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Jornalismo

Dois leitores de NOVA ESCOLA, duas formas de entender a Educação

Entramos em contato com dois seguidores do Facebook de opiniões bastante divergentes para mostrar como é possível ter bons argumentos, mesmo com visões opostas

PorRenan Simão

19/06/2017

Ilustração: Patrick Cassimiro

As redes sociais dispõem, muitas vezes, de estímulos para concordarmos com nós mesmos. Textos políticos, imagens de impacto, gifs engraçados: todos eles estão dentro de um sistema de algoritmos que reafirmam nossos gostos e opiniões. O que significa, também, rejeitar cada vez mais qualquer pensamento diferente. Tem se tornado raro debater com quem diverge e, assim, conhecer novas formas de pensar.

Por isso, NOVA ESCOLA entrevistou dois leitores com participação ativa em nosso Facebook. Embora tenham visões diferentes em diversas questões, ambos apresentam quase que diariamente bons argumentos nos comentários de nossos posts. Assim, fizemos as mesmas perguntas a ambos, criando um debate diferente e sem ataques para que se veja as diferentes formas de ver a Educação.

O que é Educação para você?

RICARDO KERSCHER: Um processo de emancipação, através da mediação de outrem, para alcançar níveis de aprendizagem que, sozinho, não seria possível.

GISELE SCHIAVETTI: Educação é o firmamento. É tudo.

Como deve ser uma aula ideal?

RICARDO: A aula ideal tem o máximo de participação dos alunos. Eles não podem ter medo de tentar, de errar. Devem se sentir seguros em participar e refletir ao máximo sobre os assuntos trabalhados, longe das cópias e repetições.

GISELE: A aula ideal é aquela em que todos, (professores e alunos), estão em sintonia, à vontade, interessados, alimentados, sadios, felizes, livres, justiçados, respeitados, em paz, animados.

Qual personalidade da Educação você mais admira?

RICARDO: Paulo Freire.

GISELE: Depende do que é "personalidade" para vocês. Discordo da ideia de rótulos, principalmente na área da Educação. Todos são grandes personalidades dentro do espaço em que estão. A [especialista em políticas educacionais] Cláudia Costin, por exemplo, é uma personalidade importante dentro de um contexto, tanto quanto a professora "Maria" que dá aula no Sertão. Eu sigo desde a Cláudia Costin até a professora "Maria".

Qual é seu livro favorito na área de Educação?

RICARDO: ”Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa”, de Paulo Freire.

GISELE: São vários, dentre eles "Ensinando Inteligência", do professor Pierluigi Piazzi, e "Desenho e Escrita como Sistemas de Representação", de Analice Dutra Pillar. Já li centenas de livros na área da Educação, e cada um tem seu papel, dependendo do contexto em que vivemos dentro do mundo educacional. O preferido é aquele que responde às suas perguntas quando surgem determinadas dúvidas. 

Qual é o maior problema enfrentado pelos educadores no dia a dia da escola?

RICARDO: Além da desvalorização profissional que sempre esteve presente em nosso país, acredito que o maior problema é a perseguição conservadora aos professores. Projetos como Escola Sem Partido, vereadores querendo fiscalizar planejamento escolar para coagir, bancadas evangélicas querendo ditar o que deve ou não ser ensinado nas escolas, retiradas de assuntos importantes das Bases Nacionais Curriculares por pressão dessa parcela reacionária da sociedade. Essa banalização de que professores são doutrinadores está sendo cada vez mais perigosa. Isso faz a violência psicológica aumentar cada vez mais, quando não gera violência física.

Pais ensinando seus filhos a gravarem as aulas para encontrarem algum tipo de conteúdo que a família não concorde para processar professores. E pior, a Justiça aceitar esse tipo de coisa. E a pluralidade de ideias? E a autonomia dos profissionais da Educação? O que será no futuro? Pessoas invadem consultórios médicos e alegando que o tipo de tratamento recomendado fere a religião do paciente? Promotores são questionados que as leis que se baseiam seus casos são contrárias às leis religiosas que o cliente segue? Vemos por aí pessoas se intrometendo no trabalho de um engenheiro dizendo o que devem fazer e que devem ser respeitadas por suas opiniões por mais estapafúrdias que elas sejam? Isso não parece um absurdo? Mas os educadores estão enfrentando isso cada vez mais.

Pessoas que não entendem nada sobre Educação, sobre currículo, sobre diretrizes e parâmetros curriculares, sobre didática, metodologia, avaliação e aprendizagem, simplesmente ameaçando, atacando e com base em senso comum, em visão político-partidária, em seus dogmas religiosos. É necessário que façamos algo urgente contra isso ou a profissão – em que já poucas pessoas têm interesse – se tornará extinta nesse país. Como diz Freire, em seu livro “Pedagogia da Autonomia”: “Sei que as coisas podem até piorar, mas sei também que é possível intervir para melhorá-las”.

GISELE: São inúmeros problemas, vivemos em um sistema educacional cheio de crises. A Educação está diretamente conectada a heranças históricas (muitas delas negativas), conectada aos fatos do dia a dia, a questões de interesses políticos e/ou partidários, ao mercado de trabalho, a um mundo de diversas ideologias... Dentre todos os problemas, eu tenho como maior obstáculo os alunos com transtornos e distúrbios de aprendizagem não tratados e falta de pais mais presentes e profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos e assistentes sociais para atender tais demandas dentro da própria escola. O sucateamento por parte do governo, a desvalorização dos profissionais da Educação e a terceirização da Educação por parte dos pais também têm grande peso no cotidiano docente.

Enquanto assessora pedagógica, percebo que há muitos professores cuja formação é questionável, professores que não leem, não se informam, não reciclam seus conhecimentos, não abrem mão de dogmas e paradigmas, não entendem o que é Educação e não se atentaram que é preciso saber como uma criança aprende e a importância de seu papel, principalmente na Educação Infantil.

Muitos não entenderam qual é o significado da escola, muitos ainda tratam-na como espaço de reprodução de estereótipos de "inteligência", como extensão da Igreja Católica ou como espaço de manobra política, como se os pais dos alunos fossem apenas clientes pagadores de salários.

Enquanto orientadora pedagógica, por meio da [página pessoal] PedagoDicas, percebo que pais não entendem o que faz um professor e qual o papel da escola, ainda não conseguem se desvencilhar da Educação ortodoxa, de antes do período da NOVA ESCOLA. Percebi também que formandos da área da Pedagogia saem mal preparados e forjam estágios. A grade do curso de Pedagogia precisa ser revista com urgência.

Dentre outros, me questiono diariamente sobre o motivo pelo qual a escola se parece tanto com uma penitenciária, tanto fisicamente, como de modo organizacional.

Não há resposta certa para as questões educacionais. O que é certo hoje, amanhã já não cabe mais. Com a rapidez das informações em um mundo coberto de novas tecnologias, a escola e seus atores não conseguem enxergar muito além da lousa, do giz, das cadeiras duras, do material precário.

QUEM SÃO ELES

Ricardo Kerscher

Idade: 38 anos
Cidade: Curitiba
Formação: Pedagogia; especialização e mestre em Educação
Trabalha com Educação há: 14 anos
Função atual: professor e diretor auxiliar
Qual a disciplina: Educação Infantil, e do curso de formação de docentes (antigo Magistério)
Escola pública e/ou privada: pública
Nome da escola: CMEI Sabiá-Laranjeira, em São José dos Pinhais (PR), e Colégio Estadual Deputado Arnaldo Faivro Busato, em Pinhais (PR)

Gisele Schiavetti Basilio Kovacevic

Idade: 32 anos
Cidade: São Paulo
Formação: Pedagoga. Pós-graduada em didática e metodologia do Ensino Superior e em Psicologia Organizacional. Mestranda na área da Educação, curso técnico de agente comunitário de saúde (educação e prevenção em saúde)
Trabalha com Educação há: Educação em saúde, desde 2005. Educação escolar desde 2010
Função atual: professora do 4º ano do Ensino Fundamental, assessora pedagógica e orientadora educacional.
Se professor, de qual a disciplina: Português, Matemática, Ciências, História e Geografia
Escola pública e/ou privada: pública
Nome da escola: Escola Estadual Ennio Voss, São Paulo

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