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Jornalismo

Como sabem os professores de História, dias intensos demoram anos para serem compreendidos. Esta sexta-feira (28/4) foi um desses dias. Há uma disputa sobre os números (boa chance para os professores de Matemática discutirem quantas pessoas cabem em metros quadrados), palavras (greve geral ou paralisação, professores de Língua Portuguesa?), razões e sentidos.

NOVA ESCOLA passou o dia acompanhando os protestos pelo olhar dos professores – sejam eles a favor ou contra as manifestações. Aprendemos muito, e há muitas dúvidas a resolver. Não temos a pretensão de dar respostas finais. O que vai ao longo deste texto, portanto, são as informações que coletamos. E esperamos ajudar você a entender o que se passou e a pensar sobre o que virá. Vem com a gente!

O que aconteceu?

Ao longo de toda a sexta-feira, a greve geral, convocada por sindicatos de todo o país contra as reformas da previdência e trabalhista, levou para as ruas manifestantes em todos os 27 estados do país.

Foi grande?

Os números ainda não estão consolidados, mas organizadores já divulgaram alguns balanços: 10 mil pessoas se reuniram em Salvador, 15 mil em Manaus (segundo a PM, 7 mil), 25 mil no Distrito Federal, 30 mil em Curitiba (segundo a PM, 10 mil), 68 mil em Natal, 70 mil em Campo Grande e 200 mil em Recife. Quem é a favor vai dizer que foi enorme. O governo, que é contra, afirma ter sido um fiasco. Só quem é de cada cidade pode dizer o quão importante foi em cada local. A professora Nivia Mayra Damasceno, de Pedro Laurentino, um município de 2.410 habitantes no Piauí, escreveu: “A cidade simples e pacata também quer fazer parte das estatísticas de municípios que não aceitam perda de direitos adquiridos com tanto suor e sangue ao longo do tempo”.

Faz alguns dias, no entanto, que os professores estavam entre as categorias mais mobilizadas para a greve – ao menos entre nossos leitores. E foi justamente por isso que NOVA ESCOLA realizou uma cobertura intensa deste dia.

O que diferencia o dia de hoje de outras manifestações?

Difícil afirmar genericamente. Mas é possível dizer que, ao menos entre os professores, este 28 de abril registrou um fato que não acontecia há 21 anos. A oposição às reformas uniu dois setores da Educação que não se conversam –  professores da rede pública e privada. Em 1996, em São Paulo, docentes dos dois lados se encontraram em outra greve geral, contra as privatizações e mudanças na lei trabalhista, que paralisaram o país.

Nas últimas grandes greves no estado, como a de 2016, cuja paralisação de 92 dias se tornou a maior da história, os professores da rede estadual estiveram à frente. Nos outros estados não é diferente. Em 2015, no Paraná, só a rede pública parou.

O fenômeno que parecia estar centralizado apenas na capital paulista, com a divulgação de uma lista de mais de 200 de escolas particulares, se revelou um movimento nacional. No Rio de Janeiro, em Minas Gerais, em Mato Grosso do Sul, no Paraná, no Distrito Federal, entre outros, há registros de greves na rede privada.

 

O que será que aconteceu para as coisas mudarem?

Segundo Fernando Cassio, professor de políticas educacionais da Universidade Federal do ABC, na Grande São Paulo, as escolas particulares que pararam foram as de elite, que possuem um corpo docente que trabalhava em melhores condições de salário, de carga horária e de infraestrutura. “Isso possibilita a discussão e a formação política desses professores”, afirma Fernando. Como explicamos recentemente, muitos professores têm medo de que as reformas afetem essas condições de trabalho.

“Em mais de 40 anos de existência do colégio em que trabalho, sabemos que nada assim tinha acontecido antes. A decisão de parar foi quase unânime entre a equipe, mas os dias depois de comunicá-la à comunidade foram muito difíceis. No entanto, isso criou um espírito de grupo e essa também foi uma conquista”, diz uma professora do Ensino Fundamental 2 de um colégio de elite, que não quis se identificar.

A rede pública enfrenta problemas relacionados à precariedade das condições de trabalho há décadas. Sem querer, o governo uniu as escolas excelentes – e as sem estrutura. “Muitas escolas se encontram próximas fisicamente uma da outra e a gente não se conversa, não tem uma relação de troca ou apoio entre si. Essas propostas de reformas nos aproximaram e mudaram essa perspectiva”, disse uma professora que trabalha em duas escolas no Ensino Fundamental 1. “ Estou na manifestação contra o corte da previdência, mas também em protesto à falta de infraestrutura na escola. Trabalho em uma instituição pública que não tem mobiliário adequado para as crianças de 1º ano e dou aula para uma turma de 33 alunos de 6 anos, sem nenhuma assistente”, afirmou outra professora, que esteve na manifestação no final do dia, em São Paulo. Ela não quis se identificar.

Foi unânime?

Não. Houve professores contrários à greve, por motivos distintos. Um professor de Língua Estrangeira da rede estadual de São Paulo, que preferiu ficar anônimo, listou alguns dos motivos: “Na escola em que atuo, são vários professores que não pararam. Um deles é que não acreditamos que a greve possa provocar alguma mudança em algo que já está sendo aprovado, como a reforma trabalhista. Outro é que os próprios sindicatos dos professores – Apeoesp, Simpro, CPP e outros – não se entendem e não se unem. Há representantes da própria Apeoesp que têm críticas, queixas e reclamações contra a diretoria da entidade. Além disso, ainda não se falou nada sobre as reposições relativas às outras paralisações. Como elas costumam ser aos sábados ou nas férias, elas podem prejudicar nossa vida. Isso sem contar que essas reposições não costumam ser levadas a sério. Mais uma razão é o fato de que há professores se aposentando, como é o meu caso, e entrando em contagem de tempo. Uma falta injustificada, como pode ser o caso, vai nos prejudicar. Por fim, tem a questão de que já participamos de outras greves e vimos pouco resultado. Os governadores não têm quase diálogo, não ouvem os professores e são coniventes com a situação precárias das escolas”. Nós mostramos outros depoimentos nesta reportagem.

E os pais?

É complicado dizer “eles pensam isso, pensam aquilo”. Mas é possível afirmar que, em algumas escolas, especialmente as particulares, foi um dia tenso.

Em São Paulo, um grupo de mais de 200 pessoas se reuniu para uma aula pública expositiva sobre as alterações propostas pela reforma – mas bem longe da escola pública em que atuam. A maioria esmagadora era de professores da rede privada de ensino de diferentes locais da cidade. “Hoje nossa escola parou, mas optamos por não fazer uma ação no bairro para não corrermos risco de ter um enfrentamento com a comunidade escolar. Há 15 dias deliberamos que pararíamos e temos sofrido represália dos pais por isso”, relata outra professora de uma escola de elite da capital que não quis se identificar.

“O que a gente sabe de reação dos pais muitas vezes é o que vaza da direção ou de professores que também fazem parte dos grupos de pais em WhatsApp ou Facebook. Alguns também colocam publicamente na internet”, conta Roberto, assistente de sala. “São críticas à escola, aos professores e às reinvindicações. Muitos se colocam a favor das propostas e contra a greve porque dizem que se trata de um movimento partidário que destruiu o Brasil nos últimos anos”, completa.

Na prática, é impossível saber o que os pais pensam. Seria necessário fazer uma pesquisa de opinião mais ampla. O fato é que a greve vai tornar, em muitos lugares, a relação entre pais e professores mais difícil.

 

E os alunos?

Difícil dizer. Alguns estudantes foram contra os protestos e paralisações. Outros, a favor. Alunos dos professores presentes também compareceram e, de acordo com eles, por iniciativa própria. “Mesmo que nossos pais não apoiando, viemos do mesmo jeito porque queremos que nossa opinião tenha voz”, disse uma estudante de 14 anos. Esse é o primeiro ato em que ela participa. “Eu vi de longe as manifestações de 2013 e como aquilo mexeu bastante com todo mundo. Não participei antes porque eu não tinha uma percepção política muito grande, mas hoje entendo melhor. Vejo que algumas coisas não estão certas e penso que a gente tem que mudar, e é por isso que estou vindo nessa manifestação. Eu espero que com esse movimento o governo entenda o desejo da população no geral”, explica ela.

É preciso esperar mais um pouco para saber como será a relação entre professores e alunos com opiniões distintas sobre o dia de hoje.

E o que acontece agora?

Após dias assim, muitos analistas se apressam a dar conclusões definitivas e a apontar caminhos irreversíveis. Nós somos mais cautelosos. Mas, se nos permitem uma sugestão, queremos fazer uma proposta: que tal usar o dia de hoje para dar uma aula diferente? Que tal pensar os acontecimentos, pelos mais diversos ângulos, junto com seus alunos? Não importa se você é a favor ou contra a greve. O que nós sabemos, observando os leitores de NOVA ESCOLA, é que todos vocês são comprometidos com a aprendizagem dos seus alunos.

Veja como foi a cobertura de NOVA ESCOLA ao longo do dia:

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