Rompa com o discurso que enfatiza as dificuldades, observe sempre a possibilidade. Ela está lá
O professor Fábio Augusto Machado tem uma predileção por trabalhar na periferia, onde a questão social é um desafio. Apesar das limitações que encontra, ele não deixa de acreditar no potencial do aluno
“Quando eu era garoto, sentia um prazer enorme em brincar de escolinha com meus irmãos. Adorava passar matéria e prova. Mas com o tempo, deixei um pouco de lado a proposta de ter carreira docente. Acabei me encantando pela Geografia, queria seguir a área ambiental. Quando comecei a dar aulas, havia uma promoção agendada em um grande banco nacional. Gosto de romper rótulos, então comecei na rede estadual na segunda pior escola da diretoria de Osasco, onde moro. Criei uma identificação absurda e naquele ano abandonei o banco para ganhar um terço do salário.
A rede pública apresenta muitos desafios. A escola de Osasco (cidade na Grande São Paulo) era muito grande, com 20 turmas por período, ou seja, 60 no total, quase 2 mil alunos. Eu ficava muito triste de ver o estado de deterioração do lugar. Não tenho problema em contar que fiquei um mês afastado por conta de um processo depressivo. Ficava angustiado por não conseguir tirar os alunos das drogas. Aquilo me deixou muito mal, mas ficar em casa me deixava ainda pior.
Voltei depois de um mês de licença e a diretora me convidou para ser coordenador. Isso não é nada comum, ao contrário, eu achei que ficaria rotulado. Mas ela me disse: “A gente sabe por que você ficou doente e como coordenador você vai poder fazer mais.” Funcionou porque eu gosto de dificuldade, a luta me move. Lá eu tinha muitas limitações, ainda assim consegui implantar o grêmio estudantil.
Logo senti falta da sala de aula, por isso prestei concurso para o município e, em 2013, entrei na escola Marili Dias, municipal, sem deixar de ser coordenador no estado. O Ideb da unidade, localizada na periferia de São Paulo, era semelhante ao de outras, mas a escolhi porque lá havia espaço para trabalhar com projetos. Pesquisei e vi que a professora Suzy Mendes tinha publicado um livro com escritos dos alunos – o Quizomba Literária.
Tenho uma predileção por trabalhar na periferia, a questão social é um desafio. A penetração das drogas é barra pesada e existe um isolamento, o poder público é distante. Quando a mídia mostra a periferia, ela glamouriza a pobreza e isso me incomoda. Na escola, existem limitações de infraestrutura e toda semana falta água.
O professor ganha muito mal, precisa ficar acumulando cargos ou funções para pagar as contas. Isso afeta a qualidade do trabalho. Mas o que me faz persistir na docência é a resposta que se obtém dos estudantes, a troca que acontece com o convívio e como você mostra possibilidades e participa do processo de descoberta deles. A educação é isso, já dizia Paulo Freire. É bacana ver que seu aluno percebeu a potência do conhecimento e começa a escolher caminhos que nem ele sabia que existiam. O vínculo que a gente cria com eles é um combustível tremendo.
Sou grato a Deus por encontrar um canal de comunicação com o jovem. É muito simples: ele quer ser ouvido. É preciso escutar o que ele tem a dizer e respeitar o pensamento dele. A sociedade é muito ensimesmada e tem dificuldade de enxergar a partir do ponto de vista do outro. Quando ganhei o Prêmio Educador Nota 10 fiquei me questionando... Puxa, eu fiz algo que era para todo mundo fazer e recebi o maior prêmio da Educação brasileira! Vejo isso como prova da carência de práticas que deveriam ser o padrão.
Para um professor que entra na carreira agora eu diria: acredite no potencial de seu aluno e siga em frente, você está lidando com o crescimento do ser humano e com a transformação em um mundo que precisa ser transformado. Se você desistir da Educação, está desistindo do seu país. Rompa com o discurso que enfatiza as dificuldades, observe sempre a possibilidade. Ela está lá! Não é pegar na mão, mas dar ao jovem as ferramentas para que ele siga com autonomia. Temos a potência de fazer isso.”
Fábio Augusto Machado, professor de Geografia na EMEF Professora Marili Dias no Morro Doce, na periferia de São Paulo, e Educador Nota 10 de 2016.