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Jornalismo

A hora de se afirmar na vida e na escola

É na adolescência que se constituem traços importantes da personalidade. Entender a necessidade de se impor (e o papel do grupo nisso) é essencial para lidar com os alunos nessa fase

PorAna Gonzaga

15/09/2016

Alguns professores torcem o nariz quando ouvem falar de Harry Potter. Outros acham que o bruxo pode estimular o gosto pela leitura. Mas é fato que a evolução do personagem (sucesso nos livros e no cinema) ajuda a entender a passagem da infância para a adolescência e o início da vida adulta. "Os desafios enfrentados pelo garoto são muitos. Impostores são reconhecidos, falsos aliados se revelam, amigos inusitados aparecem no lugar de outros tidos como insubstituíveis", descreve o psicanalista Chistian Ingo Lenz Dunker, da Universidade de São Paulo (USP). No decorrer da saga, os cenários vão ficando mais sombrios. "O rito de passagem é sintetizado no momento em que Harry quebra a varinha que reunia 'todos os poderes'. Virar adulto é descobrir que isso não existe."

Os especialistas dizem que não há uma data exata para marcar o início e o fim da adolescência - é mais uma questão emocional do que idade. Mas não há dúvida de que ela coincide "em cheio" com os anos dedicados a frequentar as aulas no Ensino Médio. A pressão para passar no vestibular e/ou a necessidade de entrar para o mundo do trabalho são apenas dois dos desafios que o jovem enfrenta nessa fase. Daí a necessidade de entender melhor o que se passa com os estudantes para poder ajudá-los a seguir em frente de forma mais tranquila e segura. "A adolescência é também um momento de luto", define a neuropsicóloga Ana Paula Cuocolo Macchia. "É o luto pela perda do corpo da infância, que agora virou algo desengonçado e que ele não domina. Luto pela perda dos pais como ele conhecia, que não vão mais tratá-lo como bebê. Luto pela infância perdida, enfim."

Esse processo, em geral, inclui dois momentos marcantes: inicialmente, uma luta interna para constituir a própria personalidade (nessa hora, a coletividade pouco importa e o que vale é rebelar-se contra tudo e contra todos) e, em seguida, começa a tomar forma a capacidade de pensar de forma abstrata e colocar-se no lugar dos outros (é aqui que muitos passam a engajar-se em movimentos sociais, por exemplo). Nesse momento de afirmação, as contradições são bastante comuns. Ao mesmo tempo em que quer e precisa tornar-se um indivíduo, o jovem às vezes estabelece uma relação de dependência com o grupo. "A adolescência é um período difícil, que pede essa aproximação com outros que estão passando pela mesma situação para definir novos modelos de identificação", diz Dunker. Nesse momento, é comum o jovem expressar os valores da família quando está sozinho, mas enaltecer a moral do grupo quando está com os colegas. "No coletivo, ele acha que pode fazer aquilo que não é permitido ou que ele não tem coragem de fazer isoladamente", afirma Ana Paula.

Tudo isso é não apenas previsto mas também sadio, tanto que os médicos usam a expressão Síndrome da Adolescência Normal. Se negar os valores e a própria família é considerado normal, é igualmente esperado que os adolescentes se revoltem contra a instituição que está mais próxima de sua vida. Daí a importância de a sala de aula ser um local com desafios reais e consequências igualmente reais para os atos de cada um (mais ou menos como ocorre com Harry Potter e seus amigos na escola de magia).

E o que fazer no dia a dia? Psicólogos afirmam que o mais importante é ter flexibilidade. "O adulto não pode ficar engessado no papel de responsável, líder, mestre", afirma Ana Paula. Mas isso não significa querer ser um igual, um adolescente. "Não há nada pior do que a negação da diferença existente entre a instituição escolar e os alunos", diz Dunker. Ou seja, cada qual com seu papel. À escola (diretor, coordenadores, professores) cabe abrir espaço para as manifestações dos adolescentes - no grêmio estudantil, em apresentações de música, em feiras culturais ou qualquer outra forma de expressão. Com participação, colaboração e escuta, a entrada no mundo dos adultos será (um pouco) menos complicada.

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