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Jornalismo

Gilles Brougère. Foto: Marina Piedade
O autor Professor de Ciências da Educação da Universidade Paris Nord, na França, é diretor do Centro de Pesquisas Experice, na mesma instituição. Áreas de estudo Cultura infantil e brinquedos. Contato

O que é aprender? Trata-se de uma atividade que supõe dispositivos específicos ou de uma dimensão potencial de todas as atividades? Eu me coloco ao lado da segunda opção, ao ver a aprendizagem não como algo excepcional, diferente, mas como uma coisa cotidiana - uma questão com a qual atualmente trabalho no Experice, um centro de pesquisa que dirijo e que reúne pesquisadores das universidades Paris 8 e Paris Nord, na França.

A aprendizagem, uma tarefa cotidiana

Há, sem dúvida, mil maneiras de aprender. A unidade não é apenas linguística, relacionada ao fato de que utilizamos o mesmo termo para designar processos variados de autotransformação, de domínio das práticas (incluindo as simbólicas, o que se chama de aquisição de saberes, como se tratasse de um bem que se pudesse acumular e trocar), de produção de conhecimentos, de descoberta do mundo... Que fique claro que essas diferenças práticas pressupõem funcionamentos biológicos, mas não são eles que darão a chave do que é a aprendizagem, que é necessário compreender antes de tudo como uma atividade social.

Aprender é o que permite entrar nos mundos sociais e dominar os códigos. E isso é verdade para a família, para o mundo cotidiano, para a escola e para o mundo científico. É preciso, portanto, romper com a ideia de que a aprendizagem só poderia se referir a uma atividade em separado, como se fosse um desvio. A escola é um mundo social entre outros, que desenvolve práticas específicas. Algumas delas só têm sentido no interior de seus muros, mas outras podem permitir que se desenvolvam novas práticas em outras esferas.

Todo aprendizado é situado, mas pode igualmente oferecer matrizes em que é possível se apoiar para desenvolver performances em novas esferas. É o que se chama de transferência.

A aprendizagem, portanto, está em todos os lugares, mas é pouco visível. O que se mostram são os dispositivos que a apontam de modo explícito. Mas não é porque o ensino é visível que a aprendizagem ocorre (se fosse assim, os casos de fracasso escolar seriam impossíveis). Da mesma maneira, não é porque um dispositivo educativo não é visível que não ocorre a aprendizagem. De certa maneira, ela não existe. É somente um termo para designar as mudanças, as produções operadas por indivíduos e grupos que difícil e indiretamente mal se deixam perceber.

Essa visão choca-se profundamente com a visão da cultura francesa. Bastante diferente da alemã, que por meio da noção e do conceito de bildung (em alemão, "Educação", "formação") aceita de bom grado a ideia de aprender com a diversidade de situações, a começar pela família, ao longo da vida, e considera a escola como um lugar de aprendizado entre tantos outros. A visão francesa, ao contrário, é marcada pela valorização da escola, que só torna visível a aprendizagem e tende a desvalorizar ou não levar em consideração outros espaços de aprendizagem1. Para entender melhor, na prática, os docentes se apoiam em aprendizagens provenientes de outros espaços, mas a ficção da escola francesa leva a enclausurá-las nos ensinamentos escolares.

Aprender o cotidiano

O cotidiano, muitas vezes visto como o lugar da banalidade, é de uma grande riqueza e pressupõe o domínio do saber-fazer, dos comportamentos, dos conhecimentos (Brougère e Ulmann, 2009). Os efeitos de naturalização, evidentemente, não levam a ver esses aspectos, que só se revelam no momento das confrontações com outros cotidianos - por exemplo, no momento das experiências interculturais, quando se descobre que o que é óbvio para mim não é para outros. Isso nos leva ao que a Sociologia denomina socialização - quer dizer, aprendizagens não (ou pouco) conscientes.

Uma ação se torna cotidiana quando não é mais notada, quando é praticada por rotina, quando ela não mobiliza mais o espírito para o seu desenrolar. O que nos faz perguntar como se chega ao local de trabalho, esquecendo-se do percurso efetuado rotineiramente, de modo quase automático, sem que se mobilize a reflexão, sem que se tomem decisões? Esse é o resultado de uma aprendizagem que conduz à apropriação de práticas que se tornam hábitos, em parte incorporados. Isso também alivia nossa consciência, que pode empregar sua energia em outra coisa. Tornar cotidiana alguma coisa é tê-la aprendido de tal modo que ela faça parte do que eu sou. A ruptura com as rotinas (uma longa estadia em outro espaço cultural ou nacional, por exemplo) implica o retorno a aprendizagens que não eram mais necessárias.

1 Mais informações a respeito desse assunto em Le bien-être des enfants à l’école maternelle- Comparaison des pratiques pédagogiques en France et en Allemagne, publicado em Informations sociales, nº 160, 2010, págs. 46-53.

Aprender com o cotidiano

Mas o cotidiano não é apenas o que é aprendido. É também um espaço de experiências variáveis conforme a riqueza de cada pessoa. É nele que temos vivências de primeira mão (não intermediadas), ligadas às relações sociais, à língua materna, a práticas diversas (como a alimentação e a higiene, só para citar dois exemplos), ao espaço de proximidade (o bairro). Essas experiências são fundamentais, em especial para a criança, e variam conforme o lugar onde se mora, os hábitos familiares, as possibilidades de encontros... Elas permitem aprender do (e no) cotidiano.

Não se trata mais de dominar as rotinas do dia a dia, mas, com base nelas, descobrir o mundo - ou antes os mundos, os mundos sociais, os mundos simbólicos (as línguas utilizadas no espaço cotidiano).

Aprendem-se com o cotidiano os elementos fundamentais, sobre os quais outras aprendizagens podem se construir, quer se trate de saberes profissionais, interculturais ou escolares (quer dizer, ligados a outras esferas que se distinguem das do cotidiano), quer se trate do próprio cotidiano, pois esses mundos podem se tornar cotidianos, rotineiros, aprendidos e dominados.

Aprender participando

Como se aprende, sem nunca se dar conta, no cotidiano? Participando, sendo um membro, às vezes periférico, ainda visto como não competente.

Numerosos estudos norte-americanos de Jean Lave, Patricia Greenfield e Barbara Rogoff mostraram como funciona o tipo de aprendizagem que se pode chamar de informal, que é, antes de tudo, uma aprendizagem por participação. Isso supõe a possibilidade de ver, observar as práticas. A segregação das atividades conforme a idade (adulta e infantil) limita essas oportunidades, que se encontravam no centro do aprendizado das tradicionais sociedades agrícolas e artesanais, em que as atividades adultas (por exemplo, a tecelagem) eram visíveis. A base é, portanto, a observação, que permite a imitação (seja ela a distância, lúdica ou real), a atividade em função de suas competências (o fato de confiar as tarefas acessíveis à criança, o que no dia a dia se produz ao preparar, arrumar uma mesa, por exemplo) sem que haja um currículo. A criança entra progressivamente, em seu ritmo, na atividade. Mas as modalidades, ligadas ao funcionamento da sociedade, podem mudar, com a modernidade introduzindo mais aspectos lúdicos, tentativas e erros nessa lógica, como mostra Patricia Greenfield (2004) em relação às mudanças no aprendizado da tecelagem no seio das sociedades maias contemporâneas.

Uma noção importante é introduzida por Barbara Rogoff (1999): a participação guiada. Os adultos apoiam e orientam as crianças, adaptando as tarefas. Esse aprendizado é profundamente social, dependente do contexto e dos apoios que o pequeno pode receber. Veem-se tanto estímulos e repressões sociais como a própria dinâmica infantil, que pode chegar até à autoformação.

De fato, a participação, o motor da aprendizagem, nos leva a dois aspectos interdependentes: o engajamento da criança (ainda que ele não seja específico da criança, pois o adulto aprende do mesmo jeito) e as oportunidades oferecidas pelo ambiente (material e humano), o que Stephen Billett chama de affordances, ou seja, aquilo que é colocado à disposição, oferecido (Billet, 2004).

Apesar de o engajamento poder variar conforme a personalidade e os interesses da criança, ele também é dependente daquilo que é ofertado. Costumamos oferecer a ela oportunidades de participar e, portanto, de se engajar? Alguns dispositivos tanto nas famílias como nos locais de convivência coletiva (em particular sob o pretexto de segurança) limitam as possibilidades de participação das crianças e, portanto, da aprendizagem.

Um exemplo de aprendizagem compartilhada

Aplicamos esses princípios no estudo das creches denominadas parentais da França. Elas acolhem crianças até 3 anos e contam com a participação dos pais em sua administração e, conforme as modalidades, nas tarefas de Educação e de higiene. Essa participação é central no sentido de que produz uma comunidade de práticas (Wenger, 1998), que reúne profissionais, crianças e pais em um negócio comum, um engajamento mútuo, e a produção de um repertório compartilhado, que não é mais apenas uma prática profissional ou parental, mas um híbrido, que associa a contribuição de pais - caracterizada pela diferença de suas origens culturais em relação à dos profissionais. Uma dimensão intercultural é, então, visível, testemunha das várias aprendizagens. Assim, a forma com que uma mãe carrega seu próprio filho é utilizada pelos outros pais e pelos profissionais com outras crianças. Os profissionais se distanciam das normas de uma puericultura supostamente científica, mas fortemente etnocêntrica, que eles aprenderam no momento de sua formação, em benefício de um modelo mais aberto à diversidade e menos à pesquisa de uma mítica verdade científica.

Porém essa constatação global deve ser suavizada em função dos indivíduos, das estruturas e do engajamento de cada um - e também do que cada estrutura oferece em termos de participação (suas affordances). Onde a participação dos pais é limitada, as possibilidades de engajamento, que permitem aprender e enriquecer as práticas, também serão limitadas. Assim certas creches não permitem aos pais que troquem outras crianças, a não ser as próprias. No entanto, onde todos os aspectos da prática são abertos aos pais sem nenhuma limitação, como observamos em um caso, as diferenças entre pais e profissionais diminuem, uns aprendendo com os outros. Não é surpresa, então, que uma mãe tenha podido ser contratada como uma profissional e que os próprios profissionais possam acolher seus filhos na creche: as barreiras caem, as práticas enriquecem e todos aprendem, inclusive as crianças. O mundo cotidiano se tornou uma construção coletiva, em que cada um aprende o cotidiano dos outros.

A pré-escola e o cotidiano

Um espaço coletivo de boas-vindas e de Educação de uma criança deve assumir o fato de construir um mundo cotidiano, um mundo que vai ser aprendido e apropriado por crianças e adultos. De fato, no quadro dessa visão de aprendizagem, não é reservado ao novo educador que chega à creche que igualmente aprenda o cotidiano sozinho. Ele pode aprender ao observar as crianças, ao participar de suas atividades. Isso é igualmente verdade para os pais, sob a condição de que possam, como vimos, participar. Construir um cotidiano é construir um espaço de participação coletiva, em que cada um pode aprender com os outros e com a situação vivida. Mas isso supõe valorizar a participação e oferecer dispositivos, as affordances.

Levar a sério o cotidiano como um espaço de aprendizagem é considerar o que a criança aprendeu nele. Isso supõe conhecê-lo (e a ligação com os pais é imprescindível para isso), valorizá-lo e transformá-lo em um apoio à experiência da diversidade. Toda a dificuldade reside nisto: de um lado, construir um cotidiano da coletividade, um espaço de experiência e de aprendizagem para todos e, do outro, reconhecer e se apoiar na diversidade de aprendizagens cotidianas efetuadas por todos fora desse espaço coletivo.

Essa difícil tarefa não será levada a cabo de forma satisfatória se não se compreender que a experiência cotidiana é a primeira fonte de aprendizagem e que o papel da pré-escola é valorizá-la.

Bibliografia

- Billett, S. (2004). Working participatory practices: conceptualising workplaces as learning environments. Journal of Workplace Learning, 16 (5-6). P. 312-324.

- Brougère, G. e Ulmann, A.-L. (2009). Apprendre de la vie quotidienne. Paris: PUF.

- Greenfield, P. M. (2004). Weaving generations together: evolving creativity among the mayas of chiapas. Santa Fe: School of American Reasearch Press.

- Rogoff, B. (1999). Apprenticeship in thinking: cognitive development in social context. Oxford: Oxford University Press.

- Wenger, E. (1998). Communities of practice. Learning, meaning and identity. Cambridge: Cambridge University Press.

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