pública na Educação foi uma resolução aprovada pelo Parlamento em 1802, pedindo aos empregadores que providenciassem instrução para seus funcionários - como não havia obrigação atrelada, o efeito foi nulo. Quando não era paga, a Educação britânica dependia da filantropia. Só na década de 1830 o governo passou a reservar uma parte do orçamento para o ensino. Na virada para o século 20, no entanto, quase toda a formação elementar (equivalente ao Ensino Fundamental) já era provida pelo Estado. Herbert Spencer defendeu a escola privada até o fim da vida, porque considerava que a interferência do Estado, sendo igual para todos, poderia sustentar estudantes que não estariam, por natureza, aptos a competir em sociedade. De acordo com a filosofia spenceriana, seria fatal se o regime da família, em que a solidariedade faz com que o mais apto ajude o menos apto, regulasse a sociedade, em que o que conta é a luta pela vida, diz a professora Maria Angélica. Seguindo outra tradição britânica, Spencer acreditava que a função principal da Educação era formar o caráter. Sua defesa do ensino prioritário da ciência tinha o objetivo de fornecer aos jovens um conhecimento sobre o funcionamento da natureza que lhes desse meios de se ajustar às exigências do mundo.
Para Spencer, havia uma lei fundamental da matéria, que ele chamou de lei da persistência da força. Segundo ela, a tendência natural de todas as coisas é, desde a primeira interação com forças externas, sair da homogeneidade rumo à heterogeneidade e à variedade. À medida que as forças vindas de fora continuam a agir sobre o que antes era homogêneo, maior se torna o grau de variedade.
Conhecer, só pela razão
Baseado nessa observação, Spencer deduziu um princípio para todo desenvolvimento, que é a lei da multiplicação dos efeitos, causada por uma força absoluta que não pode ser conhecida pelo entendimento humano. Trata-se, para Spencer, de uma lei da natureza, uma vez que ele se recusava a levar em conta, para efeito científico, a possibilidade de forças sobrenaturais. O filósofo, herdeiro da linhagem empirista britânica e também influenciado pelo positivismo, era agnóstico e combatia a influência religiosa no ensino e na ciência. O próprio termo agnosticismo, para se referir a uma postura filosófica que só admite os conhecimentos adquiridos pela razão, foi criado por um amigo e defensor de Spencer e Darwin, o naturalista Thomas Huxley (1825-1895).
De acordo com Spencer, o processo de desenvolvimento segue a mesma lei em todos os campos, da formação do universo à transformação das espécies. Seu entendimento inicial da evolução biológica se baseava na concepção errônea de que as sucessivas gerações de uma mesma espécie herdam das anteriores as características adquiridas do ambiente. Essa era a teoria do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), derrubada por Darwin. Ele mostrou que o mecanismo da evolução é a seleção natural, pela qual sobrevivem as variedades animais e vegetais mais adaptáveis às condições ambientais. Tão logo conheceu as conclusões de Darwin, Spencer reformulou sua teoria.
Perfeição industrial
Aplicado à sociedade, o princípio evolucionista universal do filósofo o fez perceber um processo de individuação permanente, que levaria à crescente divisão do trabalho nos agrupamentos humanos. Desse modo, hordas primitivas e indiferenciadas evoluem para se tornar civilizações cada vez mais complexas, nas quais especialização e cooperação avançam lado a lado. A história dos povos, segundo Spencer, contrapõe sociedades guerreiras, mantidas coesas à força, e sociedades industriais, fundamentadas na competição, mas também na cooperação espontânea.
Um prolongamento da dicotomia entre sociedades guerreiras e industriais, para Spencer, seria o contraste entre o despotismo, associado a estágios primitivos, e o individualismo, associado ao avanço civilizador. A sociedade industrial corresponderia, assim, a um aperfeiçoamento natural do sistema econômico e das instituições.
O pensamento de Spencer corresponde a um desejo, muito vivo em sua época, de explicações globais que organizassem os fatos de modo a simplificá-los. No período, foram produzidas numerosas teorias que hoje chamamos de deterministas, por almejarem, no campo das ciências humanas, a exatidão matemática. A noção de que tudo se encaminha para resultados previsíveis e inevitáveis, uma vez que deixadas ao sabor de seu suposto curso natural, levou Spencer e muitos de seus contemporâneos (e também alguns pensadores de outros tempos, anteriores e posteriores) a supor que esses resultados eram também moralmente desejáveis. Nasce daí a ideia, ainda hoje vigorosa, de que a interferência do Estado na vida cotidiana impede os desenvolvimentos considerados normais. Spencer acreditava que a lei da oferta e da procura devia estender-se da esfera econômica para a esfera educacional, diz a professora Maria Angélica.
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