Um delicioso projeto para trabalhar textos instrucionais
PorMara Mansani
20/02/2017
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Jornalismo
PorMara Mansani
20/02/2017
Entre os vários projetos em alfabetização que já realizei, um deles tem sempre um lugar especial no meu planejamento. É o “Pãozinho nosso de cada escrita”. Já o fiz várias vezes, com alunos de todas as idades, das turminhas do Fundamental I à Educação de Jovens e Adultos (EJA), sempre com sucesso!
Esse é o projeto em que junto duas paixões minhas, cozinhar e alfabetizar. Herdei o gosto pela cozinha da minha avó paterna, Celina, de minhas tias e do meu próprio pai, José. Todos sempre cozinharam super bem! Hoje, o mundo da gastronomia está em alta, seja na internet ou nos programas de TV. E tenho a impressão de que muita gente quer aprender a cozinhar ou até se tronar um grand chef de cuisine, como dizem os franceses.
Mas uma coisa é certa: compartilhar receitinhas de doces e salgados é algo muito comum. E as receitas são um ótimo exemplo de textos instrucionais presentes nas práticas sociais. E, por serem tão presentes na nossa vida, precisam fazer parte da alfabetização.
Foi isso que me motivou, há muitos anos, a começar o “Pãozinho nosso de cada escrita”. Nele, consigo aliar conteúdos de Língua Portuguesa, Ciências e História à possibilidade de uma atividade prática deliciosa como a produção de pães caseiros na escola. Isso sem perder de vista o objetivo primordial: criar, em sala de aula, uma situação didática desafiadora que leve todos os alunos a refletir sobre a própria escrita e avançar no processo de alfabetização.
A partir desse objetivo principal, determinei algumas metas específicas para os estudantes:
Quando apresento o projeto, os alunos ficam encantados e ansiosos com a possibilidade de produzir seus próprios pães e depois comê-los. Não há bagunça nem confusão, e também não é difícil. É só explicar bem cada etapa e definir o papel de cada um que o resultado será maravilhoso. Aqui, vou contar como foi essa experiência na turma do 2º ano da EE Prof. Laila Galep Sacker, em Sorocaba (SP), mas sempre que posso realizo o projeto com as turmas de 1º ano.
Vamos às etapas:
1ª etapa: Introdução ao tema
Após a sondagem diagnóstica para identificar quais as hipóteses de escrita de cada aluno, o primeiro passo é contextualizar e ambientar o projeto. Começamos pela leitura dos livros As viagens de um pãozinho, de Sérgio Meurer, Que delícia de bolo, de Elza Calixto e Sílvia Calixto (que também fala sobre o uso do trigo) e O paradeiro do Padeiro, de Marco Miranda.
Também exibo um vídeo da TV Escola, chamado De onde vem o pão?, disponível aqui. Esse vídeo mostra, com uma linguagem simples, uma síntese sobre a história do pão na humanidade (aliás, ele faz parte da série De onde vem?, que explica a origem de várias outras coisas – é um excelente material para usar em sala de aula).
2ª etapa: Higiene e limpeza
Planejei uma aula só para falar da higiene para a fabricação de alimentos. Além de ser importante para produzir os pães sem risco de contaminação, é uma oportunidade para falar sobre higiene pessoal de forma geral, com orientações sobre a limpeza de unhas, mãos e roupas, e sobre o uso de toucas e aventais. Com uma pesquisa rápida na internet, você encontrará vários slides, vídeos e cartilhas com esse tipo de orientação.
3ª etapa: Tipos de pães
Fiz uma apresentação, utilizando slides que também encontrei na internet, sobre os vários tipos de pães no mundo. Em seguida, os alunos escreveram uma lista com nomes de pães que eles já conheciam e com os que tinham estudado até ali. Cada aluno foi à lousa escrever o nome de um pão, o que proporcionou um bom momento para fazer intervenções pedagógicas na escrita deles. A opção de fazer isso com toda a turma permite que todos contribuam uns com os outros e confrontem hipóteses.
4ª etapa: Pesquisa com a família
Chegou a hora de envolver a família na conversa. A proposta era que os alunos pesquisassem com pais, tios e avós, a cultura e as tradições alimentares passados de geração em geração, e colhessem as receitas de pão caseiro de cada família. Lemos todas elas e levantamos suas características em comum. As crianças percebem facilmente as características de um texto instrucional, como o uso dos verbos, sem necessariamente nomeá-los. Nas turmas mais velhas, já é possível aproveitar o momento para estudar melhor essas palavras do ponto de vista gramatical.
5ª etapa: A esponja
Muitas pessoas acreditam que não são capazes de fazer um bom pão. Mas, na verdade, qualquer receita cresce e fica macia se você usar a técnica da esponja. A técnica consiste no seguinte: preparar primeiro, em uma bacia, a mistura do fermento biológico na quantidade especificada na receita com um punhado de açúcar, um copo de água morninha e farinha suficiente para fazer uma meleca pegajosa, que deve ser coberta e colocada para descansar por mais ou menos oito minutos. Ao abrir a massa, a ação do fermento terá feito a mistura crescer, deixando-a com o aspecto de uma esponja de cozinha mesmo. Depois, é só acrescentar o restante dos ingredientes e prosseguir o processo. Garanto que seu pãozinho ficará uma delícia.
É nessa etapa que explico tudo isso às crianças, mas de forma mais aprofundada. Explico como se dá a fermentação e por que o pão cresce com ela. Faço esse experimento alguns dias antes da produção dos pães e depois repito no dia da produção.
Outra coisa que fazemos é escrever o passo a passo da esponja. Os alunos ditam o texto e eu, como escriba da turma, coloco os questionamentos de forma que o texto fique bem escrito e inteligível. A receita da esponja, escrita dessa maneira, será usada como fonte de consulta na hora do preparo do pão.
6ª etapa: Escolha da receita
Na hora de estudar as receitas de pães doces e salgados que vamos produzir, aproveito para explorar com a turma alguns clássicos da literatura infantil. Divido a classe em grupos (os mesmos que irão produzir os pães) e, para cada um, dou um livro para leitura coletiva. Eu auxilio os alunos quando necessário. Desta vez, selecionei os seguintes títulos: A fábula dos porcos espinhos, A festa no céu, Menina bonita do laço de fita e A galinha ruiva. Após a leitura, cada grupo apresenta o livro lido para a turma e, então, conto a eles que, além de produzirem seus próprios pães, eles poderão fazê-los no formato de personagens da história. As crianças ficam super empolgadas e escolhem os personagens que virarão pão. Assim nascem a tartaruga de A festa no céu recheada de goiabada, o coelho Menina bonita do laço de fita com coco, os porcos espinhos e passarinhos de queijo, tomate e orégano. Tudo lindo e gostoso!
8ª etapa: Mão na massa
De toucas e aventais limpos, utensílios em ordem, atentos às minhas orientações, os alunos cumprem o passo a passo da produção do pão com organização. A massa sendo sovada por aquelas mãos quentes e pequeninas crescem e são modeladas. É uma grande brincadeira de massinha.
As crianças fazem tudo, só não participam diretamente do manuseio da água quente e do forno, para evitar qualquer acidente. Tudo é preparado na sala de aula e depois, com a ajuda das merendeiras, levo os pães para assar na cozinha da escola.
9ª etapa: Degustação
Essa dispensa explicações. Só de imaginar aquele cheirinho de pão pela escola você já imagina o quanto todo mundo adora essa parte, não é? Ah, e é claro que dividimos o lanche com todos os alunos!
10ª etapa: Escrita coletiva
Por fim, escrevemos juntos (eu, mais uma vez, de escriba), as receitas para levar às famílias. Lemos também textos informativos sobre o glúten, a origem dos pães, entre outros, que encontrei no site da Inviviofiocruz. Em grupos, com meu auxílio, as crianças produzem textos do tipo “Você sabia?”, a partir das principais informações encontradas nas leituras.
E assim temos “O pãozinho nosso de cada escrita”, esse projeto em que todos os envolvidos gostam muito de participar. Além de ser muito positivo e efetivo no avanço em leitura e escrita dos meus alunos, confesso que esse trabalho me emociona muito, pois ver aqueles pães produzidos pelos pequeninos é muito especial.
E você, querido colega, já realizou algum projeto assim? Conte aqui nos comentários! Compartilhe conosco as suas experiências.
Um grande abraço e até a próxima!
Mara Mansani
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