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Jornalismo

Elizabeth Sloat. Foto: Arquivo pessoal Joan Beswick. Foto: Arquivo pessoal Douglas Willms. Foto: Arquivo pessoal
Elizabeth Sloat Professora da Faculdade de Educação da Universidade de New Brunswick, no Canadá (à esq.)
Joan Beswick Ex-pesquisadora do Instituto Canadense de Pesquisa de Políticas Sociais da Universidade de New Brunswick (centro)
Douglas Willms Diretor do Instituto Canadense de Pesquisa de Políticas Sociais da Universidade de New Brunswick (à dir.)

Aprender a ler cedo e com competência é bom para os alunos, para as escolas e para a sociedade. Instituições que ensinam a ler nos primeiros anos escolares favorecem o sucesso acadêmico, e sociedades que apoiam fortemente o desenvolvimento da alfabetização desde cedo preparam a base para uma população educada e capaz de participar da vida cultural, econômica e cívica. A alfabetização é uma questão educacional e social. O fracasso desse processo resulta oportunidades e resultados desiguais entre os grupos socioeconômicos e étnicos e entre gêneros.

O momento de aprendizagem na alfabetização é crucial pois os déficits de aquisição de leitura e de escrita são cumulativos e, sem intervenção, resistentes à mudança. É indiscutível que as políticas e práticas educacionais são baseadas em julgamentos fundamentados e derivados de evidências do que funciona. Entretanto, essas práticas são, com fre- quência, influenciadas menos por evidências empíricas do que por tradições sociopolíticas arraigadas e decorrentes de crenças equivocadas. O resultado é uma infinidade de práticas resistentes, não comprovadas e raramente questionadas, que assumem o status de mito.

Neste artigo, examinamos quatro mitos que influenciam negativamente o desenvolvimento da alfabetização dos alunos e, consequentemente, as aspirações sociais de inclusão e igualdade deles.

Mito 1 - Trajetórias da alfabetização são predeterminadas e inalteráveis Os defensores desse mito apontam para uma grande variação na exposição à linguagem e na interação durante os anos pré-escolares para argumentar que os legados nessa fase preparam o alicerce e os limites para a alfabetização. Argumentam que crianças que têm apoio e convivem em um ambiente com vários materiais que estimulam a leitura e a escrita chegam com mais habilidades e são bem-sucedidas na transição para a escola. Por outro lado, quem chega com uma alfabetização fraca carece de habilidades para se beneficiar das instruções formais e enfrenta mais dificuldades na aprendizagem da leitura (WELSH et al., 2010).

As práticas baseadas no mito de que a idade de 5 anos é tardia para mudanças no percurso de aprendizagem são inconsistentes e irresponsáveis. Embora crianças de origem desfavorecida estejam mais sujeitas a entrar na escola com déficits de linguagem e aptidões escolares e, frequentemente, com distúrbios de comportamento, pesquisas mostram que o destino delas não precisa ser determinado nessa faixa etária (WELSH et al., 2010). As primeiras experiências deveriam ser vistas como parte do conjunto de potenciais que os pequenos têm quando entram na escola. Uma pesquisa revela que de 20% a 45% deles têm dificuldades em aprender a ler (JAMIESON; TREMBLAY, 2005), mas nem todos são de origem desfavorecida. Dificuldades de leitura ocorrem em todas as camadas socioeconômicas.

Mito 2 - A repetência é a resposta Muitos educadores usam a deficiência na leitura para justificar a decisão de reprovar os alunos (WITMER et al., 2004). Alegam que o tempo vai aumentar a maturidade e facilitar o domínio dos pré-requisitos para a obtenção de êxito nos anos seguintes. Os professores tendem a confiar em sua experiência e na dos colegas: citam casos de repetentes que obtiveram melhores resultados na segunda vez em que cursam o mesmo ano e falam de sucesso quando a nota das provas melhora no segundo ano com o mesmo currículo.

A ideia da eficácia da repetência escolar é extremamente negativa. Na realidade, a retenção proporciona uma solução simplista para um problema complexo e apenas acentua desafios já existentes (GOTTFRIED, 2012). Pesquisas refutam claramente as crenças populares sobre reprovações nos anos iniciais e demonstram que ganhos acadêmicos permanentes nesse caso não são percebidos (GOTTFRIED, 2012).

Mito 3 - A identificação desde cedo estigmatiza alunos Os defensores desse argumento declaram que oferecer um tempo extra para a aprendizagem da leitura e da escrita de crianças pequenas implica em consequências sociais e emocionais negativas. Dizem que isso vai estigmatizá-las, abalar a autoestima e reduzir a motivação de aprender. Outros veem o apoio focado como uma forma de exclusão da maioria por meio de programas de correção feitos separadamente e não como um acréscimo no currículo regular.

Mitos de estigmatização apoiam (e são apoiados por) abordagens categóricas que exigem dos alunos se encaixar em categorias específicas baseadas em critérios predeterminados, como as discrepâncias entre aptidão e realização de fato (SHAYWITZ, 2008).

A premissa de que proporcionar ajuda extra às crianças nos primeiros anos escolares leva à baixa autoestima se baseia na ideia de que elas já não se sentem estigmatizadas e excluídas por não conseguirem ler e acompanhar os colegas.

Uma abordagem de intervenção precoce preventiva é não categórica, pois embora a necessidade de intervenção precise se diferenciar em duração e intensidade, tipos de intervenção e métodos de ensino não diferem muito entre subgrupos que apresentam dificuldades de leitura (LYON et al., 2001).

Portanto, com a identificação desde cedo, rótulos não são atribuídos a estudantes, e apoio é dado a todos com nível de leitura baixo em relação aos colegas ou de aptidão pessoal (TORGESEN, 2000). Ao prevenir dificuldades de leitura, a intervenção precoce diminui a estigmatização. Se as crianças recebem apoio para aprender, se envolvem com sucesso (RAMIREZ et al., 2014).

Mito 4 - Esforços são inúteis Os defensores do mito dizem que escolas não conseguem reverter atrasos.

Acreditam que não é possível superar efeitos de oportunidades desiguais na pré-escola ou em ambientes familiares inadequados. Falam que as raízes da desigualdade são profundas, influenciam aspectos de desenvolvimento nos primeiros anos de vida e que deficiências não somem ao entrar na escola.

Se basear na premissa de que "escolas não podem fazer muito" é arriscado e irresponsável. Crianças vão para a escola com forças e necessidades diferentes. Quando os antecedentes familiares são considerados, os resultados escolares variam bastante. Pesquisadores têm identificado as intervenções que influenciam positivamente a trajetória de aprendizagem: apoio para estudantes com problemas significativos de leitura (SNOW et al. 1998), alfabetização bem-feita (BEAN et al., 2010) e alinhamento curricular de instrução complementar (WONDER-MCDOWELL et al., 2011).

Educadores devem acreditar que as escolas podem ter efeitos positivos sobre os resultados obtidos pelas crianças. Eles também devem estar cientes de que seus preconceitos inerentes às avaliações dos professores sobre a alfabetização são influenciados pelo gênero das crianças, comportamento e fatores como Educação maternal, etnicidade e status socioeconômico (BESWICK, WILLMS, SLOAT, 2005). A premissa de que esforços são inúteis é determinística e prejudicial. Limita e nega oportunidades para estudantes vulneráveis e perpetua a desigualdade social.

O caminho à frente

Desfazer mitos requer políticas e práticas baseadas em três elementos. O primeiro é um sistema de alerta precoce e de monitoramento contínuo, que identifique crianças suscetíveis a necessitar recursos extras. Ele deve considerar a faixa entre 3 e 7 anos como período crítico e monitorar todo progresso com avaliações confiáveis.

O segundo é um quadro preventivo com intervenções eficientes. Quer dizer intervenções para crianças com atraso no desenvolvimento da alfabetização, como descrito pelo Comitê de Prevenção a Dificuldades de Leitura (SNOW et al., 1998):

  • Recursos suplementares para as crianças suscetíveis que encontram dificuldades.
  • Garantia de alfabetização excelente para todos.
  • Intervenções focadas em quem tem domínio de leitura e de escrita inferior às expectativas.

O terceiro e último elemento tem a ver com práticas inclusivas com política de falha zero.

As escolas são responsáveis por transmitir conhecimento cultural e valores enquanto preparam a próxima geração de cidadãos (UNGERLEIDER, 2003). Ensinar crianças a ler e escrever desde cedo é o desafio fundamental a que a Educação deve se dedicar se aspira tratar de objetivos sociais mais amplos. Quando as escolas aceitam o desafio, servem aos alunos e à sociedade. As escolas não cumprem esses objetivos quando alunos se formam com baixo grau de alfabetização; e sim, quando falham com eles individualmente e com a sociedade, perpetuando a injustiça social.

Educadores e políticos precisam sempre estar em busca de conhecer novas pesquisas, abandonar as práticas não comprovadas e implementar políticas públicas que ofereçam a todos excelente alfabetização e qualidade crescente de apoio à prática da leitura.

Resumo

Uma das obrigações da escola é garantir que todas as crianças aprendam a ler e escrever com competência e desde cedo. Porém, antigas concepções de ensino e de aprendizagem e preconceitos sociais impedem que isso ocorra e fazem a equidade parecer um sonho inalcançável. É preciso rever o que se pensa sobre a repetência e as famílias desfavorecidas, entre outras questões. E mais: investir em bons programas de recuperação e sistemas de avaliação consistentes.

Referências bibliográficas

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