Didática da História e Educação para o patrimônio
Artigo | Ivo Mattozzi
PorIvo Mattozzi
01/06/2013
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Jornalismo
PorIvo Mattozzi
01/06/2013
"A história é feita com documentos" é o que se diz na escola e nas explicações sobre a metodologia historiográfica. Mas esses documentos são reduzidos a citações, referências e imagens em livros de historiadores. A relação entre o conhecimento e os documentos se perde nos livros escolares ou é evocada com imagens paratextuais.
As fontes (objetos materiais, mensagens escritas e orais gravadas, imagens, esculturas, paisagens, arquiteturas e centros urbanos) são, em geral, consideradas bens culturais. Mas todas as coisas, antes de serem usadas para a produção de informação, são coisas em sua origem e, no presente, se tornam vestígios de atividades humanas no passado. Em Nell'Apologia della Storia o Mestiere di Storico, Marc Bloch (1998, p. 44) diz: "O conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte deles no presente, possui como primeira característica a de ser (...) um conhecimento por vestígios. (...) O que queremos dizer, na prática, com documentos, se não um 'vestígio', o que equivale a um sinal perceptível aos sentidos, mas que deixou um fenômeno impossível de ser detectado em si mesmo?".
Se a história é apenas a que está nos livros, os alunos perdem a chance de relacionar o conhecimento histórico aos vestígios graças aos quais tal conhecimento foi gerado e não têm a possibilidade de se dar conta dos procedimentos de produção e uso das fontes. Com isso, não terão oportunidade de aprender a interpretá-los. E, caso tenham a chance de considerar os objetos pelo seu valor artístico ou simbólico, não conseguem conectá-los às atividades historiográficas. Além do mais, não adquirem habilidades para dar sentido aos bens culturais do território em que vivem.
Se quisermos honrar a promessa de utilidade do conhecimento histórico, devemos projetar e implementar processos de ensino para relacionar o conhecimento histórico às coisas consideradas bens culturais e despertar a consciência cívica em relação ao patrimônio cultural.
Como demover os alunos da ideia de que a história é apenas texto? Em primeiro lugar, nós, professores, temos de pensar de forma mais geradora os instrumentos usados para a produção da informação histórica. Independentemente do que se trate, nenhum deles foi produzido para essa função. Tinham outros fins em sua origem (utilitários, estéticos, simbólicos, comunicativos, burocráticos, lúdicos etc.). Foram transmitidos até o presente ou desenterrados e considerados sinais de uma atividade humana que os produziu ou os usou. Mas até que alguém os considere objetos que podem ser usados para produzir informação, eles permanecem inertes, podendo parecer insignificantes ou artefatos simbólicos bonitos.
O que se vê atualmente é que os objetos não têm sido usados para produzir conhecimento na sala de aula. Para transformá-los em objeto de informação, é preciso haver vontade de conhecer as habilidades cognitivas e as práticas. Tanto a vontade como as habilidades devem ser postas em cena de acordo com procedimentos organizados: é necessário formular o tema de conhecimento definindo os limites temporais e espaciais e o ponto de vista. Depois, elaborar as perguntas a serem respondidas por meio das fontes. Esse é o funcionamento mental da tematização, a qual induz e orienta, em princípio, a pesquisa e a identificação dos vestígios úteis e conduz a exploração desses a fim de produzir uma informação. Finalmente, é preciso identificar com base em quais elementos é possível produzir as informações desejadas e adequadas.
A matéria, as dimensões e a forma do objeto, seus sinais e mensagens podem (um por um ou todos juntos) ser a base para a produção de informação. Mas eles são insuficientes: o potencial de cada um aumenta se forem levadas em consideração as informações produzidas e a quantidade de coisas quando elas são relacionadas ao contexto (como um livro em relação a uma biblioteca), às séries (uma série de testamentos) e aos conjuntos (como o grupo de edifícios em um complexo urbano). É o sujeito que faz dos objetos instrumentos de informação. Depois de tê-los explorado para o seu propósito cognitivo, ele deve citá-los como peças de apoio, documentação das afirmações factuais e das hipóteses interpretativas. Isso permite ao leitor verificar e criticar os procedimentos em que as fontes foram usadas.
Os objetos (mesmo os documentos escritos são objetos materiais) podem ser tema de pesquisas. Sinais (mesmo os aparentemente banais) da cultura material, obras de arte, conjuntos e séries de objetos devem ser estudados e colocados no centro do discurso histórico. Dispomos, portanto, de uma infinidade de textos que analisam e interpretam vestígios escritos (manuscritos de qualquer tipo, protocolos notariais, diplomas, tratados, contratos, cartas particulares, livros etc.), utensílios, objetos da vida cotidiana, imagens, edifícios e estruturas paisagísticas a fim de facilitar e tornar segura a transformação deles em instrumentos de informação, ou para estabelecer melhor os projetos de restauração, conservação, musealização ou para compreender sua estrutura e configuração.
Quando usados para a construção de conhecimento sobre o passado, os objetos adquirem valor de patrimônio cultural, que deve ser preservado, protegido e posto em exposição. Por um motivo maior, transformam-se em bens culturais caso tenham sido reconhecidos como produtores de emoções estéticas e investimentos afetivos.
1 Artigo publicado na Rivista dell'Istruzione, Scuola e Autonomie Locali, ano XXIV (2008), 5, pp. 23-28, com o título Didattica della Storia, Beni Culturali, Educazione al Patrimonio.
A produção das informações
Há outra mudança de pensamento necessária para lidar com a tarefa de colocar a história a serviço da descoberta, do conhecimento e da valorização do patrimônio. Ela diz respeito às atividades que o sujeito faz para acumular informações úteis aos seus propósitos. Geralmente, são usadas expressões como "saber interrogar", "fazer as fontes falarem" e "encontrar a informação". No vocabulário escolar, essa última é a mais difundida e sugere uma operação banal. No entanto, convém pensar que o historiador (e nós mesmos como sujeitos conscientes) faz operações mentais para usar os vestígios-fontes e "extorquir-lhes a informação que não tinham nenhuma intenção de fornecer" (BLOCH, 1998, p. 69).
Temos de aprender a explorar o potencial das fontes, consultando diferentes elementos que consideramos pertinentes para o tema a ser desenvolvido na escola e pô-las em conjuntos, séries ou grupos para estabelecer as condições para o desenvolvimento das "informações conclusivas". A maioria das informações que compõem os conhecimentos históricos é produzida graças à capacidade da mente de usar as já existentes para produzir outras, aplicando saberes extrafontes e esquemas cognitivos disponíveis. Por isso, os verbos mais adequados para expressar o trabalho com fontes são "produzir" e "elaborar" informações.
Os bens culturais no ensino de História
Como os bens culturais podem entrar no processo de ensino e aprendizagem? Primeiro, devemos assumir a amplitude de visão do historiador Lucien Febvre (1878-1956) (1949): "A história é feita com documentos escritos, é claro. Quando existem. Mas pode e deve ser feita sem documentos escritos, se não há nenhum. Com tudo aquilo que a engenhosidade do historiador lhe permite utilizar para produzir o seu mel mesmo se não há as flores habituais. Portanto, com palavras, sinais, paisagens, telhas; com as formas do campo e das ervas daninhas; com o eclipse da Lua e com os cabrestos dos cavalos de arado; com a experiência em pedras dos geólogos; e com a análise de metais feita pelos químicos. Enfim, com tudo o que, por pertencer ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime o homem, demonstra a sua presença, a sua atividade, os seus gostos e as maneiras de ser do homem. Talvez toda uma parte, a mais fascinante, do trabalho de historiador não consista precisamente no esforço contínuo de dar voz às coisas mudas, de fazê-las dizer o que por si só não dizem sobre os homens e as sociedades que as produziram, e de constituir, finalmente, aquela vasta rede de solidariedade e de ajuda recíproca que compensa a falta de documento escrito?"
Em segundo lugar, devemos parar para refletir que objetos de museu, obras de arte, documentos escritos e lugares servem em atividades escolares apenas para promover habilidades interpretativas. Precisamos garantir que os percursos didáticos induzam os estudantes a pensar os objetos utilizados como fontes também como bens culturais em relação às instituições e às comunidades que os tutelam.
Se assumirmos o modelo de interpretação das coisas que os arqueólogos têm aperfeiçoado, nós, professores, podemos imaginar como projetar percursos e unidades de aprendizagem adequados a promover as habilidade interpretativas dos alunos, exercitadas em objetos de qualquer período. Trata-se de envolver a turma em um projeto de construção de conhecimento, de fazê-la perceber as coisas que podem ser objeto e fonte no processo de construção. Podemos aprender com os arqueólogos. Os objetos foram produzidos com técnicas, instrumentos e materiais. Depois foram utilizados nos processos da vida material, social e religiosa e inseridos em cenas sociais, atividades de troca e rituais. Em seguida, receberam formas que revelam o sentido estético de quem as elaborou e, finalmente, chegaram a nós como vestígios dessas atividades e foram submetidos a um processo de valorização como bens culturais.
Os objetos, por isso, podem ser mediadores de práticas de produção, de uso, de valorização artística e de inclusão no patrimônio cultural. É preciso possibilitar os processos de aprendizagem de modo que os alunos aprendam a utilizar os vestígios e as fontes para realizar procedimentos de observação, analisar e "extorquir" informações para responder às exigências de desenvolvimento de um tema e da construção de um conhecimento. Os procedimentos podem ser os dos arqueólogos, desde que didaticamente simplificados para guiar as várias fases do trabalho:
1. Observação e análise dos objetos (para produzir e catalogar informações diretas).
2. Organização das informações primárias em relação com o contexto e/ou com os conjuntos e/ou com as séries (para se ter o fundamento da produção das informações conclusivas).
3. Organização das informações primárias e das conclusivas (a fim de conectá-las em um texto).
4. Reflexão metacognitiva sobre o valor dos vestígios como bens culturais em relação às instituições e comunidades.
5. Reflexão sobre o pertencimento dos vestígios/bens culturais ao patrimônio cultural.
Essas fases podem ser propostas desde a Educação Infantil. Para a Educação para o patrimônio, é essencial que as crianças e os jovens façam atividades com bens culturais e que as cinco fases sejam percorridas.
Resumo
Levar fontes históricas (como objetos, documentos e imagens) para a sala de aula e ensinar os alunos a trabalhar com elas para elaborar informações é tarefa do professor. É necessário que eles aprendam mais do que está nos livros. Para isso, precisam relacionar dados e conhecer os procedimentos de produção e de uso das fontes a que recorrem historiadores e arqueólogos. Trabalhando desse modo desde a Educação Infantil, os educadores tornam possível a Educação para o patrimônio.
Referências bibliográficas
- BLOCH, M. Nell'Apologia della storia o Mestiere di storico. Torino: Einaudi, 1998. 1ª ed. 1949.
- BORTOLOTTI, A.; CALIDONI, M., MASCHERONI, S.; MATTOZZI, I. Per l'educazione al patrimonio. 22 tesi. Milão: FrancoAngeli, 2008.
- FEBVRE, L. Verso un'altra storia, in Id., Problemi di metodo storico. Torino: Einaudi, 1976. p. 173. 1ª ed. 1949.
- MATTOZZI, I. La didattica museale: punto di forza dei musei. In: PRIMERANO, D. (org.) L'azione educativa per un museo in ascolto. Ata da 8ª Convenção da A.M.E.I., Museu Diocesano, Trento, outubro de 2001.
- MATTOZZI, I. As competências da cidadania: Qual o papel para a História? Um olhar da Itália. In: BALDIN, N.; ALBUQUERQUE, C. (orgs.). Novos desafios na Educação. Responsabilidade social, democracia e sustentabilidade. Brasília: Liber Livro. 2012. p. 97-122.
- SANTINI, C.; RABITTI, M.T. (orgs.), Il museo nel curricolo di storia, Milão: FrancoAngeli, 2008.
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