Vias de Imagem
A turma aprendeu a usar o celular para fotografar de verdade
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06/03/2018
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Apresentado por
Jornalismo
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06/03/2018
O QUE É?
Experiência de arte sobre vídeo e fotografia. Trabalho vencedor do Prêmio Educador Nota 10 de 2015. Conteúdo originalmente publicado no site de Nova Escola.
QUEM FEZ?
Fernando Ricardo Canindé Ribeiro Rufino, professor da EM da Topolândia, em São Sebastião (SP).
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Os alunos puderam usar celulares - proibidos na escola em que estudam - para produzir fotos e vídeos.
ETAPA
Ensino Fundamental (regular e Educação de Jovens e Adultos)
ANO
7º
CONTEÚDOS
Arte, fotografia, linguagem visual, cinema, vídeo
Uma ideia na cabeça e um celular na mão
"Produzir imagem é muito mais do que apertar o disparador de uma câmera. É poder recriar o mundo externo com sensibilidade, criatividade e apresentar pontos de vista singulares que revelem o que toca o coração." A declaração do professor Fernando Rufino resume com poesia o projeto de produção de foto e vídeo que ele realizou durante dois meses com as turmas do 7º ano e também da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da EM da Topolândia, em São Sebastião, a 204 quilômetros de São Paulo. E o processo contou com um diferencial: smartphones no lugar das câmeras! Apesar da proibição do uso do celular na escola em que atua - assim como na maioria das instituições de ensino -, o docente decidiu apostar na apropriação desse recurso tão presente na vida dos jovens. Dessa maneira, resolveu também a falta de equipamentos específicos.
Licenciado em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
"DURANTE A GRADUAÇÃO, TIVE MUITO CONTATO COM PRODUÇÕES PARA A TEVÊ E O CINEMA, JÁ QUE A CIDADE É CONSTANTEMENTE USADA COMO CENÁRIO DE GRAVAÇÕES. "
Para Marisa Szpigel, coordenadora de Arte da Escola da Vila, na capital paulista, "propor a utilização do smartphone como ferramenta nas aulas significa subverter uma regra a fim de favorecer a reflexão crítica sobre as possibilidades dele no mundo contemporâneo". Assim, em vez de lançar mão de atitudes punitivas, Fernando aproveitou o interesse dos alunos pelo celular para conquistar o engajamento deles na proposta.
O primeiro passo foi realizar debates para levantar a bagagem da turma sobre fotografia e cinema e as experiências dela com a câmera do telefone para, então, apresentar novas perspectivas. Com base em pesquisas e em seu repertório pessoal, o professor elaborou aulas teóricas e atividades práticas sobre as técnicas de cada linguagem. Vera Lucato, Educadora Nota 10 em 2012 com um projeto de fotografia, destaca que "o tratamento didático no 7º ano e na EJA deve considerar o universo e o modo como cada grupo interage com o celular, a fim de orientar o planejamento". Fernando atentou-se para isso e ajustou os temas às especificidades de cada classe.
Para introduzir a garotada no mundo das imagens, Fernando apresentou fotos famosas, como as de Sebastião Salgado, um dos principais ícones nacionais da área, e exibiu o documentário Lixo Extraordinário (Lucy Walker, 99 min, Downtown Filmes, 21/3613-2600, 20 reais), sobre o artista plástico brasileiro Vik Muniz.
A estratégia de realizar uma análise sobre o assunto a ser desenvolvido, segundo Marisa, é um dos meios para ampliar o conhecimento prévio dos estudantes, ajudando-os a dar significado ao caminho que será percorrido até o produto final. "Em Arte, apreciar e contextualizar outros processos criativos amplia o olhar do educando, fazendo-o crítico da produção pessoal."
As etapas seguintes foram dedicadas ao estudo, em sala, e à prática, nos diversos ambientes da escola, em que os alunos utilizaram os próprios celulares com o propósito de extrair do equipamento o máximo de possibilidade artística. Eles foram desafiados a experimentar diferentes ângulos, por exemplo, para clicar um mesmo objeto. Esquemas no quadro e exercícios explicitaram os três tipos básicos de iluminação: luz dura (incidência direta), difusa (refletida) e contraluz (que incide por trás). Já para desenvolver uma visão criativa, os jovens buscaram novos significados para elementos comuns, como o formato de rostos humanos e de animais em árvores. Também aprenderam a prestar atenção ao entorno, para que o foco no elemento não seja desviado. Por fim, divertiram-se ao trabalhar com ilusão de ótica, explorando diferentes planos e proporções de pessoas e objetos para criar cenas inusitadas.
Em todas as atividades, meninos e meninas atuavam ora como fotógrafos, ora como modelos, buscando maneiras próprias de compor os retratos se distanciando do convencional.
Monique Deheinzelin, doutora em Psicologia e Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e selecionadora de Arte do Prêmio Educador Nota 10, destaca que em nenhum momento o projeto se debruçou sobre temáticas ideológicas, como problemas sociais ou o meio ambiente, o que poderia conduzir os alunos a um uso instrumental da linguagem artística. "Se a Arte é engajada, ela o será como resultado, não como intenção", explica.
Já familiarizados com aspectos como iluminação e enquadramento, os alunos puderam partir para o estudo das técnicas de vídeo. Eles assistiram A Invenção de Hugo Cabret (Martin Scorsese, 126 min, Paramount Pictures, 20 reais), que relembra a história da sétima arte, com foco nos trabalhos dos cineastas George Méliès (1861-1938) e dos irmãos Lumière, Auguste (1862-19540) e Louis Jean (1864-1948). Também se aprofundaram nos conteúdos específicos dessa linguagem, por meio de aulas teóricas, experimentações individuais e atividades em grupo, sempre com o celular.
A meta era produzir um curta-metragem de ficção de aproximadamente dois minutos. Então, cada grupo se debruçou sobre o planejamento de seu filme - assim como os profissionais do cinema fazem - tendo como referência exemplos reais trazidos pelo docente. Para compor título e sinopse, Fernando propôs atividades de escrita em que os estudantes trabalharam o poder de síntese.
No roteiro, registraram detalhes de angulação da câmera, posicionamento da luz, efeitos sonoros, falas e ações dos atores. Ele foi seguido pela criação do storyboard. Nesse momento, técnicas de desenho e de produção de quadrinhos - abordadas pelo professor em projetos anteriores - foram fundamentais para descrever a sequência das cenas e as características dos personagens.
Última etapa antes de iniciar as gravações, a criação da ficha técnica esclareceu o papel de todos os alunos: cinegrafista, contrarregra, sonoplasta, produtor, ator, entre outros. Então, sob a direção de Fernando, eles transformaram as áreas internas e externas da escola em verdadeiros sets de filmagem. Carteiras e cadeiras serviram de tripé, cartolinas fizeram a vez de rebatedores e interpretações improvisadas deram vida ao roteiro. Como só dispunham do horário de aula, produzir o curta foi um grande desafio, alcançado naquele bimestre apenas pela EJA, com o contagiante suspense chamado Presságio. A escola não possuía os softwares necessários, então a edição foi finalizada em casa pelo professor.
Fernando vê o projeto como uma tentativa de realizar o postulado do Cinema Novo: "Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão". Ou seja, trabalhar com o mínimo de recursos técnicos e a grande intenção de possibilitar que os alunos exercitem a sétima arte com o equipamento disponível.
Para Monique, é evidente o legado deixado para os estudantes, já que eles aprenderam a realizar fotos e vídeos, nas diferentes funções que as linguagens exigem, a argumentar de acordo com julgamento crítico baseado na observação de sua evolução de aprendizagem e na do outro. William Moreno Souza, 13 anos, confirma: "Eu costumava fazer apenas fotos frontais, agora me preocupo com contraluz, procuro ângulos diferentes e até faço montagens em vídeo". Jacson de Sousa Martins, 14 anos, vai além na reflexão. "O vídeo nos dá a possibilidade de refletir sobre o resultado e refazer. É como errar na vida, avaliar os problemas e poder consertar", filosofa.
Fotos: Kiko Cardial. Ilustrações: Fernanda Salla.
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