O teatro ensina a viver
A turma perde a timidez, amplia os horizontes culturais e trabalha bem em grupo quando a arte cênica faz parte do currículo
PorPaulo Araújo
06/03/2018
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Jornalismo
PorPaulo Araújo
06/03/2018
Mesmo sem se dar conta, todos os dias ao entrar na sala de aula você e seus alunos tomam emprestados alguns recursos da linguagem teatral. Ao ler um conto em voz alta, os estudantes naturalmente impostam a voz e mudam a entonação marcando os diferentes personagens. Para manter a atenção da turma em suas explicações é bem provável que você imponha ao corpo uma postura mais rígida, abuse dos gestos e capriche nas expressões faciais. Mas o teatro pode ser usado também como uma ferramenta pedagógica. "Uma das grandes riquezas dessa atividade na escola é a possibilidade do aluno se colocar no lugar do outro e experimentar o mundo sem correr riscos", avalia Maria Lúcia Puppo, professora de licenciatura em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo (USP). E são muitas as habilidades desenvolvidas com essa prática.
O contato com a linguagem teatral ajuda crianças e adolescentes a perder continuamente a timidez, a desenvolver e priorizar a noção do trabalho em grupo, a se sair bem de situações onde é exigido o improviso e a se interessar mais por textos e autores variados. "O teatro é um exercício de cidadania e um meio de ampliar o repertório cultural de qualquer estudante", argumenta Ingrid Dormien Koudela, consultora do Ministério da Educação na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na área.
"A escola não precisa de um espaço com poltronas confortáveis ou ricos figurinos para montar uma peça", avisa a atriz e orientadora pedagógica Beth Zalcman, da Escola Eliezer Steinbarg-Max Nordau, do Rio de Janeiro.
O professor Leandro Karnal, da Universidade de Campinas, vai no mesmo caminho que Beth. Ele lembra que ainda durante a época colonial os jesuítas já utilizavam o teatro como exercício escolar com bons resultados e sem grandes recursos. "Cabe a cada professor descobrir os recursos necessários para o trabalho que pretende desenvolver. Mas o principal é sempre a criatividade", alerta.
A linguagem lúdica, multifacetada e pouco dependente da escrita é ideal para colocar em cartaz com a garotada espetáculos sobre a cultura local ou os acontecimentos cotidianos, por exemplo. A atividade desenvolve a oralidade, os gestos, a linguagem musical e, principalmente, a corporal.
A presença efetiva da arte de representar na educação brasileira é um fenômeno recente. O ensino de Educação Artística, regulamentado em 1971, sempre priorizou as artes plásticas. Com o passar do tempo, a aproximação entre escolas e grupos teatrais e o crescimento dos cursos de graduação em Artes Cênicas pelo país contribuíram para o aumento e a valorização do teatro em sala de aula.
Você pode incluir atividades baseadas nessa linguagem em seu planejamento e ir além. Uma forma é fazer parcerias com grupos de teatro da região. O contato com atores profissionais é muito rico. Ele possibilita a discussão sobre o aproveitamento dos espaços físicos da escola e o intercâmbio de idéias e experiências.
Vale a pena também ficar atento à programação cultural da cidade. Entre em contato com companhias teatrais e veja a possibilidade de trazê-las para a escola. E, se possível, leve a turma a uma sala de espetáculos para assistir a montagens profissionais. "O hábito de ir ao teatro também deve ser desenvolvido nas aulas de Artes", conclui Ingrid.
Fazer teatro na escola não é simplesmente encenar uma passagem da nossa história ou levar para o palco os personagens e a trama do livro lido pela turma no encerramento do semestre. De acordo com Tuna Serzedelo e Maíra Silveira, professores do Colégio São Luís, de São Paulo, trabalhar com a arte da representação exige conhecimento técnico. Por isso, para desenvolver um trabalho que introduza crianças e jovens nessa linguagem, os professores das diversas disciplinas devem se associar ao de Artes. Aprenda com a experiência da dupla.
Coloque a classe em contato com diversos livros de autores com estilos variados e observe o tipo de texto (tragédia, comédia, situações do cotidiano, mistério etc.) que mais chama a atenção do grupo.
Em uma encenação, podem ser transmitidos conhecimentos culturais, históricos, científicos ou morais, por exemplo, mas eles não devem ser vistos como objetivo, e sim como conseqüência. O ideal é que os alunos se envolvam com a trama e os personagens e sintam prazer em representar.
Peça que os estudantes façam um mapeamento dos folguedos populares, festas, autos e outras manifestações folclóricas que possam ser representadas na escola.
Evite montar um espetáculo que já esteja pronto e não busque se aproximar do que foi encenado por alguma companhia famosa. Incentive o grupo a criar suas próprias encenações. "Cada montagem é única", apregoa Serzedelo. O professor dirigiu uma adaptação feita pelos próprios alunos do Ensino Médio de O Caso dos Dez Negrinhos, da escritora inglesa Agatha Christie.
Deixe as crianças ousarem. Maíra já trabalhou com a garotada na montagem de uma peça que uniu elementos dos clássicos Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, e Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. O resultado foi o espetáculo Auto da Barca da Paulista, numa referência à famosa avenida da capital paulista, que passa próxima ao colégio. Ações como essas, sugeridas pelos adolescentes, têm maior chance de fazer sucesso.
Estimule a participação de todos os estudantes, sem exigir profissionalismo. Há os que falam baixo ou os que ficam de costas para a platéia. Mas todos podem aprender.
Fotografe e filme as encenações. Depois, convide a classe para analisar a montagem. Esse exercício de auto-avaliação serve para afinar as próximas apresentações.
Colégio São Luis, R. Rua Haddock Lobo, 400, 01414-902, São Paulo, SP, tel. (11) 3138 9600, internet:www.saoluis.org
Escola Eliezer Steinbarg-Max Nordau, R. das Laranjeiras, 405, 22240-002, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 2556-7797, internet: www.eliezermax.com.br
BIBLIOGRAFIA
Cem Anos de Teatro em São Paulo, Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas, 454 págs., Ed. Senac, tel. (11) 3284-4322, 55 reais
Jogos Teatrais, Ingrid Dormien Koudela, 155 págs., Ed. Perspectiva, tel. (11) 3885-8388, 22 reais
Quando Anchieta Chegou ao Brasil (Coleção Eu Era Criança), Leandro Karnal, 32 págs., Ed. FTD, tel. 0800-158555, 12,80 reais
INTERNET
No site www.eca.usp.br/prof/ingrid/ você conhece o trabalho da professora Ingrid Dormien Koudela
A página www.ctac.gov.br/tdb apresenta um banco de dados sobre vários teatros brasileiros.
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