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Jornalismo

Por que parte significativa do Plano Nacional de Educação já está atrasada

Após três anos, várias metas estão atrasadas ou foram parcialmente cumpridas. Mas há pontos positivos

PorLaís Semis

26/06/2017

Ilustração: Lucas Magalhães

Três anos se passaram desde a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). O documento criado em 25 de junho de 2014 guia as diretrizes educacionais da próxima década, estipulando 20 metas desdobradas em 254 estratégias para garantir o acesso e a qualidade à Educação Básica e Superior e de seus profissionais. Valorização docente, formação adequada de professores, universalização do ensino, inclusão, erradicação do analfabetismo e ampliação do investimento financeiro público são algumas das urgências nacionais listadas. Ainda que o projeto tenha o ano de 2024 como horizonte, muita coisa já está atrasada.

O primeiro Relatório de Monitoramento das Metas, divulgado em novembro do ano passado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) , analisou o biênio 2014-2016. E, após somente 30% do tempo de vigência, oito metas, como universalizar a Educação Infantil e o Ensino Médio, têm prazos finais ou intermediários já vencidos.

A atual gestão do MEC (Ministério da Educação) alega que, ao assumir a pasta em maio de 2016, as metas que venceriam no mês seguinte já estariam descumpridas, bem como as estratégias “mal encaminhadas”.  “Entre as ações da gestão anterior, foi possível encontrar programas sem planejamento, sem controle e com resultados insatisfatórios. A falta de planejamento estratégico da gestão anterior contribuiu para a situação encontrada em maio de 2016 em relação ao PNE”, disse a assessoria de imprensa do  ministério em nota à NOVA ESCOLA.

Para Daniel Cara, coordenador geral Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, o descumprimento do Plano pelos dois últimos ciclos decorre da falta de prioridade dada a essa política. No entanto, uma política principal deixou o Plano um passo mais longe de atingir suas metas. “A aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 - que limita um teto de gastos para a Educação - praticamente liquidou as chances de o PNE ser cumprido”, explica Daniel. “Ela inviabiliza tanto a expansão de matrículas quanto a instauração de um padrão mínimo de qualidade”, diz.

Veja abaixo um balanço de como está o andamento de algumas das principais metas do PNE:

Metas e estratégias cumpridas

- Os mecanismos normativos estão entre os itens com evolução mais significativa. A publicação bienal de estudos para acompanhamento e divulgação dos resultados propostos no Plano (Art. 5º da Lei do PNE) é um exemplo disso. “Esses mecanismos avançaram mais do que questões mais centrais e mais decisivas para a Educação como  a expansão de matrículas nas creches, a universalização de matrículas dos 4 aos 16 anos e a implantação do Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi)”, pontua Daniel.

Ilustração: Lucas Magalhães

- A estratégia 7 da Meta 10, que propõe avaliar os resultados pedagógicos dos indicadores educacionais, assegurando contextualização e transparência das informações, também foi cumprida. No entanto, o Observatório do PNE indica em seu balanço que as iniciativas precisam de aprimoramento para que os dados contribuam de forma efetiva para a prática pedagógica.

- O fórum permanente de acompanhamento do piso salarial nacional do magistério público da Educação Básica (estratégia 1, Meta 17) foi instituído dentro do prazo estabelecido, ainda em 2015. A avaliação do balanço do Observatório “é fundamental tomar ações concretas que permitam que essa valorização saia do papel e promova de fato, mais atratividade para a carreira docente e melhores condições para quem já está em sala de aula”.

- O encaminhamento da proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do Ensino Fundamental (estratégia 1, Meta 2) também está sendo cumprido – com atraso – com a proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Encaminhada pelo MEC ao Conselho Nacional de Educação, o documento deve ser aprovado até o final do ano.

O que foi cumprido parcialmente

- Dois estados e 14 municípios ainda não sancionaram seus Planos Estaduais e Municipais de Educação (previsto na Art. 8º da Lei do PNE). No entanto, 5.555 municípios e 25 estados já sancionaram seus Planos.

- A meta 7 também foi cumprida parcialmente: o fomento da qualidade atingindo o estipulado pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Apenas o 5º ano do Fundamental alcançou a nota prevista para a etapa.

Em andamento

- A aprovação da Lei de Responsabilidade Educacional – que teve seu prazo vencido em 2015 – está em tramitação no Congresso. No entanto, diversas reuniões de votação da proposta foram desmarcadas ou adiadas por falta de quórum. Como indica a reportagem de Gestão Escolar sobre o tema, as penalidades previstas inicialmente no texto já foram amenizadas e a discussão segue sem data.

- De acordo com o PNE, o Brasil deveria ter instituído o Sistema Nacional de Educação já em 2016. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 413/2014 está em tramitação na Câmara dos Deputados e aguarda deliberação desde dezembro de 2015.

Indicadores problemáticos

Ilustração: Lucas Magalhães

- Não é possível aferir sobre algumas metas. “Temos dificuldades em precisar a taxa de escolarização de crianças e adolescentes com deficiência em virtude de incompatibilidades das bases de dados existentes”, explica Rodrigo Mendes, diretor executivo do instituto que leva seu nome, ao se referir à Meta 4, que trata da inclusão. Além da limitação relativa do acompanhamento da série histórica, os conceitos adotados nos sistemas de acompanhamento são diferentes (o Censo Demográfico, por exemplo, não faz referências a estudantes com altas habilidades, o que é previsto no PNE) e os dados disponíveis não esclarecem se houve acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a outros recursos. “Apesar de não termos essa apuração mais precisa, podemos estimar que o número de crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) ou altas habilidades fora da escola é significativo”, avalia Rodrigo. De acordo com ele, é preciso avançar também no detalhamento das estratégias que são muito genéricas e algumas não definem prazos intermediários ou mecanismos para se atingir os objetivos.

- Não há um indicador que permita acompanhar o cumprimento da Meta 19, que propõe garantir a efetivação da gestão democrática da Educação. Já os indicadores da Meta 1 (universalização da pré-escola para as crianças de 4 e 5 anos) e da 3 (universalização do atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos) não estão atualizados.  A trajetória dos indicadores sugere que é possível o cumprimento da 1, mas que a 3 não será cumprida.

Os entraves

Além da falta de indicadores que dificultam o acompanhamento, o relatório do Observatório do PNE com o balanço dos três anos da política traz outros indícios sobre as entraves desse processo. A pouca priorização ou integração entre as metas e estratégias postas pelo Plano seria uma das principais delas.

Rodrigo Mendes concorda com a necessidade de se planejar ações que contemplem diferentes metas e estratégias postas. “Acho que ainda precisamos de esforços para integrar as metas. A Meta 1, por exemplo, versa sobre a universalização da oferta para Educação Infantil - tema também tratado pela estratégia 2 da Meta 4, mas com foco nas crianças com deficiência. É necessário pensar em aproximações, definir ações que vão ser tomadas para ambas as metas, de forma articulada”, defende.

O relatório traz ainda uma observação em relação ao financiamento (Meta 20): o andamento não dependeria apenas do aumento de recursos, mas da eficiência da distribuição e gestão desses recursos.

Consequências de um PNE não cumprido

Os especialistas concordam que garantir o acesso é importante, mas é necessário também assegurar qualidade. “Não cumprir o PNE significa não enfrentar as questões da desigualdade brasileira. Se estamos tentando pagar o que faltou do passado e, se não conseguirmos, o direito à Educação continuará sendo um privilégio para alguns”, comenta Maria Amábile Mansutti, coordenadora técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

Ilustração: Lucas Magalhães / The Noun Project

Para Daniel Cara, o Brasil estaria deixando de aproveitar sua última geração representativa demograficamente de crianças, adolescentes e jovens.  “A consequência do descumprimento do PNE é nefasta porque essa é nossa última oportunidade de fazer com que uma população substantiva do país tenha acesso a uma Educação pública de qualidade e possa modificar a qualidade de vida, as condições socioeconômicas e, principalmente, o desenvolvimento do país”, avalia.  

Para chegar lá

O coordenador geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação acredita que para garantir os indicadores é preciso estabelecer uma nova política econômica, já que a Emenda 95/2016 impôs teto que inviabiliza o PNE. Maria Amábile analisa que há um esvaziamento em relação à pauta e que é preciso um esforço público e da sociedade para recuperar a centralidade do tema. “Não andamos como o esperado, mas temos que criar forças para realmente fazer um controle social sobre ele. Também não podemos apenas ficar discutindo entre pares, precisamos dialogar com todo o sistema educacional”, diz.

Questionados sobre o tema, o MEC informou que está trabalhando na implantação de políticas estruturantes e na melhoria da gestão dos programas para alcançar melhores resultados. A BNCC é vista como uma das principais ações nesse sentido. “Ela deverá promover a melhoria das aprendizagens em todas as etapas da Educação Básica. As ações da atual gestão também envolvem desde o investimento na melhoria das escolas e na formação dos professores”, diz o órgão. O Programa de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, nova regulamentação do Ensino à Distância que vai ajudar a ampliar o acesso ao ensino superior, o regime de colaboração com estados e municípios para a implementação de seus planos e a orientação de iniciativas que contribuem para o atingimento de metas são outros pontos citados pela nota do ministério.

“O desafio é realmente grandioso, porém isso não pode servir de argumento para que a gente não persiga, com todos os nossos esforços, atingir o Plano Nacional de Educação”, conclui Rodrigo Mendes.

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