7 coisas que aprendi lendo os textos dos meus alunos
Na atividade, jovens de 7º e 8º ano do Fundamental produziram um livro com 60 crônicas
14/07/2017
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Jornalismo
14/07/2017
Durante o primeiro semestre deste ano, desenvolvi um projeto de leitura e escrita na EM Herbert Moses, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. A proposta incluía aulas-passeio de visita ao Museu do Amanhã e a utilização dos espaços disponíveis na escola, como a biblioteca e o laboratório de informática. O desfecho era a produção de um livro de crônicas e um evento de lançamento do livro dos alunos, o “Café Literário”.
Além de brilhantes, as 60 crônicas escritas por alunos das turmas dos 7º e 8º anos do Ensino Fundamental me ensinaram coisas interessantes:
1) Eles são extremamente ligados à família
Há quem diga que os adolescentes não valorizam a família. No entanto, a temática familiar era recorrente, mesmo com os conhecidos conflitos entre gerações. Dos 60 textos produzidos, 23 tratavam do assunto em diferentes formas. As crônicas tratavam de nascimentos de primos e irmãos, da perda de entes queridos e de momentos ternura entre eles e pais, tios e avós, além de relatarem histórias cômicas e apresentação de parentes de outras localidades que eles ainda não conheciam.
2) Escrevem coisas interessantíssimas e extremamente coerentes ainda que não dominem plenamente a norma culta
Para desenvolver um projeto como este é preciso livrar-se de preconceitos, respeitando a linguagem não-padrão utilizada pelos alunos e valorizando o conteúdo do texto em si. Sempre auxiliando os alunos a desenvolverem estratégias quanto à ortografia, concordância verbal e outros elementos gramaticais que auxiliam na compreensão do texto.
A chave para o sucesso foi gerar um contexto que favorecesse o uso da escrita convencional em situações reais de uso, pois o fato de saberem que haveria leitores gerou expectativas em relação à construção do texto. Os alunos se preocuparam em escrever de forma que o “outro”, o interlocutor, compreendesse. Em relação à ortografia, uma estratégia que deu muito certo foi incluir no projeto a digitação dos textos pelos próprios estudantes. O corretor ortográfico e gramatical dos programas de edição de textos é uma ferramenta atual e valiosa.
3) Cada ser humano é único em sua forma de ver o mundo
O cotidiano escolar, os currículos engessados e a própria rotina da prática pedagógica tornam invisível a pluralidade de visões e concepções que temos sobre nossos alunos. Este projeto tornou visível a humanidade de cada estudante, gerando empatia e tecendo minha própria humanidade enquanto profissional da Educação. Durante a leitura dos textos é impossível não se emocionar com as experiências pessoais traduzidas em crônicas. Alguns exemplos:
“Era meu sonho ter uma festa! Quando eu era menor, minha mãe em todos os meus aniversários me levava no parque. (...) Esse foi o melhor dia da minha vida!” (uma aluna sobre sua primeira festa de aniversário)
“Neste dia estávamos falando de amor. O quanto ele amava a gente.” (um aluno, sobre o falecimento do avô)
“Minha avó era uma pessoa que eu amava muito e a amo até hoje. Ela nunca será esquecida, sempre estará guardada em nossos corações.” (uma outra aluna, sobre o falecimento da avó)
O livro que construímos compartilhou histórias, mas também firmou laços. O ambiente de respeito mútuo ao trabalho desenvolvido fez com que esta experiência fluísse e gerasse frutos de aprendizagem escolar e para vida.
4) Eles adoram ter seus textos lidos
Durante a elaboração do projeto gráfico e edição do livro, sempre conversava com os alunos sobre seus textos, se não gostariam de mudar alguma palavra ou reconstruir alguma frase. Respeitando o desejo de cada aluno-autor para dizer “não” (e muitas vezes disseram) para edição dos textos. Percebi que, ao chegar à escola, logo me perguntavam “Professora, já leu meu texto?. O que achou? Gostou da minha crônica?”.
Acredito que o fato de eles estarem extremamente envolvidos com a proposta e perceberem que meus comentários não tinham o objetivo de corrigi-los, mas sim, de colaborar na construção de cada crônica, gerou uma espécie de cumplicidade. No dia do evento, todos queriam ter sua crônica lida!
5) Amam participar de projetos, principalmente os que trazem visibilidade
Essa geração Facebook e WhatsApp adora aparecer! No dia do lançamento do livro, todos estavam orgulhosamente posando para fotos e filmando, sempre com o objetivo de postar nas redes sociais. Além disso, o Café Literário mal havia terminado e já havia alunos me perguntando quando seria o próximo projeto, o que iriam escrever, quais lugares visitariam, se teria “evento” de novo... Estavam ansiosos para o próximo projeto! Amaram a valorização e a visibilidade dada ao trabalho deles.
6) Os estudantes leem e escrevem bastante
Novamente ressalto aqui a importância de despir-se dos preconceitos em nossa prática pedagógica. Nunca uma geração leu tanto! Os portadores textuais é que mudaram. Leem e escrevem legendas de fotos, textos de diferentes complexidades nas redes sociais, trocam mensagens o dia inteiro nos aplicativos de mensagem e compreendem perfeitamente a dificuldade de transpor para a escrita os elementos da oralidade.
Para solucionar esta dificuldade imposta pela escrita, utilizam como ferramenta não apenas os sinais de pontuação, mas também os mais diversos emoticons. Essa marca é tão presente nos dias atuais que uma das alunas sentiu a necessidade de colocar em seu texto entre parênteses a palavra “risos”. Achei a utilização deste recurso, comum no gênero entrevista, interessantíssima na escrita da crônica.
É evidente que é papel da escola ampliar as habilidades de leitura e escrita destes alunos. Cumprindo este papel, o projeto incluiu a leitura de crônicas de excelentes autores a fim de analisarmos o gênero e nos deliciarmos na leitura. Porém, valorizar e partir do que os alunos já sabem é uma excelente estratégia para facilitar aprendizagens.
7) Respeitam quem respeita seu trabalho
Uma das maiores dificuldades encontradas hoje em sala de aula é a indisciplina dos alunos. A prática pedagógica direcionada em projetos auxilia na transposição deste obstáculo, pois cria um ambiente de cumplicidade e parceria.
No princípio, as turmas estavam resistentes em escrever e até descrentes que o projeto sairia do papel. Conforme observaram seriedade do trabalho e o desenvolvimento das etapas previstas no cronograma, passaram a acreditar na proposta. O comprometimento de toda equipe da escola para realização de cada uma das etapas gerou interesse e os motivou a participar das aulas, facilitando assim a gestão das questões “disciplinares”. Ao se sentirem respeitados, passaram a respeitar ainda mais as aulas e a professora, e as aulas transcorreram de forma mais prazerosa.
Os alunos abraçaram a ideia de tal forma que até transpusemos o objetivo inicial: nosso livro, além de fazer parte do acervo da biblioteca da escola, também foi publicado como e-book em uma plataforma digital, possibilitando o acesso do conteúdo a toda comunidade escolar. O evento de lançamento foi um sucesso, com direito a divulgação nas mídias digitais e impressas do município.
Enfim, toda esta valorização da escrita destes alunos transformou esta experiência em algo marcante na vida deles e na minha.
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