Contexto e contextualização nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática
Artigo | Saddo Ag Almouloud
01/03/2014
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Jornalismo
01/03/2014
Contexto e contextualização no ensino da Matemática são dois temas presentes em discussões nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998 e 2010) e nas diretrizes curriculares. No entanto, esses conceitos têm sido objeto de polêmicas e equívocos na problematização de situações que têm significado para os estudantes. Muitas vezes, alguns autores de livros didáticos e professores propõem situações de ensino que envolvem somente o cotidiano e aspectos utilitários. Isso torna pobre a ideia de contexto e de contextualização e pode até conduzir ao enfraquecimento dos processos de ensino e de aprendizagem de conceitos matemáticos.
Nossa concepção, apoiada em Brousseau (1997, apud ALMOULOUD, 2007), é a de que o aluno aprende se adaptando a um meio que é fator de dificuldades, contradições e desequilíbrios. O saber, fruto do processo de construção pelo estudante, manifesta-se pela capacidade dele de resolver os problemas que surgem.
Para que haja intencionalidade didática, o professor tem de criar e organizar um meio no qual serão desenvolvidas situações que têm o potencial de provocar essas aprendizagens. O meio e as situações precisam engajar fortemente os saberes matemáticos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Construir o conhecimento com desafios
O que entendemos por saber Matemática, ensinar Matemática e aprender Matemática? Para responder, apoio-me em Régine Douady (1994). Segundo a autora, saber Matemática é ter disponíveis algumas noções e teoremas matemáticos para resolver problemas e interpretar questões novas. De acordo com isso, as noções e teoremas matemáticos têm o status de ferramentas. As ferramentas, por sua vez, são inscritas em um contexto, sob a ação e o controle do professor em um dado momento. As situações ou problemas em que evoluem as noções matemáticas devem ser geradores de significados para essas noções do ponto de vista semântico.
Saber Matemática é também identificar noções e teoremas como elementos de um corpus cientificamente e socialmente reconhecido. É ainda formular definições, enunciados de teoremas desse corpus e demonstrá-los. De acordo com Douady (1994), as noções e os teoremas matemáticos têm status de objeto. Eles são descontextualizados, despersonalizados e atemporais. Os trabalhos de descontextualização e de despersonalização fazem parte da capitalização do saber. Os de recontextualização e o tratamento de problemas, oriundos dessas recontextualizações, permitem ampliar o significado desse saber.
As noções e os teoremas podem ser trabalhados, modificados de acordo com o tipo de situações nas quais são solicitados e levar à construção de novas noções que necessitam de novas interpretações, modificações e generalizações. Para os teoremas, é possível explorar o domínio de validade: imaginar novas formulações ou pontos de vista e demonstrá-las ou achar contraexemplos.
Ensinar Matemática, por um professor, é criar as condições favoráveis à produção de conhecimento pelos estudantes.
Apreender Matemática, por um aluno, é se envolver em uma atividade intelectual cuja consequência é a disponibilidade de um saber com seu duplo status de ferramenta e objeto.
Para que realmente haja ensino e aprendizagem, é necessário que o saber seja um objeto importante e essencial para as interações entre o educador e a classe, e que esse saber seja uma aposta importante para a escola.
As situações (apoiadas em um contexto matemático ou de uma certa realidade que tem sido vivenciada ou não pelo aluno) que têm significado devem ter as seguintes características:
As atividades devem ser concebidas considerando as recomendações dos PCN e das propostas curriculares e também os resultados de pesquisas sobre o tema em questão. As tarefas devem permitir aos alunos desenvolver certas competências e habilidades e precisam ter, essencialmente, dois objetivos claros:
As situações têm de ser concebidas para permitir aos alunos agir, se expressar, refletir e evoluir por iniciativa própria, adquirindo novos conhecimentos. O papel do professor nesse caso é o de mediador e orientador. As intervenções docentes devem ser feitas de modo a não prejudicar a participação do aluno no seu processo de aprendizagem. Assim, a aplicação de cada atividade deve levar em consideração duas condições: os estudantes precisam mobilizar os objetos de saber disponíveis como ferramenta explícita para resolver o problema, pelo menos parcialmente, e o educador tem de provocar um debate de confrontação dos resultados obtidos por eles. Nessa fase, diversas formas de saber vão aparecer. O objetivo é compartilhar e construir o saber da turma toda e promover o progresso na aquisição individual dos conhecimentos.
É importante que o educador, após o debate, selecione e organize as descobertas dos alunos e sistematize os novos conhecimentos matemáticos para promover a melhor compreensão deles. Além disso, ele precisa fazer a institucionalização dos novos conteúdos estudados. É imprescindível ter uma fase de familiarização na qual o professor propõe outras situações - cujo objetivo é consolidar os saberes adquiridos pela classe.
O estudante deve aprender por necessidade própria e não por necessidade aparente do professor ou da escola. Além do mais, pensar uma organização de ensino em várias etapas, valorizando a dialética ferramenta-objeto (DOUADY, 1993). Régine Douady (1993) distingue, para um conceito matemático, o polo ferramenta e o polo objeto. Um conceito é ferramenta quando está sendo usado na resolução de um problema. Por objeto, entendemos o objeto cultural reconhecido como fazendo parte dos saberes científicos validados socialmente.
Como organizar o ensino de Matemática
A dialética ferramenta-objeto é um processo cíclico que organiza os papéis respectivos do docente e dos alunos, durante o qual o conceito tem uma função ora de ferramenta para resolver problemas, ora de objeto, tomando lugar dentro da construção de um certo saber organizado.
Por meio da dialética ferramenta-objeto, Régine Douady propõe, então, uma organização de ensino em várias etapas, descrita a seguir (ALMOULOUD, 2007):
Nas três primeiras fases, o estudante tem a responsabilidade de construir conhecimentos, sendo o professor o mediador do processo. O saber em construção está sendo usado como ferramenta. O saber é contextualizado, personalizado, temporal. Na quarta fase, o educador traz para si a responsabilidade de socializar e institucionalizar o saber a ensinar. Esse saber, usado antes como ferramenta de forma implícita, torna-se objeto a ensinar. É descontextualizado, despersonalizado, atemporal e socializado. Na quinta e na sexta fases, o saber ensinado/aprendido é recontextualizado, repersonalizado em novas situações-problema.
É importante que o professor tenha claro o fato de o ensino ser submetido a vários fatores de difícil controle. Um dos pontos relevantes que ele deve considerar é a existência de um contexto favorável à construção do saber por parte do aluno.
O contexto tem várias facetas. São elas sociais, cognitivas, situações escolhidas e suas variáveis didáticas, as interações entre estudantes, as intervenções docentes que se referem ao contexto escolhido sem alterar o significado da situação e os conhecimentos prévios que poderão se constituir em obstáculos.
O educador não pode vendre la mèche, como dizem os franceses. Quer dizer, não deve entregar o ouro, o que não o impede de fornecer ideias que favoreçam o processo de aprendizagem da Matemática. Além disso, o docente não deve minimizar a importância do discurso. De um lado, o que os alunos conversam entre si e coletivamente, analisando a eficácia das estratégias propostas e formulando os limites dos conhecimentos postos à prova, assim como as características dos saberes a construir. Do outro lado, o discurso que é a fala do próprio professor, que pode apresentar propostas e desempenha um papel central no processo de institucionalização.
Veja um exemplo de questão com contextualização adequada e inadequada.
Resumo
Na expectativa de facilitar a compreensão dos conteúdos matemáticos ou de tornar as atividades atrativas para os alunos, alguns educadores investem em situações-problema contextualizadas, que têm a ver com o cotidiano. Mas elas nem sempre são necessárias e, por vezes, até atrapalham. Na verdade, para aprender e saber Matemática, é preciso que o professor ensine a turma a usar ferramentas (como teoremas) para resolver problemas e interpretar novas questões.
Referências bibliográficas
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