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Jornalismo

Acima de tudo, professora: essa era Heley, a heroína da tragédia de Janaúba

Divertida, dinâmica e carinhosa, a educadora era apaixonada pelo trabalho, pela escola e pelas crianças

PorCaroline Monteiro

11/10/2017

Arte: Marcus Penna

"Se ela tivesse sobrevivido sem salvar os alunos, ela não conseguiria viver." É assim que a educadora Maria José Nogueira resume o ato heroico de Heley Abreu, professora que morreu na tragédia do Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente, em Janaúba, Minas Gerais. Mesmo em chamas, Heley se esforçou para tirar as crianças de uma sala de aula tomada pelo fogo e, segundo as investigações, ainda confrontou o vigia que começou o incêndio. A pedagoga só parou quando caiu inconsciente no chão da escola. Não fosse por isso, as testemunhas, a polícia, e os bombeiros dizem que o número de crianças mortas – nove – seria bem maior.

A atitude da professora de 43 anos foi reconhecida pela Presidência da República que concedeu a Ordem Nacional do Mérito à heroína. No dia do enterro, um cortejo levou seu corpo para ser aplaudido e homenageado pela população da cidade. "Ela era muito dedicada e carinhosa. Jamais sairia da sala sem tirar os alunos de lá", conta Maria, que trabalhou com Heley de 2012 a 2014 na EE Luzia Mendes Siqueira, também em Janaúba. "Ela via na Educação uma saída para os problemas do mundo. Era a prioridade da vida da Heley. Ela tinha sempre de fazer o melhor que pudesse, tudo muito perfeito", diz. 

A mineira chegou com vida ao hospital depois do ataque, ocorrido em 5 de outubro. Com 90% do corpo queimado, não resistiu e morreu, deixando três filhos (Breno, de 15 anos, Lívia, 12, Olavo, um ano e três meses) e o marido, Luiz Carlos. Heley teve um outro filho, Pablo, que se afogou e morreu na piscina de um clube. Ele tinha a idade da maioria das crianças que faleceram queimadas na creche. "Talvez seja por isso que ela via os alunos como filhos dela", diz Maria.

Heley e seus alunos em passeio escolar na véspera do ataque à creche. Foto: Arquivo pessoal

Nas palavras de Flávia Luzia Cardoso, auxiliar de classe de Heley, a professora era dinâmica, divertida e comprometida. Afastada por causa de uma conjuntivite, Flávia não estava na creche no dia da tragédia. Ambas estavam em seu primeiro ano na Gente Inocente. "Cada dia era uma novidade. Ela desenvolvia jogos, fazia um ‘balde surpresa’ para que as crianças adivinhassem o que tinha dentro e trabalhava muito com vídeos e músicas nas atividades de alfabetização", conta Flávia, que enxerga na atitude corajosa da amiga um reconforto para que a cidade e as famílias se recuperem do trauma. 

Contadora, religiosa e querida

A pedagoga e alfabetizadora começou a dar aula muito jovem, como professora da rede municipal de Nova Porteirinha, cidade ao lado de Janaúba, onde ainda morava. Mas a Educação não foi a primeira profissão que Heley escolheu. Ela havia cursado contabilidade, mas abandonou e partiu para a segunda graduação, pedagogia, na Universidade Estadual de Montes Claros. Foi quando encontrou seu propósito de vida. 

"Esse era o sonho dela. Ela me dizia que não se imaginava em outra profissão. Era simplesmente apaixonada pelo seu trabalho", conta Flávia. A disposição e o ânimo da professora contagiavam. "Ela sempre chegava sorridente. Não faltava nem quando estava doente ou sem voz."

A diretora da creche, Aline Cristina Mendes, que estava presente no dia do ataque, concorda com a auxiliar. "A presença de Heley era tão marcante que, mesmo estando há apenas nove meses na creche, a escola já tinha a cara dela. Nosso espaço era pequeno, mas ela tinha essa vontade de crescer, de deixar marcas positivas na vida de todos que passassem por ali." 

Muito religiosa, frequentava a igreja, onde também dava aula. "Lembro que no dia do incêndio, Heley vestia uma roupa toda preta, mas fiquei marcada pela cruz dourada estampada em sua camiseta", diz Aline. A professora lutava ainda pela inclusão de crianças com deficiência. Em 2016, fez uma pós-graduação em Educação Especial Inclusiva.

Fora da escola, também gostava de esportes. Segundo suas colegas, ela caminhava, frequentava academia – chegou a fazer crossfit e pensava em fazer zumba. Além disso, era torcedora do Cruzeiro. 

O dom de Heley deixava a sua rotina e a das crianças mais fácil. Mesmo em uma sala multisseriada, com crianças em etapas diferentes, a professora desenvolvia suas atividades com muita paixão e naturalidade. "Nada era impossível em seu trabalho. Ela não via dificuldade, era otimista”, conta a diretora Aline. “Se a reunião de pais era fora do seu horário de trabalho, ela estava presente mesmo assim. Heley fazia os alunos acreditarem que tudo era possível. Seu último momento com os meninos foi de alegria, de dança. Ela virava criança também, rolava no chão, dava carinho. Heley sempre lutava por eles — e lutou até o fim."

Leia mais sobre a vida da professora

Per­fil de uma he­ro­í­na: quem era a professora que morreu salvando crianças na creche de Janaúba, do Estado de Minas

Lutando contra as labaredas: quem é a professora que morreu ao salvar crianças em creche de MG, do UOL

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