Na EE Walter Negrelli, são organizadas assembleias em que cada classe escolhe um aluno coordenador. Ao lado de um professor, ele traça ações para ajudar a solucionar os problemas da turma
Um professor novato - e novo também na idade - tenta impor sua opinião a uma sala de 3º ano. Os alunos, acostumados a expor seu modo de pensar, rebatem. E está armada a confusão. Todos se alteram, é uma gritaria e o professor sai da sala muito nervoso. Parece a receita certa para encrenca. Mas não precisa ser assim. Essa situação ocorreu no primeiro semestre na EE Walter Negrelli, em Osasco, na Grande São Paulo. E foi contornada com sucesso. Os professores mais experientes conversaram com o recém-chegado e, separadamente, com os adolescentes. Na aula seguinte, foram todos juntos à sala, a turma pediu desculpas ao educador, e vice-versa. Essa solução, todos na escola reconhecem, só foi possível graças ao Projeto Conviver.
Quando ele teve início, há dez anos, a violência explodia tanto dentro quanto fora dos muros da Walter Negrelli. Na época, a clientela (originalmente filhos de moradores de prédios próximos) mudou com a chegada de uma população mais pobre (deslocada de uma favela para uma área próxima à escola). Esse fato gerou dois problemas: atritos entre os alunos e a presença de gangues no portão, que chegavam a lançar pedaços de metal na fiação externa para provocar curtos-circuitos e interromper o fornecimento de luz. A então diretora, Maria Aparecida de Silva, professores e assistentes tomaram medidas imediatas - como pedir para a companhia de energia elétrica melhorar a proteção dos fios e a criação do já citado Conviver.
Um dos pilares do projeto é a ideia de cada professor "adotar" uma sala (antes de começar a aula, eles dedicam um tempo a ouvir os problemas dos estudantes). Outra iniciativa testada e aprovada são os alunos coordenadores (que traçam ações para ajudar os colegas). "Se percebem que alguém está faltando demais, tentam descobrir o que aconteceu. E já aconteceu de a turma coletar uma cesta básica porque o pai de um deles estava desempregado", conta a vice-diretora, Ana Cristina Barrovieira de Paula.
Outro ponto importante é a realização de assembleias e votações, como as feitas para escolher os alunos coordenadores. Durante o processo, os candidatos apresentam suas ideias e os colegas debatem as propostas. Toda essa movimentação pode ocorrer mais de uma vez por ano, caso o aluno eleito saia da escola ou a turma ache que ele não está se saindo bem - ou se o próprio estudante desistir da função.
Ainda assim, de vez em quando, rolam algumas brigas. Pouco antes das férias de julho, duas meninas discutiram feio no pátio e quase partiram para a agressão física. O motivo: uma tinha revelado um segredo da outra. As duas foram levadas para a sala da coordenação, cada uma teve oportunidade de mostrar seu ponto de vista - e fizeram as pazes. Mas, e aí está outra diferença em relação à maioria das escolas, o processo não terminou aí. As duas tiveram de preparar uma apresentação sobre o ocorrido, fazer uma pesquisa sobre a importância de guardar segredo e passar em várias salas compartilhando o que aprenderam. "A chave é valorizar a solidariedade e o respeito às diferenças", diz Maria Aparecida.
Segundo o Plano Plurianual do Estado de São Paulo, 62% das escolas estaduais registraram em 2010 situações de violência. Outro estudo, coordenado por Miriam Abramovay para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostra que os casos mais comuns são briga entre alunos, uso de drogas, pichações e depredações, indisciplina e conflitos no entorno. "Dar voz aos jovens é o principal passo para lidar com a violência", diz a pesquisadora. "A escola é muito baseada nos valores dos adultos. Daí a importância de escutar todos."
Na Escola de Ensino Médio Liceu do Conjunto Ceará, em Fortaleza, o índice de violência interno não era muito alto, mas havia uma tensão externa que atrapalhava o ensino. Para melhorar o clima, foram testadas várias iniciativas. Uma das que obtiveram mais sucesso foi o Cine Liceu, criado em 2003. O projeto nasceu com o objetivo de trazer os alunos para a escola no sábado à noite, quando muitos iam para festas e acabavam se metendo em encrenca. Toda semana, uma locadora da região empresta filmes - e a garotada chama amigos e a família. "Inserir os jovens em atividades prazerosas é muito mais eficiente do que só apartar brigas e punir", diz o psiquiatra Marcelo Niel, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ele, a iniciativa cearense é a prova de que não adianta tentar impor algo que não tenha a ver com a realidade da comunidade. "Tudo deve fazer parte do contexto cultural deles. Se gostam de hip-hop ou rock, por que não oferecer isso?"
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