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Jornalismo

Ser professor depois dos 40

"Não achei que eu pudesse aprender algo depois de velha." Conheça a trajetória de quem encarou o desafio

PorPaula PeresPatrick Cassimiro

16/09/2017

Da esquerda para a direita, Marisa, Gisele e Jaciro. Amor em família pela docência

Início de mais um ano letivo, uma professora da rede pública de Campinas se preparava para receber seus novos estagiários. Até que um casal de idosos entra na sala de aula. "Eu querendo me aposentar e vocês entrando na profissão. Estão loucos?", disse a professora.

Eles podem ser minoria, mas estão aí. De acordo com dados do Censo de Educação Superior de 2015, havia mais de 8 milhões de universitários no Brasil, dos quais 732 mil tinham mais de 40 anos, o que representa 9,12% do total.

Pouco se olha para esse grupo. Enquanto muitos pesquisadores se debruçam sobre os desafios de formação do iniciante e o interesse pela profissão, ainda não há estudos focados em quem começa a carreira de professor mais tarde.

O que leva alguém com mais de 40 anos de idade a buscar a carreira docente? A seguir, conheça as histórias e os principais desafios de pessoas que decidiram abraçar a Pedagogia.

Trajetórias retomadas pela EJA

Parte das pessoas com idade avançada que decide voltar a estudar escolhe a Pedagogia como primeira graduação. Entre dezembro de 2016 e julho de 2017, o grupo Anhanguera, uma das instituições de ensino superior com maior número de alunos do país, formou mais de 21 mil pessoas no curso. Dessas, cerca de 6 mil tinham pelo menos 41 anos de idade - representando 28,16% dos estudantes formados. É o caso da família Ferreira, de Campinas, interior de São Paulo.

Marisa Martins Ferreira (56 anos, a mãe), Jaciro Ferreira Netto (62 anos, o pai) e Gisele Ferreira Carneiro (38 anos, a filha) têm relações semelhantes com a Educação: os três abandonaram os estudos no período regular.

A iniciativa de voltar partiu de Jaciro, que é pastor e fez curso livre de Teologia na escola da igreja que frequentava. "Me incomodava ser um pastor que aconselhava e ensinava os outros sem ter terminado os estudos", diz ele. Voltou para a escola, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), levando a esposa e a filha mais velha.

"Na minha época, criança que tinha dificuldades para aprender não era incentivada a continuar indo para a escola nem pelos pais nem pelos professores. Eu abandonei os estudos na antiga 5ª série (atual 6º ano)", conta Marisa, que se acostumou a acreditar na própria incapacidade de aprender, casou-se cedo e viveu por muito tempo como dona de casa e diarista.

Anos depois, Marisa sentiu vontade de continuar estudando, incentivada por outra filha, mas não acreditava que seria capaz. "Não achei que eu pudesse aprender algo depois de velha."

Depois de 20 anos, Rosana abandonou as vendas para se tornar professora

Gisele, que também se casou cedo, enfrentou resistência do marido quando anunciou que voltaria a estudar. "Ele era ciumento, não gostava que eu fosse à escola mesmo acompanhada da minha mãe. Eu precisei ameaçar pedir o divórcio para que mudasse sua postura", diz.

E então veio o salto após a EJA. Depois de uma tentativa frustrada no curso de Sistema da Informação, Marisa se encontrou na Pedagogia. E, dessa vez, foi ela que levou o marido e a filha, no semestre seguinte. Durante três anos e meio, mãe, pai e filha estudaram juntos na mesma turma.

Para conseguir pagar três mensalidades do mesmo curso, a família contou com o programa de financiamento estudantil do governo federal. Apesar de carregarem uma dívida por mais de dez anos, estão confiantes. "É um financiamento longo, mas as parcelas começam baixas, e se não fosse por essa oportunidade, não teríamos condições de fazer Ensino Superior", comenta Gisele.

Na área, Jaciro sentiu o preconceito duplo: por ser o mais velho e o único homem no meio de 130 mulheres. "Uma colega chegou a dizer que pessoas velhas como eu e minha esposa não deveríamos querer nos formar professores a essa altura de nossas vidas", lamenta. Atualmente, ele está em busca de emprego e toma conta do brechó da família, sua principal fonte de renda. "Nas entrevistas, sinto que as pessoas têm preconceito por eu ser homem, ou velho, ou as duas coisas."

"Sou feliz no que faço e gosto de encontrar pessoas experientes que também decidiram pela Educação."
ROSANA FARIA, 52 ANOS

O desafio de entrar na escola pública

Jaciro não é o único que enfrenta dificuldades para entrar no mercado de trabalho. No último mês, NOVA ESCOLA recebeu uma série de relatos de professores recém-formados aos 40 anos que estavam fora da sala de aula, muitas vezes funcionários concursados das escolas, mas sob cargos de limpeza, monitoria ou merendeiros.

Já Marisa começou a trabalhar em uma escola da rede municipal de Campinas, como voluntária do programa Mais Educação. Suas aulas de reforço ajudam o mesmo grupo de alunos com dificuldades do qual ela fazia parte, na década de 1970.

A professora Rosana Maria Mohacsi Faria tem 52 anos e trabalha como docente da Educação Infantil há nove na cidade de São Paulo. "Assim que saí da escola, eu queria fazer Pedagogia para trabalhar na área de Recursos Humanos de um banco, realizando treinamentos. Mas o emprego deu errado e eu desisti. Voltei à graduação aos 40 anos, e me formei pedagoga em 2007", conta.

Antes da docência, Rosana foi vendedora por 20 anos. "As pessoas falavam que eu levava jeito para ensinar os novos colegas. Junto, veio uma vontade de voltar a estudar. Estava na hora."

Na faculdade, as diferenças surgiram. "Havia no máximo seis pessoas da minha faixa etária, em uma sala com 90." Enquanto alguns colegas mais novos levavam a graduação na brincadeira, Rosana encarava as aulas com mais seriedade. "Eu tinha certeza do que queria, levava as aulas a sério."

Para se manter, Rosana continuou trabalhando como vendedora até se formar, conciliando curso, trabalho e vida pessoal. "Meus filhos me viam muito pouco nessa época. Eu usava as madrugadas e os fins de semana para fazer os trabalhos", lembra.

Quando se formou, a professora participou de processos seletivos em várias cidades e passou em Cajamar, na grande São Paulo. Começou a trabalhar em uma escola que também era nova. "Estavam todos com o objetivo de fazer aquilo funcionar. Foi bacana, porque isso me deu segurança quando passei em um concurso na capital paulista e tive de enfrentar o cotidiano em uma rede que é maior e mais complexa."

Arrependimento, só de ter abandonado a Pedagogia no início. "Eu poderia estar me aposentando agora", reflete. Mas o saldo é positivo. "Decidi mudar porque estava infeliz na minha profissão, e acho que temos que trabalhar com o que nos faz bem. Hoje, com todos os percalços, sou feliz no que faço e gosto de encontrar pessoas que também decidiram pela Educação."

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