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Jornalismo

Literatura na escola - 7º ano: Crônicas de Luís Fernando Veríssimo

Pornovaescola

02/09/2017

Objetivo(s) 

Estimular o gosto pela leitura;
Desenvolver a competência leitora;
Desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso crítico;
Estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de mundo);
Revelar o diálogo entre literatura e tradição cultural;
Perceber as particularidades do gênero Crônica.

Conteúdo(s) 

Forma literária;
Paráfrase, análise e interpretação;  Ditadura Militar no Brasil. ção,>

Ano(s) 

6º, 7º, 8º, 9º

Tempo estimado 

Cinco aulas.

Material necessário 

- Livro O Nariz e Outras Crônicas. Luís Fernando Veríssimo, 112 págs, Editora Ática, Coleção Para Gostar de Ler, tel (11) 3990-1612, preço 26,90
- Se possível, um computador ligado à Internet.

Desenvolvimento 

1ª etapa 

Introdução

Esta é a quinta de uma série de 16 sequências didáticas que formam um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. 
 

Sondagem oral

Pergunte se os alunos já ouviram falar do cronista Luís Fernando Veríssimo. Conhecem alguma obra que ele publicou? E sobre Crônica, já ouviram falar?

A partir desta primeira sondagem, inicie sua aula, apresentando à turma o escritor, bem como o gênero crônica. Se julgar necessário, entregue aos alunos o texto do boxe abaixo.

Luís Fernando Veríssimo e o gênero Crônica

Luís Fernando Veríssimo se firmou como escritor por meio da profissão de jornalista. A partir de 1970, começou a escrever crônicas para o jornal Folha da Manhã e logo se consagrou como escritor.

A definição do gênero Crônica até hoje é uma questão polêmica. Segundo o autor Jorge de Sá, no livro A Crônica, a aparência de simplicidade "decorre do fato de que a crônica surge primeiro no jornal, herdando a sua precariedade, esse seu lado efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se acabe o dia, no instante em que o leitor transforma as páginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes que mais lhe interessam no arquivo pessoal. O jornal, portanto, nasce, envelhece e morre a cada 24 horas. Nesse contexto, a crônica também assume sua transitoriedade, dirigindo-se inicialmente a leitores apressados, que leem nos pequenos intervalos da luta diária, no transporte ou no raro momento de trégua que a televisão lhes permite. Sua elaboração também se prende a essa urgência: o cronista dispõe de pouco tempo para datilografar o seu texto, criando-o, muitas vezes, na sala enfumaçada de uma redação. Mesmo quando trabalha no conforto e no silêncio de sua casa, ele é premiado pela correria com que se faz um jornal, o que acontece mesmo com suplementos semanais, sempre diagramados com certa antecedência.

À pressa de escrever, junta-se a de viver. Os acontecimentos são extremamente rápidos, e o cronista precisa de um ritmo ágil para poder acompanhá-los. Por isso a sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta, mais próxima da conversa entre dois amigos do que propriamente do texto escrito. Dessa forma, há uma proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade, sem que o narrador caia no equívoco de compor frases frouxas, sem a magicidade da elaboração, pois ele não perde de vista o fato de que o real não é meramente copiado, mas recriado. O coloquialismo, portanto, deixa de ser a transcriação exata de uma frase ouvida na rua, para ser a elaboração de um diálogo entre o cronista e o leitor, a partir do qual a aparência simplória ganha sua dimensão exata.

No livro "O Nariz", de Luis Fernando Veríssimo, há uma crônica intitulada "Ela". Peça que os alunos anotem individualmente suas ideias a respeito deste título. O que ele deve significar?

 

2ª etapa 

Leitura compartilhada do conto "Ela" e contextualização da obra: a década de 70 no Brasil

Leia com a turma o conto "Ela" e peça que os alunos comentem suas impressões gerais. Em seguida pergunte se, após a leitura, as ideias que tinham a respeito do significado do título "Ela" se mantiveram ou foram alteradas? Justifique.

Peça para a moçada elencar todas as referências a fatos históricos e os títulos de programações de televisão que aparecem na crônica. Pergunte aos estudantes se entenderam essas referências, se sabem, por exemplo, o que era o Sheik de Agadir - título de uma novela da década de 1960 - citado na crônica.

A turma certamente terá dificuldade em entender alguns fatos. Faça, então, a contextualização para a classe e apresente as questões político/históricas do Brasil na década de 1970 (saiba mais no texto abaixo). Se possível, convide o professor de História para ajudar nessa segunda etapa. Lembre-se que, conforme os alunos se aproximam do Ensino Médio, a tendência é a escola trabalhar mais com aqueles livros que o adolescente não conseguiria ler por conta própria, seja por uma linguagem mais elaborada do ponto de vista estético, seja porque o livro pertence a uma época cujas referências o estudante desconhece. Cabe ao professor fornecer o repertório e os esclarecimentos necessários para que a leitura se torne acessível ao aluno. "O Nariz", por ser uma coletânea de crônicas, não apresenta grandes desafios do ponto de vista da linguagem, mas muitas narrativas fazem referências a questões políticas e sociais do Brasil que devem ser explicadas.

Década de 1970

antesdachuva.zip.net
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Na década de 1970, o Brasil ainda vivia sob o peso da ditadura militar e do Ato Institucional No 5. Não havia liberdade de imprensa e os opositores ao regime eram perseguidos e torturados.

 Sob interesse dos governos militares e aproveitando o milagre econômico e a vitória da seleção brasileira em 1970, surgiam slogans e canções ufanistas como "Brasil, ame-o ou deixe-o" e "pra frente Brasil"

divulgação



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 Foi também um tempo de expansão da indústria televisiva, da publicidade e dos meios de comunicação de massa. Toda criação artística que escapasse à censura era submetida a um forte esquema comercial. Em 1978, a novela Dancin`Days fazia sucesso com uma trilha sonora e figurinos baseados na Disco Music norte americana.

 

3ª etapa 

Análise da crônica "Ela"

Em aulas expositivas dialogadas, analise a crônica "Ela" com a turma, obedecendo aos procedimentos de análise literária organizados abaixo:

1) Paráfrase:
A paráfrase é a primeira parte da análise. Ela é um resumo do enredo, um "contar a história com as suas próprias palavras", por isso deve ser curta e objetiva, deve resumir-se apenas ao essencial.

Finalizada a leitura compartilhada, pergunte aos alunos do que fala o texto?

Exemplo:

A crônica "Ela" conta a história da influência crescente da televisão na vida de uma família brasileira, entre as décadas de 1960 e 1970.

Confirme se a sala está de posse dessa compreensão mínima. Caso não esteja, retome a leitura compartilhada.

2) Análise:
Analisar é "desmontar" o texto, é verificar quais são as partes que o compõe e como elas se articulam. Cada obra literária tem inúmeros elementos que, articulados, a constituem. A ideia não é investigar todos - nem seria possível - mas apenas alguns. Quais? A análise deve construir argumentos que sustentem a interpretação. É ela que vai conduzir o leitor através do seu raciocínio.

Não podemos nos esquecer também que, em arte, forma é conteúdo. Por isso, é preciso ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a ter na economia da crônica. O que são aspectos formais? São elementos que se referem menos diretamente a o que está sendo dito e mais ao como está sendo dito. O tipo de narrador, a caracterização de algum personagem, o tempo, o espaço e o tipo de discurso são alguns dos elementos formais que podem ser fundamentais para desvendar mistérios. 

Ao observar a crônica escolhida, é fácil perceber algo que, em sua forma, lhe chame a atenção. Por exemplo, o fato de a crônica "Ela" possuir inúmeras referências históricas não pode passar despercebido. Partindo do princípio que o escritor Luís Fernando Veríssimo domina plenamente a sua arte, devemos acreditar que tais referências contribuem para o sentido do texto.

Outro elemento formal que chama atenção é o fato de o pronome pessoal "ela" sugerir, desde o título, uma personificação do objeto televisor. Tal personificação, que se intensifica ao longo do texto, também é produtora de sentido.

Existem inúmeros elementos passíveis de análise em uma boa obra literária. Se tivermos um olhar atento no que se refere à forma, então já será possível traçar um caminho seguro pelo qual nossa análise pode seguir. Retomemos o tema depois.

Exemplo de análise

O título da crônica "Ela", por ser um pronome pessoal, sugere que a narrativa vai falar de uma pessoa do sexo feminino. Tal sugestão é intensificada nas primeiras frases:

"Ainda me lembro do dia em que ela chegou lá em casa. Tão pequenininha! Foi uma festa."

Em seguida, temos a impressão de que "Ela" é, na verdade, um animalzinho de estimação:

"Botamos ela num quartinho dos fundos. Nosso filho - naquele tempo só tínhamos o mais velho - ficou maravilhado com ela. Era um custo tirá-lo da frente dela para ir dormir."

Note que foram usadas citações de trechos da crônica. Isso não só é possível como geralmente é muito útil. Quanto mais sua análise der voz ao texto, melhor.

Então a crônica realiza uma primeira quebra de expectativa com efeito de humor: percebemos que se trata de um aparelho de TV.

"- Eu não ligava muito pra ela. Só pra ver um futebol, ou política. Naquele tempo tinha política. Minha mulher também não via muito. Um programa humorístico, de vez em quando. Noites Cariocas... Lembra de Noites Cariocas?- Lembro. Vagamente. O senhor vai querer mais alguma coisa."

A partir do trecho acima, a crônica de Luís Fernando Veríssimo diz a que veio: temos a percepção de que o narrador-personagem narra sua história em diálogo com um interlocutor que, provavelmente, é um garçom que não parece muito disposto a escutá-lo. Temos uma referência ao golpe militar de 1964 ("Naquele tempo tinha política.") e podemos deduzir que os acontecimentos narrados têm início antes do Golpe e o narrador fala ao garçom ainda durante a repressão. Temos também, completando a referência temporal, a alusão a um programa televisivo de 1961: "Noites Cariocas".

3) Comentário:
O comentário se faz necessário no momento em que a análise solicita informações externas à obra literária para elucidar seu sentido profundo. Isso porque a Literatura, apesar de sua relativa autonomia, faz parte do tecido social em que está inserida. Como explica Antonio Candido no livro Na sala de aula: caderno de análise literária, as "circunstâncias de sua composição, o momento histórico, a vida do autor, o gênero literário, as tendências estéticas de seu tempo, etc. Só encarando-a assim teremos elementos para avaliar o significado da maneira mais completa possível (que é sempre incompleta, apesar de tudo)". Nessa crônica as referências à história do Brasil são de fundamental importância para a compreensão do leitor.

4) Continuação da análise:

A partir de então o narrador conta que a família comprou um aparelho maior e o mudou para a copa, interferindo nos hábitos da família. Note que ele jamais deixa de personificar a televisão:

"Aí ela já estava mais crescidinha. Jantávamos com ela ligada, porque tinha um programa que o garoto não queria perder. (...) A empregada também gostava de dar uma espiada. José Roberto Kelly."

Aqui vale recorrer novamente ao comentário: Na entrada dos anos 60, a popularização dos desfiles de carnaval marcou o início da ascensão do samba-enredo e o declínio da marchinha e dos blocos. José Roberto Kelly foi um dos últimos compositores que brilharam no gênero, com Cabeleira do Zezé e Mulata Iê-Iê-Iê., antes do Ato Institucional no 5, de 1968.

A narrativa continua contando como a televisão muda os hábitos da casa do narrador, assim como os da família brasileira: sua mulher começa a seguir apaixonadamente as telenovelas.

"Foi então que surgiu um personagem novo nas nossas vidas que iria mudar tudo. Sabe quem foi?
- Quem?
- O Sheik de Agadir. Eu, se quisesse, poderia processar o Sheik de Agadir. Ele arruinou meu lar."

Conforme o tempo passa e as novelas despertam interesse da família, a TV avança da copa para a sala de visitas, interferindo na vida social do casal. O narrador passa a marcar o tempo em função das telenovelas:

"- Nosso filho menor, o que nasceu depois do Sheik de Agadir, não saía da frente dela. Foi praticamente criado por ela."

Note que, à medida em que aumenta a influência do televisor, o recurso à personificação o torna cada vez mais humano e imperativo, enquanto a família, por sua vez, vai se tornando cada vez mais objetificada:

"Minha mulher sucumbiu às novelas. Não queria mais sair de casa." "Ninguém conversava dentro de casa." "Agora todos jantam na sala para acompanhá-la."

A situação chega ao limite com a novela Dancin´Days, de 1978, quando a esposa muda a decoração da sala para combinar com a maquiagem de Júlia -a atriz Sônia Braga. O narrador/personagem pede à família que escolha entre ele e a TV, mas a família responde com um terrível silêncio. Quanto mais ele deseja contar sua história, menos seu interlocutor deseja escutá-lo, com pressa de fechar o bar:

"_ Está bem. Mas agora vá para casa que precisamos fechar. Já está quase clareando o dia..."

Então a crônica entra no registro da fantasia, com o pai de família tentando desligar a televisão como quem comete um assassinato.

"Se tocar em mim, você morre". Uma voz feminina, mas autoritária, dura. Tremi. Ela podia estar blefando, mas podia não estar."

Finalmente a crônica termina com a narrativa do fracasso do homem em se livrar do terrível aparelho.

"- Muito bem. Mas preciso fechar. Vá para casa.
- Não posso.
- Por quê?
- Ela me proibiu de voltar lá."

6) Interpretação:
A interpretação corresponde à questão "do que fala o texto?". Ela é a exposição do sentido profundo da obra literária. É ele que estamos buscando desde o início. Quando analisamos, queremos saber o que está dito por meio dos silêncios, nas entrelinhas; o que se origina da relação íntima entre forma e conteúdo. Se na análise desmontamos o texto em partes, na interpretação temos de reorganizá-lo como um todo, um todo de sentido capaz de reunir forma e conteúdo. Afinal, do que fala a crônica de Luís Fernando Veríssimo?

Exemplo de interpretação

"Ela" narra a influência desagregadora da televisão na vida de uma família entre as décadas de 60 e 80. Mais que isso, as inúmeras referências históricas presentes na crônica permitem traçar um paralelo entre a família do narrador e a família brasileira. O humor crítico de L. F. Veríssimo mostra como a população brasileira se aliena diante da cultura de massa televisiva, tornando-se coisa, enquanto a televisão, personificada, torna-se gente.

 

Avaliação 

Peça aos alunos que busquem as referências de alienação e cultura de massas no conto "Auto-Entrevista". Pode ser um trabalho para casa. Quer saber mais? Bibliografia Na sala de aula: caderno de análise literária. Antonio Candido, Editora Ática, 1993, p. 33. A Crônica. Jorge de Sá . São Paulo, Ática, série Princípios, 2001 Internet Objetificação, Coisificação ou Reificação Personificação ou Prosopopéia Narração e tempo do narrado, ver sequência do 6º ano: "Os cavalinhos de Platiplanto". Anos 1960 e 1970 A abertura da novela Dancin`Days e a maquiagem cor de tijolo de Júlia  Novela de 1966-67  

Créditos: Helena Weisz Formação: Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP) Créditos: Regiane Magalhães Boainain Formação: Mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP)

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