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Jornalismo

O que aprendemos com nossos alunos e o que aprendi com Marcos, um jovem surdo

PorNeurilene Martins

14/09/2016

Interior de uma sala de aula. Sete crianças de cerca de 7 anos e um professor negro com cerca de 35 anos estão sentadas em círculo no chão. Todos estão rindo.
 
“Quem educa marca o corpo do outro”. A afirmação, que dá título ao livro de Fátima Freire Dowbor, me faz refletir sobre a relação entre professor e aluno, sobre como cuido dessa relação na docência. Somos marcados por experiências cotidianas que vivenciamos com os estudantes e elas nos transformam todos os dias. Acredito que somos docentes melhores à medida que os escutamos e nos deixamos formar e educar pelas narrativas dessas crianças e desses adolescentes que fazem parte da nossa trajetória profissional.

Muitas dessas histórias, que ainda não estão escritas nos livros de Pedagogia, são referências valiosas para a formação e reflexão permanente do docente. Quando nós, professores, compreendemos que a aula pode se tornar um lugar de reinvenção e aprendizagem profissional, os rituais pedagógicos passam a se constituir – como deveriam – em encontros com os outros.

Planejamento, produção do material didático, elaboração de proposta de avaliação... todo esse arsenal pedagógico somente ganha sentido quando serve para qualificar e fertilizar esses encontros. Na minha classe no curso de Pedagogia, vivi a experiência de receber Marcos, um jovem surdo que se comunica por meio da linguagem dos sinais. Com ele, e com a turma que nos acompanhava, aprimorei muito o meu trabalho. Revi atitudes e procedimentos simples e complexos. Comecei a repensar meu deslocamento na sala de aula, passei a não desligar mais a luz da sala ao exibir vídeos já que ele precisava visualizar os sinais feitos pela intérprete de libras, me acostumei e aprendi a realizar diálogos simultâneos (eu, ele e a intérprete), adaptei o acompanhamento das aprendizagens e passei a flexibilizar os conteúdos.

Todos os dias, caminhando para a escola, temos certeza de que a aula é um acontecimento. É nela que os encontros com os outros transformam hipóteses didáticas e propostas pedagógicas em currículo real, vivo. A existência do aluno como sujeito da aprendizagem é o que dá ao professor o lugar de quem aprende enquanto ensina. Paulo Freire reafirma isso no livro Pedagogia da Autonomia - Saberes Necessários à Prática Educativa, quando diz, belamente, que não há docência sem discência. Marcos me lembrou disso e trouxe mais poesia para o meu cotidiano.

Um abraço,
Neury

 

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