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Jornalismo

O que fazer com estudantes que destroem o patrimônio da escola?

Se um dos objetivos da escola é educar para a vida em sociedade, devemos considerar o aprendizado obtido nesses casos uma conquista bem mais valiosa do que a punição

PorNOVA ESCOLA

15/12/2011

Telma Vinha. Foto: Marina Piedade E agora, Telma?

Telma Vinha é professora de Psicologia Educacional na Unicamp e tira dúvidas sobre comportamento.

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Pergunta enviada por Elayne Cristina, Aracaju, SE

Nessa situação, é comum usarmos ameaças, sanções coletivas e estímulos à delação. Mas, se um dos objetivos da escola é educar para a vida em sociedade, devemos considerar o aprendizado obtido nesses casos uma conquista bem mais valiosa do que a punição do autor ou a reposição do bem. O aluno deve perceber que é importante reparar um dano causado, mas isso pode ser feito por meio de abordagens que tragam resultados construtivos. Alguns exemplos são: devolver o problema para os estudantes e pedir que proponham uma solução não punitiva; ouvir o autor do delito, deixando que apresente uma forma de consertar ou repor o que foi quebrado (sem jamais expô-lo). Incluí abaixo um relato de uma professora que acompanhei e que lidou com um problema semelhante. A experiência dela pode ser útil a você.

Relato de experiência
Certa vez, logo no início de uma aula, uma professora me disse que estava angustiada, que não via a hora de nossa reunião chegar porque havia acontecido um problema com um aluno naquele dia e ela não sabia como proceder. A professora trabalhava em uma pré-escola e relatou que um garoto de sua classe, CAI, quebrara de propósito o ralo de plástico do banheiro. As crianças vieram contar a ela o que havia acontecido e a professora dirigiu-se a ele, questionando-o. O aluno simplesmente disse que quebrara o ralo porque estava com vontade, que começou a pisar com bastante força para danificá-lo deliberadamente. A professora, sem saber o que fazer diante da resposta da criança, disse: "CAI, eu estou tão surpresa com isso que está me dizendo que prefiro conversar com você outra hora".

Quando nos encontramos, ela me explicou que sabia tudo o que não podia fazer: "Apesar de ser esse meu desejo, eu não podia humilhá-lo, dar um severo castigo expiatório, fazer gelo, ignorá-lo, dar uma boa lição de moral, esganá-lo, enviá-lo à diretoria etc. Havia uma extensa lista de coisas que eu faria automaticamente, seguindo os meus instintos. Na hora, eu queria dar a ele um castigo que fizesse com que ele sofresse, que se arrependesse daquilo que tinha feito (principalmente porque ele me deixou desorientada). Mas isso era o que eu faria anteriormente. Não sabia ainda como proceder, mas não queria voltar a agir como antes. Não queria tomar nenhuma atitude apenas para me vingar do garoto. Queria ser capaz de fazer algo novo que, mais do que punir, o educasse. Em segundos, pensei que, se eu lhe desse um castigo, estaria apenas fazendo com ele quitasse o débito pelo que tinha feito - ou seja, pagasse a dívida do rompimento com a punição - e continuasse agindo assim. Não, isso seria uma saída fácil demais para CAI. Considerei que uma reprimenda também não seria muito adequada, pois, se o conheço, sei que a censura não apenas o levaria a continuar a agir dessa maneira, como talvez piorasse, pois ele tentaria vingar-se de mim ou medir forças comigo. Mas também não fazer nada parece-me reforçar tais atitudes comuns nesse aluno... E o ralo não dá mais para ser consertado, senão eu poderia tentar essa sanção por reciprocidade... Não sei o que fazer ou como reagir...".

Perguntei a ela como CAI era no dia a dia. A professora contou que ele era uma criança desafiadora e agressiva, que nem sempre respeitava as regras e, de certa forma, apresentava atitudes insolentes. Quando tinha um mau comportamento, deixava claro que o tinha feito porque quisera assim. Ela afirmou que conversar com o garoto em nada adiantava. CAI era filho de um pastor muito severo, que o surrava por qualquer motivo. O pai achava que seu filho tinha que ser um exemplo de criança, então, sempre que contrariado, batia no garoto - que demonstrava ter muito medo dele. Já a mãe, era boazinha, aquela que o protegia, que tentava compensar com mimos os conflitos com o pai, que tentava contemporizar, mas que, no final, sempre contava ao marido o que o filho fazia.

O problema foi colocado ao grupo de professores e pedimos sugestões para resolvê-lo. Surgiram inúmeras propostas. Cada um, ao apresentá-la, justificava-se o motivo pelo qual considerava adequado o uso de determinado procedimento. Essa troca de ideias foi muito proveitosa, com sugestões que iam de uma simples conversa até ameaças e atitudes mais drásticas. Foi proposto, por exemplo, que a professora fizesse o garoto tentar consertar o ralo mesmo que não tivesse conserto. Outra docente sugeriu o terrorismo - ou seja, que dissesse ao garoto que, sem o ralo, subiriam pelo esgoto centenas de ratos e baratas, que invadiriam e se espalhariam pela escola. E dissesse também que as crianças poderiam quebrar a perna ao pisar no buraco aberto. Num ambiente descontraído, essa proposta, deu origem a brincadeiras e foi, naturalmente, contestada pelos outros presentes.

Alguém sugeriu ainda propor ao menino que ele pagasse pelo prejuízo. Como não teria dinheiro, seria preciso contar aos pais. Foi defendido que a criança teria de assumir as consequências dos atos. Não era certo, portanto, esconder da família o problema, mesmo correndo o risco de o menino apanhar. A professora de CAI argumentou que até havia pensado nisso, inclusive porque, como foi um aluno seu que estragou o ralo do banheiro, a diretora poderia querer que ela ou ele pagassem pelo dano causado. Explicou, no entanto, que refletiu melhor pois acreditava que, com tal atitude, ela em nada estaria contribuindo para o crescimento da confiança mútua que deveria existir entre eles. A professora disse que acreditava que, se alguém deveria falar com os pais, era CAI e não ela. Outras pessoas concordaram, alegando que chamar a família seria uma solução imediata, resolvendo o problema em curto prazo, mas não traria maiores benefícios à criança.

Foram apresentadas, discutidas e analisadas outras sugestões, considerado também as prováveis reações por parte da criança (positivas ou negativas) e buscando alternativas. Após o debate, o grupo selecionou alguns procedimentos e atitudes de reciprocidade que a professora poderia utilizar no dia seguinte ao conversar com CAI. Ela tomou nota e afirmou estar dispostas a tentar colocá-los em prática no dia seguinte. E assim o fez.

Uma semana depois, aguardávamos ansiosas os resultados. Assim que chegou, a professora relatou o que tinha feito. Um resumo adaptado desse relato é apresentado a seguir:

"... no dia seguinte, chamei CAI para conversar em particular. Antes que eu falasse alguma coisa sobre o fato de ele ter quebrado o ralo do banheiro propositalmente, ele já pediu desculpas. Creio que o pedido tinha como principal objetivo liberar-se das consequências de sua atitude. Comecei dizendo-lhe que não era caso para desculpas e que eu não havia conversado com ele no dia anterior porque fiquei muito desapontada e chateada com o que fizera. Expliquei que o que me incomodou não foi o fato de o ralo ter quebrado, mas sim, ele tê-lo quebrado de propósito, estragado voluntariamente algo que pertencia a todos da escola. Disse que não esperava aquela atitude de sua parte, por isso fiquei surpresa e considerei que seria melhor refletir primeiro, antes de decidir o que fazer. Em seguida, questionei-o sobre o que ele sentiu após quebrar o ralo. CAI respondeu-me que o seu pé ficara doendo. Descrevo resumidamente o diálogo que se sucedeu entre nós:

Profª: CAI, como ficou o banheiro que você e seus colegas usam todos os dias?
CAI: Ficou com um buraco no chão.
Profª: E o chão do banheiro irá ficar com um buraco?
CAI: Eu quebrei o ralo porque estava velho.
Profª: Tudo o que é velho você quebra?
CAI: Quebro e jogo fora meus brinquedos quando estão velhos.
Profª: Outro dia você trouxe à escola um livro de histórias que ganhou de sua mãe quando pequeno, lembra-se? Esse livro é bem velho, mas pareceu-me que você cuida bem dele...
CAI: ...
Profª: Quando eu tenho algo de que gosto, mesmo que esteja velho, cuido para durar mais tempo... Eu gosto muito da nossa escola, por exemplo, mesmo que algumas coisa nela estejam velhas. Por isso, procuro não quebrar as coisas.
CAI: Eu também gosto e nunca mais vou quebrar nada.
Profª: É, mas o banheiro não pode ficar sem o ralo, pois alguma criança pode torcer o pé se pisar no buraco... O que podemos fazer?
CAI: Colar com "super-bonder" (uma cola muito forte).
Profª: Vamos então ver se conseguiremos colar o ralo com "super-bonder"?
Fomos até o banheiro e pegamos no armário os pedaços do ralo que eu havia recolhido no dia anterior. Ao olhar os inúmeros pedacinhos, CAI falou que não daria para colar, porque estava muito, muito quebrado.
Profª: E o que faremos então?
CAI: Dar um castigo?
Profª: Creio que um castigo não resolveria o problema do ralo quebrado.
CAI: Então eu acho que vai ter que comprar outro.
Profª: Mas quem irá comprar outro?
CAI: A escola, com o dinheiro da APM (Associação de Pais e Mestres).
Profª: Você acha justo comprar outro ralo com o dinheiro de todos, se foi você quem o quebrou?
CAI: Não... Então eu peço para o meu pai... Não, ele vai ficar bravo.
Profª: Sabe CAI, ontem quando você o quebrou, eu pensei seriamente em contar para seus pais o que aconteceu. Mas como eu sei que ele é muito bravo, decidi que não iria contar. Afinal, eu bem que poderia ter feito isso, resolveria o problema do ralo quebrado, mas se eu assim o fizesse, com certeza, seu pai ficaria muito bravo com você e eu não gostaria de vê-lo triste. Além do que, eu não acho que sou eu quem deva contar alguma coisa para seus pais. Se for para eles saberem de algo, vão saber porque você quer que eles saibam e não porque eu contei.
CAI: (surpreso e aliviado) Acho que minha mãe tem uns "trocados" que dá para comprar... Mas, e se ela contar para o meu pai?
Profª: Bem, eu posso tentar conversar com a diretora e ver se a escola teria algum dinheiro para comprar outro ralo, o que você acha?

A criança concordou rapidamente. Mais tarde, eu contei para CAI que havia conseguido com a diretora o dinheiro para comprar um ralo novo. Dirigimo-nos ao banheiro para medir o tamanho certo (ele o fez com um pedaço de barbante) e, no recreio, fomos até uma loja de materiais de construção próxima à escola e o compramos. Satisfeito, o garoto levou o ralo para o zelador e juntos o colocaram no banheiro da escola. Ele veio chamar-me para ver como havia ficado.

Após esse acontecimento - aliado a outras atitudes de reciprocidade, a cobrança de regras e a autoavaliação diária -, percebo que CAI está tornando-se uma criança mais responsável e crítica, observando o seu próprio comportamento e o dos colegas, e passando a colocar-se na hora da avaliação do dia. Anteriormente, CAI não apresentava tais atitudes (ambiente escolar cooperativo). Atualmente, estou realizando na minha classe o trabalho com os dilemas morais, contando histórias infantis cujos personagens fazem o que querem, estragam as coisas, quebram outras. Estou promovendo discussões e reflexões sobre a conduta desses personagens hipotéticos, e os resultados têm sido interessantes (apropriação racional).

CAI está longe de ser um aluno modelo. Às vezes, percebo que ele me desafia para testar minhas reações, mas continuo negando-me a agir como antes, procurando demonstrar sempre que, mais importante que os danos causados ou os castigos, são os sentimentos das pessoas envolvidas. Procuro também deixar que ele aprenda simplesmente sentindo as consequências de seus próprios atos. Nosso vínculo tem estreitando-se e ele tem demonstrado um respeito bem maior pelas coisas que digo ou faço. Às vezes, CAI passa dias apresentando um comportamento tranquilo, mas, de repente, sem nenhum motivo aparente, ele comporta-se terrivelmente - desrespeita as regras, agride os colegas e responde cinicamente a qualquer questão referente a suas atitudes, permanecendo dias assim. Todavia, não desistirei. Vou continuar tentando, tentando...

Eu também estou mais satisfeita comigo mesma, com minha postura. Não me sinto culpada como sentia anteriormente ao ministrar castigos e reprimendas, e julgo estar mais segura ao decidir o que fazer diante dos inúmeros conflitos que surgem diariamente. Considero que as trocas entre nós, professores, e o auxílio mútuo, assim como os encontros de estudo, auxiliam-nos bastante nessa segurança e no nosso crescimento pessoal e profissional".

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