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Jornalismo

 Ilustração: Milton Trajano

Chegara, enfim, o último dia de aula. Havia sido uma longa
trajetória até ali. Mas, agora, o professor observava com
ternura os alunos à sua frente, cada um voltado para seu
caderno, fazendo a lição que colocaria ponto final no ano
letivo. Então, agarrado à calmaria daquela hora, ele se
recordou do primeiro encontro com o grupo. Todos o miravam com
curiosidade, ansiosos por apanhar, como uma fruta, o
conhecimento que imaginavam lhe pertencia. Nem tinham idéia de
que aprenderiam por si mesmos, e que ele, mestre, não era a
árvore da sabedoria, mas apenas uma ponte que os levaria à sua
copa frondosa. Naquele dia, experimentara outra vez a emoção de
se deparar com uma nova turma, e o que o motivava a ensinar,
com tanta generosidade, era justamente o desafio de enfrentar
esse mistério. Sim, uma ponte. Uma ponte por onde transitassem
os sonhos daquelas crianças, o movimento incessante de seus
desejos, o ir e vir de suas dúvidas, o vaivém do aprendizado em
constante algaravia.

Lembrou-se da dificuldade da Julinha nas operações de
multiplicar. O resultado correto era um território que ela nem
sempre conseguia atingir. Mas, agora, a garota estava lá,
segura da direção que deveria tomar. Ele fizera a ponte. O que
dizer da distância entre o José e o Augusto no início do ano,
ambos se temendo em silêncio, deixando de desfrutar da aventura
de uma grande amizade? Com paciência, ele os unira. Desde
então, não se desgrudavam. Podia vê-los dali, de sua mesa, um
ao lado do outro, concentrados em fazer a tarefa. Já a Maria
Sílvia, dona de uma letra redondinha, ainda há pouco lhe dera
um sorriso. Antes, contudo, vivia irritada, a letra sem apuro,
só garranchos. Fizera a ponte para ela. Mateus, à sua frente,
detestava Ciências e fugia das aulas no laboratório. Talvez
porque só via dificuldade na travessia e não as maravilhas que
o esperavam no outro extremo. O professor estendera-lhe a mão e
o conduzira, até que, subitamente, ele se tornara o melhor
aluno naquela matéria. Tinha também a Alessandra, tão
silenciosa e tímida. Ia bem nos primeiros meses e, depois, o
rendimento caíra. Ele descobrira que os pais dela viviam em
conflito. Alertara-os para que dessem mais afeto à filha, e eis
que ela florescera, voltando a ser uma boa aluna.

E lá estava, nas últimas fileiras, o Luís Fábio. Notara suas
limitações e construíra uma ponte especial para ele, mas o
menino não conseguira atravessá-la. Era assim: para alguns,
bastavam uns passos; para outros, o percurso se encompridava. O
professor suspirou. Fizera o seu melhor. Lembrou-se das
palavras de Guimarães Rosa: "Ensinar é, de repente, aprender".
Sim, aprendera muito com seus alunos. Inclusive aprendera sobre
si mesmo. Aquelas crianças haviam, igualmente, ligado pontos em
sua vida. Agora, seguiriam novos rumos. Haveriam de encontrar
outras pontes para superar os abismos do caminho. Ele
permaneceria ali, pronto para levar uma nova classe até a outra
margem. E o tempo, como um viaduto, haveria de conduzi-lo à
emoção desse novo mistério.

Conto de João Anzanello Carrascoza
Ilustrado por Milton Trajano

Avalie seu desempenho

É tempo de refletir. Faça um balanço dos acertos e equívocos
que marcaram o ano letivo


Mais um calendário escolar cumprido. Estudantes em férias,
professores idem. Descanse, divirta-se e... reserve um tempinho
para uma reflexão sobre o ofício de ensinar. A pedido de NOVA
ESCOLA, o escritor João Carrascoza criou o conto Apenas uma
Ponte, em que um educador vislumbra os sucessos e fracassos
colecionados ao longo de quatro bimestres. Com base no texto, a
professora Teresa Cristina Rego, da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, propõe questões que podem ajudar
você a pensar na profissão e no convívio com os alunos. Convide
os colegas para essa aventura. Discutir coletivamente os
acertos e equívocos é um poderoso instrumento para melhorar
toda a escola.

A importância da dúvida

Logo após a leitura do texto, cada um deve pensar na própria
escolarização e nos mestres que marcaram essa trajetória. O que
os fez sobressair entre os demais? Provavelmente alguns serão
lembrados por aspectos positivos e outros, pelos negativos. O
exercício permite que o educador perceba a responsabilidade que
tem na vida dos alunos. Quem não teve um professor querido, que
destacou a importância da dúvida e da inquietação na busca do
conhecimento?

Após um ano de convivência com os estudantes, você conhece as
conquistas e dificuldades do grupo. Também é capaz de notar
movimentos individuais, às vezes sutis, nas relações que eles
estabeleceram entre si e com os objetos de estudo. Registre
essas impressões. Avalie as etapas vividas com a classe. Quais
foram as principais vitórias? E os obstáculos mais duros? Por
que eles existiram? Que aspectos do trabalho docente precisam
ser aprimorados?

Tenha em mente que todas as turmas são heterogêneas. Alguns
alunos podem ter a mesma origem ou idade, mas cada um tem a
própria história e estabelece relações diversas com o saber.
Nessa riqueza residem a graça, as dificuldades e os desafios da
docência. Como auxiliar nos diferentes processos de construção
de conhecimento? Como contribuir para a formação crítica de
cada um? Como não subestimar nem superestimar as capacidades e
potencialidades individuais? São perguntas cruciais que devem
ser feitas diariamente. Esse balanço final permite um olhar
"longitudinal". Em geral avaliamos o desempenho dos alunos com
base na média da classe e no que é esperado em determinada
série. Claro, esses são parâmetros importantes. A análise,
porém, só se completa quando consideramos as conquistas dos
alunos com base em um diagnóstico inicial. Se comparado com a
média, o desempenho deste ou daquele pode ser insuficiente, mas
seu percurso individual certamente indica os caminhos para
alcançar um rendimento altamente satisfatório.

Vale ressaltar ainda que o mundo contemporâneo impõe novas
demandas ao professor. Cabe a você transmitir o legado
acumulado pela sociedade, levar as crianças a dominar
informações de diversas áreas do conhecimento e,
principalmente, aprender a construir conhecimentos fora do
ambiente escolar. Em última instância, o mestre acumula também
a tarefa de colaborar na formação de cidadãos críticos,
sensíveis e criativos. Assim, é fundamental seu papel na
produção do fracasso ou do sucesso escolar da meninada. A
responsabilidade sobre os resultados, no entanto, é coletiva.
Em que medida você e seus colegas participam dessa realidade? A
reciclagem e o aperfeiçoamento contínuo estão entre as metas de
todos? Que expectativas vocês têm em relação às turmas do ano
que vem?

Quer saber mais?

Teresa Cristina Rego, Av. da Universidade, 308, CEP 05508-900,
São Paulo, SP, tel. (11) 3091-3195, e-mail: teresare@usp.br

 

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