Sócrates
O mestre em busca da verdade
POR: NOVA ESCOLA
O pensamento do filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.) marca uma reviravolta na história humana (leia mais no quadro abaixo). Até então, a filosofia procurava explicar o mundo baseada na observação das forças da natureza. Com Sócrates, o ser humano voltou-se para si mesmo. Como diria mais tarde o pensador romano Cícero, coube ao grego trazer a filosofia do céu para a terra e concentrá-la no homem e em sua alma (em grego, a psique). A preocupação de Sócrates era levar as pessoas, por meio do autoconhecimento, à sabedoria e à prática do bem.
A capital da democracia e do saber
Sob o governo de Péricles (499-429 a.C.), a cidade-estado de Atenas, vitoriosa na guerra contra os persas e enriquecida pelo comércio marítimo, tornou-se o centro cultural do mundo grego,
para o qual convergiam os talentos de toda parte. Fídias, o arquiteto e escultor que dirigiu as obras do Partenon, o maior templo da Acrópole, os dramaturgos Sófocles, Ésquilo, Eurípedes e Aristófanes e o orador Demóstenes são nomes dessa época. O regime democrático ateniense - restrito aos cidadãos livres, deixando de fora estrangeiros e escravos - foi fortalecido por reformas que limitaram os poderes da burguesia rica e ampliaram os da assembleia e do júri popular. A Educação artística do povo foi estimulada pela exibição de obras de arte em locais públicos e pelas representações teatrais.
Nessa empreitada de colocar a filosofia a serviço da formação do ser humano, Sócrates não estava sozinho. Pensadores sofistas, os educadores profissionais da época, igualmente se voltavam para o homem, mas com um objetivo mais imediato: formar as elites dirigentes. Isso significava transmitir aos jovens não o valor e o método da investigação, mas um saber enciclopédico, além de desenvolver sua eloquência, que era a principal habilidade esperada de um político.
Sócrates concebia o homem como um composto de dois princípios, alma (ou espírito) e corpo. De seu pensamento surgiram duas vertentes da filosofia que, em linhas gerais, podem ser consideradas como as grandes tendências do pensamento ocidental. Uma é a idealista, que partiu de Platão (427-347 a.C.), seguidor de Sócrates. Ao distinguir o mundo concreto do mundo das ideias, deu a estas status de realidade. A outra é a realista, partindo de Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão que submeteu as ideias, às quais se chega pelo espírito, ao mundo real.
Ensino pelo diálogo
Nas palavras atribuídas a Sócrates por Platão na obra Apologia de Sócrates, o filósofo ateniense considerava sua missão andar por aí (nas ruas, praças e ginásios, que eram as escolas atenienses de atletismo), persuadindo jovens e velhos a não se preocuparem tanto, nem em primeiro lugar, com o corpo ou com a fortuna, mas antes com a perfeição da alma.
Defensor do diálogo como método de Educação, Sócrates considerava muito importante o contato direto com os interlocutores - o que é uma das possíveis razões para o fato de não ter deixado nenhum texto escrito. Suas ideias foram recolhidas principalmente por Platão, que as sistematizou, e por outros filósofos que conviveram com ele. Sócrates se fazia acompanhar frequentemente por jovens, alguns pertencentes às mais ilustres e ricas famílias de Atenas.
Para Sócrates, ninguém adquire a capacidade de conduzir-se, e muito menos de conduzir os demais, se não possuir a capacidade de autodomínio. Depois dele, a noção de controle pessoal se transformou em um tema central da ética e da filosofia moral. Também se formou aí o conceito de liberdade interior: livre é o homem que não se deixa escravizar pelos próprios apetites e segue os princípios que, por intermédio da Educação, afloram de seu interior.
Opondo-se ao relativismo de muitos sofistas, para os quais a verdade e a prática da virtude dependiam de circunstâncias, Sócrates valorizava acima de tudo a verdade e as virtudes - fossem elas individuais, como a coragem e a temperança, ou sociais, como a cooperação e a amizade. O pensador afirmava, no entanto, que só o conhecimento (ou seja, o saber, e não simples informações isoladas) conduz à prática da virtude em si mesma, que tem caráter uno e indivisível.
Segundo Sócrates, só age erradamente quem desconhece a verdade e, por extensão, o bem. A busca do saber é o caminho para a perfeição humana, dizia, introduzindo na história do pensamento a discussão sobre a finalidade da vida.
O despertar do espírito
O papel do educador é, então, o de ajudar o discípulo a caminhar nesse sentido, despertando sua cooperação para que ele consiga por si próprio iluminar sua inteligência e sua consciência.
Assim, o verdadeiro mestre não é um provedor de conhecimentos (leia mais no quadro abaixo), mas alguém que desperta os espíritos. Ele deve, segundo Sócrates, admitir a reciprocidade ao exercer sua função iluminadora, permitindo que os alunos contestem seus argumentos da mesma forma que contesta os argumentos dos alunos. Para o filósofo, só a troca de ideias dá liberdade ao pensamento e a sua expressão - condições imprescindíveis para o aperfeiçoamento do ser humano.
O nascimento das ideias, segundo o filósofo
Sócrates comparava sua função com a profissão de sua mãe, parteira - que não dá à luz a criança, apenas auxilia a parturiente. O diálogo socrático tinha dois momentos, diz Carlos Roberto Jamil Cury, professor aposentado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O primeiro corresponderia às dores do parto, momento em que o filósofo, partindo da premissa de que nada sabia, levava o interlocutor a apresentar suas opiniões. Em seguida, fazia-o perceber as próprias contradições ou ignorância para que procedesse a uma depuração intelectual. Mas só a depuração não levava à verdade - chegar a ela constituía a segunda parte do processo. Aí, ocorria o parto das ideias (expresso pela palavra maiêutica), momento de reconstrução do conceito, em que o próprio interlocutor ia polindo as noções até chegar ao conceito verdadeiro por aproximações sucessivas. O processo de formar o indivíduo para ser cidadão e sábio devia começar pela Educação do corpo, que permite controlar o físico. Já para a Educação do espírito, Sócrates colocava em segundo plano os estudos científicos, por considerar que se baseavam em princípios mutáveis. Inspirado no aforismo conhece-te a ti mesmo, do templo de Delfos, julgava mais importantes os princípios universais porque seriam eles que conduziriam à investigação das coisas humanas.
Paidéia - A Formação do Homem Grego, Werner Jaeger, 1413 págs., Ed. WMF Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 111,90 reais
Sócrates, coleção Os Pensadores, Ed. Nova Cultural, tel. (11) 3039-0900 (edição esgotada)
Sócrates, Rodolfo Mond-olfo, Ed. Mestre Jou (edição esgotada)