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Jornalismo

Por que pais que não vacinam seus filhos são um problema para toda a escola

Populares nos Estados Unidos e na Europa, os grupos anti-vacina agora crescem no Brasil

PorMonise Cardoso

02/06/2017

Pessoa sendo vacinada

A tríplice viral, vacina responsável por proteger contra caxumba, sarampo e rubéola, estaria relacionada ao surgimento de autismo em crianças. Foi essa a bomba que veio com um estudo do médico britânico Andrew Wakefield publicado na prestigiada revista científica The Lancet em 1998.

A notícia se espalhou por jornais e televisões do mundo inteiro, mas caiu por terra após investigações que provaram o envolvimento dele com um escritório de advocacia que planejava ações contra a indústria farmacêutica. O médico teve a licença cassada pela Conselho Britânico de Medicina. Em 2015, uma pesquisa feita durante dez anos com mais de 95 mil crianças, comprovou que a vacina não tem qualquer ligação com o autismo. O estudo foi publicado no Jama, importante publicação médica norte-americana. No entanto, os estragos deixados por Wakefield seguem vivos quase duas décadas depois.

Grupos anti-vacina surgiram em vários lugares do mundo, com forte presença na Europa e Estados Unidos, lugares em que o sistema de vacinação é privado e os pais têm inteira responsabilidade sobre a regularidade das aplicações. O Centro Europeu para a Prevenção e o Controle de Doenças registrou recentemente um surto de sarampo que afetou mais de sete mil pessoas devido ao acumulo de indivíduos não vacinados.

Aqui no Brasil, o aumento de adeptos é percebido por meio de grupos de Facebook, onde já se articulam mais de 13 mil participantes. Outra evidência vem dos dados do Ministério da Saúde, que registrou uma queda de 76,7% na cobertura da segunda dose da vacina tríplice viral no país em 2016. Um dos argumentos das pessoas contra a vacina é a suposta baixa no sistema imunológico da criança, tese sem fundamento cientifico. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), de dois a três milhões de vidas são salvas no mundo anualmente graças à imunização.

Crianças em sala de aula

A decisão de não vacinar apresenta riscos para todo o grupo de convívio e aumenta as chances de surto de doenças. “A criança entra na creche e o corpo dela tem contato com um ambiente hostil. A vacina é o que nos salva”, explica Damaris Gomes Maranhão, consultora em Saúde e Bem-Estar em creches e pré-escolas e professora de Gestão e Formação em Educação Infantil do Instituto Superior de Educação Vera Cruz. “O risco não é só para os filhos cujos pais se negam a vacinar, mas também para a criança que não é vacinada porque tem uma enfermidade que impede o uso de determinadas substâncias medicamentosas. Ela precisa ficar protegida pelo o que chamamos de imunidade de rebanho”, completa.

Apesar do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelecer a obrigatoriedade da vacinação como parte de bons tratos para com a criança, não há punição prevista para pais que não vacinem os seus filhos. Mas existem mecanismos que forçam a prática, como vincular o recebimento de benefícios como o Bolsa Família à regularidade da carteira de vacinação. “No limite, os médicos e a escola também podem acionar o Conselho Tutelar em casos em que a criança não é imunizada”, explica Damaris.

Para entender as questões que envolvem a decisão de não vacinar, NOVA ESCOLA conversou com a Drª Rosana Richtmann, médica infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo.

Médica: Rosana Richtmann

Qual a motivação dos grupos que escolhem não vacinar os seus filhos? 

Em geral, as motivações envolvem medo, religião ou desconhecimento. Atualmente, o mais comum é vermos famílias que têm medo da imunização por creditarem a ela sinais de baixa na imunidade e efeitos colaterais, além do aparecimento de novas doenças. Há também pais que não sabem que existe vacina para determinada doença, então não leva o filho para tomar a medicação. E, menos comum hoje em dia, mas ainda existente, é a motivação religiosa daqueles que acreditam que se Deus mandou uma doença é porque ela tem razão de ser e não deve ser combatida.

Aspectos socioculturais influenciam na decisão de famílias que fazem essa escolha?

Sim. Dificilmente famílias de classes mais baixas se negam a vacinar as crianças. O que pode acontecer é o caso do desconhecimento dessas famílias quanto à existência das vacinas. A decisão por medo de efeitos adversos é comum entre a classe média, que também costuma argumentar nunca ter visto alguém com determinada doença, que ela não existe, e por isso seria desnecessário prevenir. Mas esses indivíduos esquecem que, se uma doença não existe mais, é porque ela foi combatida pela vacina. É o caso da paralisia infantil, que foi erradica das Américas.

Dá para dizer que não vacinar é uma escolha egoísta?

A imunização é uma questão de responsabilidade social. Eu protejo meu filho e o colega de classe dele porque, além de não adoecer, ele não transmite. Quando a gente fala sobre imunizar, não estamos falando apenas sobre vacinar um, mas sobre vacinar uma comunidade. Mais de 90% das pessoas do meio precisam ser vacinadas para que a gente possa ter, de fato, a eliminação de uma doença.

Os efeitos colaterais devem representar algum grau de preocupação para a sociedade em geral?

De jeito nenhum. O que nós temos são contraindicações, amplamente divulgadas, apenas para determinados grupos vulneráveis. Há uma preocupação muito grande dos órgãos de saúde com a segurança de uma vacina. Antes de qualquer uma chegar ao mercado, ela passa por três fases de estudos que duram, em média, cinco anos. A vacina da dengue, por exemplo, levou duas décadas para ser estudada e aprovada.

Quais os riscos da decisão de não vacinar as crianças?

O primeiro risco é individual. Ele pode acarretar na necessidade de remédios fortes ou internação, na presença de sequelas severas e até levar à morte. E ainda temos o risco coletivo. O não imunizado pode não ter a doença, mas isso não o impede de transmiti-la. O vírus pode permanecer dentro do organismo sem se manifestar, mas, ao encontrar um corpo mais vulnerável, ele se desenvolve e vira doença.  

Você tem alguma recomendação sobre como deve ser o diálogo da escola com as famílias que são contra vacinação?

As redes sociais são ótimos mecanismos, por lá a informação se dissemina rapidamente. Mas também é preciso chamar as pessoas para perto. Com paciência e disposição, perguntar quais são as dúvidas que essas famílias têm, quais as angustias. A melhor forma de não vermos crianças sofrendo pela falta de um gesto simples, que é a vacina, é sempre pelo caminho do esclarecimento.

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