Profissionalizantes estão em expansão
Parcela do Ensino Médio que mais cresce, a modalidade busca atender à expansão da economia brasileira e ao desejo dos jovens por uma colocação no mercado de trabalho
15/09/2016
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Jornalismo
15/09/2016
A Educação Profissional é a área do Ensino Médio que mais cresce. De 2002 a 2010, houve o aumento de 74,9% do número de matrículas, segundo o Ministério da Educação (MEC). A expansão maior se deu na rede federal. O total de alunos mais do que dobrou (114,2%). A rede privada, contudo, é a que concentra a maior parcela do 1,14 milhão de matrículas nos cursos profissionalizantes. Em 2010, elas ultrapassaram as 544 mil. A importância do foco no mundo do trabalho fica ainda mais clara quando se constata que ele vem ganhando espaço também nos cursos regulares. Esse é um dos quatro pilares - ao lado de tecnologia, ciência e cultura - que devem nortear esse nível de ensino, de acordo com as novas diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no primeiro semestre deste ano. Em meio à expansão da economia brasileira e de uma forte escassez de mão de obra qualificada, os discursos políticos e de empresários pela preparação dos jovens para o mercado também têm sido cada vez mais frequentes. E essa é uma preocupação constante de boa parte dos adolescentes e também de professores.
A experiência de Francisco Patriota, que leciona Física e Biologia no CE Stellanis Kopanakis Pacheco, em Porangatu, a 439 quilômetros de Goiânia, ilustra bem como é possível tratar de questões relacionadas ao mundo do trabalho mesmo em um curso regular. Ele criou um programa optativo de Mecânica Veicular, no qual alia os conteúdos que ensina à sua experiência como profissional da área, professor do Sistema Nacional de Emprego (Sine) e instrutor do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de Goiás. A disciplina oferecida no período noturno aos estudantes de 1º e 2º anos prevê, além de desenvolver os conceitos previstos no currículo regular - como energia, trabalho, força, potência e eletricidade -, aulas práticas e visitas a oficinas e retíficas.
As atividades ocorrem no laboratório da escola, onde experimentos se alternam a exposições orais. "Como os carros hoje são eletrônicos, acrescento aulas expositivas sobre tecnologia aplicada à eletrônica veicular", explica o professor. Apesar de o curso não ser profissionalizante e não emitir certificação desse tipo, ele já proporcionou a seis adolescentes, interessados na área de Engenharia Mecânica, uma vaga no mercado como aprendizes.
Ao longo de um semestre, uma vez por semana, os estudantes de 15 a 17 anos aprendem conceitos da Física ligados ao funcionamento de motores e à parte elétrica dos carros, como energia, trabalho, força, torque, potência e eletricidade. A Biologia - aliada aos princípios da segurança no tráfego e da direção defensiva - entra com a discussão sobre os efeitos do álcool no organismo, primeiros socorros e redução da emissão de poluentes por meio da conservação e da regulagem correta dos motores dos veículos.
"Levei várias peças que tinha em casa para montar esse espaço. A escola ajuda com a confecção de uma apostila distribuída aos alunos, incrementada com reportagens de publicações especializadas", afirma Patriota. Em 2010, primeiro ano da iniciativa, foram oferecidas 30 vagas. A procura foi tanta que o professor abriu mais uma sala e, neste semestre, já são 100 inscritos, em três turmas. Para a surpresa de Pacheco, cerca de 40% deles são mulheres. E, para sua satisfação, desde o início, nunca houve um caso de evasão.
O conteúdo que embasa a parte prática é compreendido com facilidade pelos estudantes. Eles extrapolam o proposto, fazem as pesquisas solicitadas pelo educador e trazem questões novas para serem debatidas. Tudo isso desperta na garotada a curiosidade para o mundo do trabalho. "Todos têm grande capacidade de aprendizagem e estão ávidos por informação contextualizada. Querem conhecer o funcionamento das coisas e ter condições de aplicar esses saberes no dia a dia. O Ensino Médio é a etapa certa para oferecer essas oportunidades", diz.
Na tentativa de reduzir a dicotomia entre a preparação para o trabalho ou para a universidade, foi incorporado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 2008 um novo formato de curso: o do Ensino Médio Integrado. Desde 1996, quando a LDB assegurou a possibilidade de o Ensino Médio se integrar à preparação para profissões técnicas, discute-se a dicotomia entre a formação geral - humanista, cultural e científica - e a profissional e técnico-instrumental para o mundo do trabalho. De um lado está quem defende um currículo escolar politécnico, voltado a equacionar a ruptura entre trabalho intelectual e manual e propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos e das técnicas empregados na produção. De outro está quem prioriza uma Educação Básica desatrelada das demandas do mercado por acreditar que, na prática, a associação resulta em um adestramento técnico.
Em 1997, essa dualidade foi acentuada: o ensino profissionalizante técnico de nível médio passou a ter um conteúdo próprio e independente desse ciclo. Ele podia ser ofertado de forma concomitante ou subsequente à última etapa da escolarização básica, mas com matrículas e currículos separados. A partir de 2003, no entanto, a proposta de um Ensino Médio Integrado começou a tomar corpo. A oferta dessa opção tornou-se possível legalmente com a publicação do decreto federal 5.154, em 2004. A nova possibilidade não impede que as redes continuem a oferecer o nível técnico concomitante ou subsequente.
A convergência, contudo, ainda é incipiente. Somente em 2008 o decreto foi incorporado à LDB, dando mais legitimidade aos sistemas que oferecem a nova modalidade. Hoje, esse tipo de curso ainda está sendo incorporado às redes estaduais e aos Institutos Federais de Educação Tecnológica. Ele permite às redes oferecer a profissionalização de maneira incorporada ao currículo do curso regular em três ou quatro anos de estudos. Antes disso, o aluno podia fazer um curso profissionalizante no nível médio apenas na modalidade concomitante (durante o médio regular, mas no contraturno) ou subsequente (após a conclusão do curso regular).
A proposta de Ensino Médio Integrado está presente nos cursos do Centro Estadual de Educação Profissional de Curitiba (Ceep), na capital paranaense, um dos mais tradicionais do país, em atividade há 70 anos. A escola se orgulha do índice de evasão, abaixo de 5%, e do fato de que quase 100% dos estudantes se inserem no mercado logo após a obtenção do certificado. Alinhada ao perfil industrial da região metropolitana de Curitiba e às chances reais de empregabilidade, a escola oferece os cursos técnicos de Eletromecânica, Eletrônica, Edificações, Meio Ambiente e Química.
Não há parcerias diretas com empresas para colocação profissional. Porém as portas para o primeiro emprego se abrem com o estágio obrigatório, no 3º ano dos cursos. A orientação do estágio feita pelos coordenadores do Ceep ocorre por meio de visitas à empresa onde os jovens atuam. "Na escola, cada área tem seu responsável. Esse profissional acompanha, por meio de relatórios enviados pelo supervisor do estagiário, as habilidades nas quais ele se destaca e corrige as deficiências apresentadas na especialização escolhida", diz o diretor da instituição, Edson Luiz Martins. "Hoje, além dos centros de integração, que fazem essa ponte com a iniciativa privada, cerca de 500 empresas nos procuram diretamente."
Para ele, a conquista de bons indicadores decorre de políticas educacionais dentro e fora da escola. Desde 2005, o corpo docente é formado por educadores concursados que, para serem efetivados, precisam ter Licenciatura. A estrutura da instituição, com 22 salas e 23 laboratórios, também contribui. "A infraestrutura da rede física e a capacitação continuada dos docentes são nossas principais preocupações no que se refere ao Ensino Médio Integrado", afirma Merouji Calvet, superintendente de Educação do Paraná.
Doutor em Educação e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Dante Henrique Moura vê com bons olhos o Ensino Médio Integrado, principalmente por perceber a dificuldade dos jovens de menor poder econômico em conseguir uma vaga nos cursos oferecidos pela rede federal, ilhas de excelência nesse campo. "Ainda que boa parte dos ingressantes venha do sistema público, os institutos não atendem nem 2% do público total", afirma ele. Na avaliação do especialista, o principal problema, tanto na ampliação da oferta de vagas e formatação do currículo como na integração das redes federais e estaduais, é a ausência de um projeto de estado - e não de governos, como tem ocorrido. "Os governos são transitórios. A descentralização da política em cada unidade da federação, sem uma orientação nacional clara, bem como a inexistência de instrumentos adequados de financiamento dificultam a execução de um bom projeto nesse campo", diz Moura.
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