Dois alunos, duas lições sobre como superar obstáculos na alfabetização
PorMara Mansani
24/04/2017
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Jornalismo
PorMara Mansani
24/04/2017
Já perdi a conta de quantos alunos encontrei nessa minha trajetória na Educação. Ri, chorei, me emocionei com as histórias de vida, estabeleci com cada aluno um elo, um vínculo de afeto.
Lembro-me de muitas dessas histórias que vivi em sala de aula desde a primeira turma, há 31 anos. Essa trajetória renderia um livro com 31 capítulos espetaculares, um para cada ano de magistério. Seriam páginas repletas de passagens alegres e outras nem tanto, mas de muito trabalho e aprendizado. Mas, com certeza, os episódios que mais me marcaram foram com alunos que apresentaram algum tipo de dificuldade.
Ano passado, contei uma dessas histórias em um post sobre a trajetória do meu querido aluno Ariel, que conseguiu sair da hipótese silábica para a alfabética no 2º ano. E neste ano, quero compartilhar com vocês mais histórias como essas, trazendo para o blog um pouco do meu dia a dia na escola.
Gostaria de fazer isso em forma de um diário de classe sobre alfabetização, mas, infelizmente, escrever diariamente não é possível – como você sabe, a vida de professora é repleta de afazeres.
Mas resolvi adaptar a proposta e contar, a cada mês, a trajetória de aprendizagem de dois alunos que estão comigo atualmente nas turmas em que leciono. Será muito bom falar das minhas ansiedades, dúvidas, dificuldades, erros, acertos e estudos para encontrar estratégias que ajudem esses pequenos.
Vou começar contando as histórias de duas crianças, mas, como o processo de alfabetização está em andamento, deixarei para contar os nomes deles futuramente, com uma pequena entrevista em que contarão a vocês tudo o que aconteceu e o que aprenderam. Será uma surpresa maravilhosa! Vamos lá.
Esse é aquele tipo de garoto completamente irrequieto que exige atenção, limites e carinho. Com 7 anos e na hipótese silábica com valor sonoro, o menino não participa das atividades adequadamente, não faz registros no caderno, não obedece a regras e combinados da turma, atrapalha o desenvolvimento da aula, não consegue organizar seu material, entre outros problemas.
O que fiz até aqui
No primeiro mês de aula, fevereiro, fiquei exausta ao tentar fazer com que ele mudasse de atitude e participasse da aula de forma mais tranquila. Conversei com a mãe e a professora dele do ano passado para saber mais sobre o menino. E pelo que elas me contaram, ele é uma criança rebelde, difícil de lidar.
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Mas não desisti. Todo dia, conversava com ele tentando compreender e questionar suas atitudes, para criar um vínculo de confiança. Queria que percebesse que eu me importo com ele.
Ofereci atividades que exploravam linguagem oral, leitura, escrita na lousa e em folhas avulsas, trabalhando listas, textos de memória, canções e literatura infantil. A cada conquista na escrita, eu chamava a atenção do menino para a sua capacidade de aprender, e a cada pequeno gesto de sociabilidade, eu destacava a sua boa participação.
No meio do mês de março, começou a transformação. Um dia, ele chegou atrasado. Abriu a porta da sala delicadamente, pediu licença para entrar e disse até bom dia! Também passou a pedir o caderno para fazer as atividades, pois, nas palavras dele “não queria ficar para trás”.
Agora, em abril, a cada dia vem participando melhor das atividades em sala de aula. Consegui até que ele contribuísse em um trabalho de escrita de textos acumulativos e lengalengas em grupos!
Em alguns dias, ainda volta à rebeldia, mas percebo que essas ocorrências estão cada vez mais raras. O garoto está avançando, pois agora está mais calmo para aceitar e entender as propostas. Ele já consegue escrever textos de memória, apresentando escritas com mais qualidade, rumo à hipótese silábico-alfabética. Isso demonstra que demonstra que, na verdade, não havia dificuldades de aprendizagem.
Muitas pessoas da escola já perceberam essa transformação. Para ser sincera, me sinto cansada, mas satisfeita e feliz com a mudança. Porém, sei que essa atenção especial a ele deve perdurar o ano todo. E quando não dou conta, peço ajuda da minha coordenadora.
Agora, quero falar a vocês sobre essa querida menina de 7 anos, que estava na hipótese pré-silábica. O grande problema é que ela acredita que não pode aprender. Se diz “burra”, acha que nunca vai conseguir e, talvez por isso, não se sente motivada a registrar as atividades no caderno. É educada, quieta e extremamente sossegada, mas fica nervosa, agitada e chorosa ao ter que realizar as atividades de leitura e escrita.
O que fiz até aqui
Desde os primeiros dias de aula, percebi a falta de autonomia da menina para realizar todas as atividades em sala de aula. Eu tinha que explicar tudo várias vezes. Mas comecei a perceber que, na maior parte dos casos, essa atitude não expressava uma dúvida real, mas um hábito proveniente da falta de concentração.
Minhas intervenções pedagógicas a respeito das escritas causavam pânico nela. Escrever no caderno era um momento de grande sofrimento! Tudo era feito a muito custo e, muitas vezes, em meio ao choro.
Em março, conversei com a mãe para poder entender o porquê daquele comportamento. Ela disse que desde a Educação Infantil a menina era assim. Depois dessa conversa com a mãe e de muita observação na sala de aula, cheguei à conclusão de que a menina não tinha confiança em si mesma e sentia um medo muito grande de não aprender. Seu tempo de aprendizagem era outro, mais devagar, mas havia potencial para avançar.
Resolvi, então, oferecer também a ela atividades parecidas com as que ofereci ao primeiro aluno, acrescentando trabalhos de escrita com letras móveis, como as que sugeri em um outro post. A cada pequeno avanço, eu fazia questão de ressaltar a capacidade de aprender, confrontando as ideias que ela tinha sobre si mesma.
Em alguns momentos, parecia que ela não estava aprendendo. Em outros, dava sinais de avanço. Tive muita paciência, mais fui firme e cobrei sempre o melhor na realização de todas as atividades. Lemos e escrevemos muito. Trouxe-a para mais perto de mim nas aulas.
Não foi fácil, mas aos poucos os registros no caderno melhoraram e já não são tão sofridos. Percebo que ela está mais feliz e demonstrando avanços lentos, mas bem expressivos. Neste mês, já avançou para a hipótese silábica com valor sonoro.
Por enquanto, é isso. Muitas vezes não temos clareza das reais dificuldades dos nossos alunos, o que nos causa angústia, frustração e exige muito trabalho para identificar o problema. Percebo que cada vez mais tenho que exercitar minha paciência e capacidade de empatia. Mas vamos em frente! Até o final do ano letivo, vou conseguir alcançar meu objetivo, que é fazer com que toda a turma chegue à base alfabética, e contar tudo para vocês!
Aliás, estou bem curiosa: quais as dificuldades que vocês estão enfrentando na alfabetização dos seus alunos neste ano? Quais ações estão adotando para superar esses obstáculos? Conte aqui nos comentários!
Um beijo e até a aproxima segunda-feira!
Mara Mansani
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