A relação entre os sentidos de uma operação aritmética
Mercedes Etchemendy | Patricia Sadovsky | Paola Tarasow
PorMercedes EtchemendyPatricia SadovskyPaola Tarasow
01/01/2012
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Jornalismo
PorMercedes EtchemendyPatricia SadovskyPaola Tarasow
01/01/2012
"Por que esses dois problemas são tão diferentes se os dois são resolvidos com uma divisão? Será que têm algo em comum?" Embora possa parecer estranho pensar que um aluno faria perguntas como essas, existe em ambas uma ideia fundamental relacionada à construção do significado das operações: compreender que as diferentes relações podem ser envolvidas em uma operação aritmética. Este entendimento é, para as crianças, produto de um longo processo que, longe de ser espontâneo, deve ser provocado com intenção explícita dos professores. Dessa forma, a relação entre significados se torna um tema do ensino. Como criar um caminho que cumpra esse propósito por meio da ação do educador?
Perguntar sobre a relação entre dois problemas diferentes é, para quem faz a pergunta (suponhamos que uma criança), uma posição na qual ela reflete sobre o que foi feito e se coloca a distância da resolução para fazer comparações e fazer análises. Notemos que não é suficiente resolver diferentes tipos de problema para questionar a relação entre eles. As comparações permitem estabelecer novas relações, mais amplas e abstratas, pois exigem que se encontrem elementos comuns que não são facilmente visíveis. É possível levar os estudantes a tomar essa posição?
Sintetizemos em uma nova formulação as questões que estamos colocando: quais são os elementos que podem incentivar a turma a tomar uma posição reflexiva sobre seu trabalho matemático e comparar os diferentes tipos de problema? Como promover, consequentemente, a elaboração de novas relações que impliquem um maior nível de abstração e generalização na forma de conceituar as operações? Essas perguntas nos convidam a pensar que a ação docente abrange não só a responsabilidade pelas aprendizagens dos alunos mas também inclui aspectos ligados à relação que as crianças desenvolvem com o conhecimento. É em relação a essa última questão que assumimos a seguinte hipótese de trabalho: a interação do professor com os alunos, baseada na reflexão sobre os problemas que estes enfrentaram, contribui para o desenvolvimento de conhecimentos que geralmente não surgem no momento da resolução.
Entendemos que um procedimento colocado em jogo pelos estudantes - correto ou não - é a expressão de um conjunto de relações que eles estabeleceram. Nesse sentido, o trabalho sobre os procedimentos para resolver um problema é sempre uma oportunidade para tornar essas relações observáveis. As intervenções do professor que pede que as crianças explicitem os procedimentos, os confrontem com o que os colegas fizeram e comparem diferentes tipos de problema estão localizadas nessa linha. Trata-se de incitar os alunos para que, ao repensar o que realizaram com uma finalidade (convencer alguém da validade de uma estratégia, por exemplo) - conquistem uma posição mais reflexiva em relação ao que foi feito e mais geral, abstrata, autônoma, mais livre.
Vale a pena nos determos nesses tipos de interação que o docente pode propor. Com base na resolução de um problema, é possível propor discussões focadas em diferentes assuntos. O docente pode:
- Intervir, com base nas relações envolvidas nos procedimentos individuais ou coletivos, para tornar explícito o vínculo entre a estratégia escolhida e a situação proposta. (Se olho essas subtrações, como consigo saber quanto cada um deve receber? Por que você pensou esse problema como uma divisão? É possível resolver esse problema com uma subtração?)
- Promover a análise das propriedades aritméticas determinada estratégia (para dividir 650 doces, Juan primeiro dividiu 300 e depois 350. É a mesma coisa que dividir 650 diretamente?)
- Propor que os alunos estabeleçam relações entre procedimentos diferentes (bem-sucedidos ou não) para a resolução do problema. Provavelmente isso dará lugar a novas relações que não necessariamente estiveram em jogo na resolução de cada um e que são claramente produtos da interação. Ao relacionar dois procedimentos, as crianças são confrontadas a encontrar em um deles aspectos que estão mais claramente explicitadas no outro. (Um grupo resolveu o problema fazendo várias subtrações. O outro fez só uma multiplicação. Onde estão, na subtração, os números que se multiplicaram? Podemos pensar que, na multiplicação, estão escondidas as subtrações? Aqui há uma soma e aqui uma multiplicação. Será que existe uma maneira de transformar a soma em multiplicação? O 6 da soma é o mesmo da multiplicação?)
- Propiciar que os estudantes estabeleçam relações entre os problemas que estão sendo resolvidos em determinado momento e outros que têm um sentido diferente e foram resolvidos anteriormente usando a mesma operação.
Neste artigo, analisaremos um caso no qual a interação entre os alunos e o professor permite que dois sentidos da divisão sejam relacionados.
Análise de diferentes sentidos para a divisão
As interações que analisaremos ocorreram durante duas aulas de Matemática realizadas como parte do Programa de Aceleração da Cidade de Buenos Aires, em uma sala de 6º e 7º ano. Os estudantes que fazem parte dos níveis de aceleração tiveram uma trajetória escolar conturbada, que determinou que chegassem ao segundo ciclo com uma idade maior do que a habitual. O programa oferece a esses alunos uma nova oportunidade de escolarização, para reorganizar sua trajetória escolar e romper com a história de fracasso. Nesse sentido, um objetivo central é propiciar a criação de vínculo com o conhecimento melhor e mais rico, assumindo como premissa que, sob determinadas condições pedagógicas e didáticas, todas as crianças podem aprender.
Vamos à análise das aulas. Na primeira, os alunos trabalharam o seguinte problema: "Joaquim recebeu 370 pesos. Se ele gasta 12 pesos em comida por dia, para quantos dias o dinheiro dá? Quanto dinheiro sobra para ele comer no dia seguinte?"
Em ocasiões anteriores, os estudantes resolveram problemas de repartir e distribuir. Essa é a primeira vez que são confrontados com um problema de divisão em que um sentido diferente é mobilizado.
Com o objetivo de promover interações entre as crianças, a aula é organizada da seguinte maneira: primeiramente, cada uma delas deve produzir uma resolução para o problema. Em seguida, deve reunir-se em grupo e escolher entre todos apenas uma solução para depois expô-la ao resto da turma. Assim, tendo de escolher somente uma das produções, os alunos veem-se obrigados a discutir.
Quando cada grupo termina o trabalho, é realizado um debate coletivo, em que são discutidas várias questões. Vamos nos deter em um episódio, no qual fica clara a intenção da professora de que as crianças criem relações entre o problema que acabaram de resolver e os problemas de repartir.
1. Professora: Bem, vamos rever o que nós discutimos há pouco. Sabem o que eu estava pensando? Notaram que vimos que é possível usar a subtração para resolver o problema? Notaram que todos, nos seus cartazes, usaram a divisão para resolver o problema? Leo disse ao grupo que não poderia ser uma divisão porque não é um problema de repartir. Ele está certo ou não? [Várias vozes juntas…]
2. Pedro: Não é assim...
3. Cristian: Não, não está certo... Não é repartir. Como posso explicar? Não é como repartir, é como... É um problema de gastar.
4. Professora: Então, se é de gastar, é um problema de subtração, como disse Leo?
5. Pedro: Pode ser de subtrair, mas...
6. David: Quando o problema é de divisão, você percebe porque a pergunta diz que você tem de repartir.
7. Pedro: Sim, mas esse é como se você repartisse o dinheiro nos dias.
8. Walter: Esse é o dinheiro que vai embora assim... (faz um gesto indicando a repetição)
9. David: São 12 que vão a cada dia...
10. Pedro: É como você ter dinheiro e dar para as crianças.
11. David: É como se os dias fossem crianças e você tem de dar 12 a cada uma.
12. Cristian: Tenho de saber se tenho 370 e tenho de dar para 12 crianças.
13. Karen: Não, eu tenho de dar a 30 crianças, 12 balas...
14. Pedro: Não sabemos que são 30. Nós temos que descobrir para quantas crianças.
15. Professora: Então, sei que tenho de dar 12 a cada um e não sei para quantos o que tenho é suficiente. O que não sei é quantos "dozes" posso tirar. Sabem o que a turma do outro 6º/7º disse?
16. Vários: Não, o quê?
17. Professora: Que precisavam ver quantos 12 cabiam em 370.
18. David: Sim, é assim.
19. Cristian: É uma conta de multiplicar 30 vezes 12. São 30 os que cabem.
20. Professora: Então, é um problema que você precisa descobrir quantas vezes cabe o 12. É correto dizer isso?
21. Pedro: Nós fizemos o mesmo? Não, professora?
22. Cristian : Se você faz 12, 12, 12, 12, faz direto 12 x 10 e dá 120 e aí nota que pode mais e 12 x 20 é 240 e 12 x 30 e dá 360 e então você para…
23. Professora: Então, é um problema no qual temos que formar grupinhos de 12…
24. Leo: Formar grupos… Então é uma divisão!
Analisemos detalhadamente o valor produtivo das perguntas que a professora faz e o processo interativo pelo qual os alunos vão transformando as propostas de seus colegas em um esforço para encontrar relações que são convidados a estabelecer.
Para promover a relação entre os sentidos, a professora enfatiza, na intervenção (1), uma possível contradição entre as ideias. Na verdade, são subjacentes às intervenções que ocorreram ao longo da aula nas seguintes perguntas: os problemas de divisão são problemas de repartir, se um enunciado diz: "gastei", o problema é resolvido com uma subtração? Neste problema, apesar de dizer "gastei" e não ser para repartir, a divisão funcionou? Interpretamos que a contradição é assumida pelas crianças porque sintetiza as ideias que foram efetivamente sustentadas em momentos diferentes da aula. Há perplexidade no início e logo elas começam a trabalhar para encontrar uma explicação que seja melhor.
Para responder a David (6), Pedro (7) compara o problema trabalhado a um de repartir e Walter (8) colabora com gestos ilustrando a ideia. O diálogo continua e cada aluno retoma a intervenção anterior até que David (11) transforma o problema de "gastar em cada dia" em um de "distribuir dinheiro entre crianças". Assim, ele atribui funções similares aos termos de cada um dos problemas, conseguindo um primeiro nível de abstração: o termo não é mais válido em si mesmo, e sim pela função que cumpre.
Com base nas trocas que ocorrem, a professora propõe nas intervenções (15) e (17) uma formulação mais geral que abarca ambas as situações e já está descontextualizada: deixa de falar sobre crianças, dias e dinheiro e propõe relações entre números.
Cristian (22) retoma a intervenção (20) da educadora e, no esforço em atribuir-lhe um significado, explicita a relação entre multiplicação e divisão. Finalmente, Leo (24), ao reconhecer a divisão na operação de construir grupos com quantidades iguais de elementos, formula o modelo abstrato e geral que compreende os dois tipos de problema.
Interessa-nos enfatizar que toda a interação analisada mostra que, para avançar, para recontextualizar a operação de dividir em termos mais gerais, abstratos e descontextualizados, é necessário retroceder, ou seja, retomar o que foi feito. Isso supõe uma ruptura substancial em relação ao modo como foi historicamente concebido o tempo na escola.
Voltar para poder avançar
O trecho abrange um alto nível de produção. Podemos considerar concluído o trabalho sobre as relações entre diferentes problemas que são resolvidos por meio da divisão? O episódio que analisaremos em seguida nos adverte sobre a necessidade de retomar várias vezes as discussões a fim de aprofundar e ampliar as relações estabelecidas. Dessa maneira, voltar para trás é uma possibilidade para avançar.
Na aula seguinte, as crianças resolvem este problema: "Se estou no número 389 e dou saltos de 6 em 6 para trás, a que número chego antes do 0?"
No momento da reflexão compartilhada, logo após a resolução, ocorre o seguinte diálogo:
1. Professora: Quero que pensemos no problema que fizemos na aula passada. Lembram-se do problema? Procurem na pasta. [...] Em que aquele problema se parece com este, de "dar saltos para trás"?
2. Karen: Não, porque aquele era de comida, este é de saltos.
3. Leo: Não, nada a ver... Aquele era de dinheiro.
4. David: Sim! Em algo! Nos dois você reparte e também subtrai...
5. Professora: São parecidos ou não? Leo disse que não tem nada a ver...
6. Cristian: Sim, são parecidos porque… Como é? É que você pode dizer Joaquim tem 389 pesos e gasta por dia. Quanto dias ele come? É a mesma coisa.
7. Professora: Então, como disse Cris, um podia se transformar no outro e faríamos os mesmos cálculos, não?
8. Walter: São de repartir também! Porque vê todos os 6 que pode repartir.
9. Professora: Claro. Entendem o que Walter disse? Esses problemas, nos quais vejo quantas vezes posso tirar um número ou quantas vezes entra um número no outro, são problemas de divisão. Também de subtração, porém mais curto, sendo possível resolver com uma divisão.
Notemos que a primeira reação das crianças poderia nos fazer acreditar que elas voltaram ao ponto zero, já que parecem se focar nos contextos a que se referem os problemas, sem encontrar elementos comuns. No entanto, rapidamente elas selecionam as ações para se aproximar do que, a princípio, parecia distante. O problema de Joaquim, objeto de análise na aula anterior, é agora ponto de apoio, tomado como referência para comparar com o novo e incluí-lo, assim, na categoria dos problemas de divisão. O que era novo na aula anterior agora é velho, o que era objeto de análise agora é meio de comparação.
Para concluir, queremos destacar algumas ideias que defendemos em nossa análise.
A professora formulou perguntas que desencadearam verdadeiros processos de produção. Poder coordenar o que ela conhece sobre as ideias das crianças, em relação à divisão, com o que especificamente colocaram em jogo nessa aula, foi substancial para envolver plenamente os alunos na discussão.
Aprender a dividir significa (também) compreender que a divisão é um modelo aplicável a situações muito diferentes. Isso requer pôr em funcionamento processos de comparação que permitem encontrar o comum no diverso.
As operações intelectuais de descontextualização, abstração e generalização estão no coração desses processos e constituem aspectos essenciais do sentido formativo da Matemática na escola. Os diálogos que acabamos de analisar reafirmam a ideia de que, para avançar no sentido citado, não é suficiente apenas pôr as crianças em contato com diversos tipos de problema. É necessário um projeto de ensino que assuma explicitamente essa questão. Do nosso ponto de vista, os intercâmbios que têm como objeto de reflexão a ação desenvolvida na aula constituem uma via privilegiada para conseguir isso.
Bibliografia
- García, R. (2000). O conhecimento em construção. Das formulações de Jean Piaget a teoria dos sistemas complexos. Porto Alegre: Artmed.
- Quaranta, M. E., Wolman, S. (2003). Discussões nas aulas de matemática. O que, para quem e como discutir. Em Panizza, Mabel (comp.) Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais. Porto Alegre: Artmed.
- Sadovsky, P. (2006). O ensino da matemática hoje. Enfoques, sentidos e desafios. São Paulo: Ática.
- Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires. Secretaría de Educación. Dirección de Currículum (1997). Actualización Curricular. EGB Matemática. Documento de trabajo. N° 4.
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