Retratos da América recém-descoberta
Os alunos analisaram documentos, quadros, mapas e filmes para comparar a paisagem do Brasil e da América Central e pensar como seriam esses locais no século 16
POR: Wellington Soares, Beatriz Santomauro, NOVA ESCOLA





"Quais países da América Central vocês conhecem? E da América do Sul?" Essas perguntas foram feitas pelo professor Bruno Souza Santos para o 7º ano da EE Dorivaldo Damm, na zona rural de Limeira, a 150 quilômetros de São Paulo, diante de mapas políticos. Em seguida, ele mostrou aos alunos representações cartográficas elaboradas no século 16 e usadas pelos colonizadores europeus. "Minha intenção era que vissem detalhes interessantes nesses materiais, como a diferença entre os contornos dos continentes e até os monstros desenhados no oceano dos mapas antigos", explica. Alguns comentários dos estudantes, como "Eles não sabiam fazer mapa!" e "Não é assim! Aquela distância é menor!" foram pontos de partida para Santos falar do período em que tinham sido produzidos e do contexto.
Com essas atividades, o professor pôde notar os conhecimentos prévios dos alunos sobre essas duas Américas. Sua intenção era iniciar um estudo sobre a paisagem, conceito que se refere a tudo aquilo que se vê. Ou, de acordo com o geógrafo Milton Santos (1926-2001) no livro A Natureza do Espaço (392 págs., Ed. Edusp, tel. 11/3091-4008, 66 reais): "É o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam sucessivas relações entre homens e natureza". Para enfocar esse conteúdo, o professor elegeu os recursos didáticos que acompanhariam as discussões em sala. "Sabendo que analisaríamos a paisagem, precisávamos de materiais que nos ajudassem a visualizar terras, matas, animais, povos nativos e colonizadores", explica Santos (veja algumas imagens usadas na galeria).
Ele então apresentou os relatos dos viajantes: a carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) para o rei de Portugal em que conta como era o Brasil recém-descoberto e os textos de Hernán Cortés (1485-1547) para o governante da Espanha que falam da relação com os habitantes da América Central. Em seguida, dividiu a turma em pequenos grupos, que deveriam ler e compreender a linguagem rebuscada de diferentes trechos e depois apresentar o conteúdo a seus colegas. "Essa maneira de organizar os alunos foi muito produtiva. Inicialmente eu tinha considerado separar a classe toda em apenas dois grupos, mas achei que as discussões perderiam o foco e prejudicariam a aprendizagem."
O parágrafo da carta de Caminha que mais chamou a atenção dos estudantes foi o que destacou os aspectos físicos brasileiros: "Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá muitos nesta terra (...) Alguns diziam que viram rolas; eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!"
Já entre as diversas cartas enviadas por Cortéz ao rei espanhol, os alunos observaram a violência diante dos nativos, como as frases que dizem: "Queimei seis povoados e prendi e levei para o acampamento quatrocentas pessoas, entre homens e mulheres, sem que me fizessem qualquer dano. (...) Antes do amanhecer do dia seguinte tornei a sair com cavalos, peões e índios e queimei dez povoados, onde havia mais de três mil casas".
Diante da nova situação, a mudança de rumo
Na aula seguinte, quando Santos procurou recuperar o que havia sido discutido, se deparou com um fato inesperado: as crianças não se lembravam de detalhes importantes do conteúdo. Diante disso, pediu que passassem a registrar, no fim de todos os seus encontros, o que foi aprendido naquele momento - tanto o que ele destacava quanto o que os próprios alunos consideravam essencial. "O resultado positivo foi imediato. Quando os estudantes retomam as anotações, relembram o que foi falado. Se ainda assim noto a necessidade de reforçar algum ponto não aprendido por todos, peço que alguns leiam em voz alta seus registros para os demais", conta.
A próxima etapa foi a análise de diversos desenhos e pinturas feitos no período das descobertas da América Central e do Brasil, sempre comparando com as informações dos relatos dos viajantes e dos mapas agora já conhecidos pela turma. Durante a observação das imagens, Santos notou novos e interessantes comentários dos alunos: "Parece que colonizadores e colonizados viviam em outro mundo, com tantas roupas e meios de transporte diferentes!" e "Na América Central tinha tantas construções!", disse outro. O professor concordou que a urbanização era mesmo maior, mas que isso não era "melhor" ou "pior" do que o Brasil. E fez uma nova proposta: assistiriam a filmes sobre o descobrimento da América Central, como Apocalypto (Mel Gibson, 139 min, Fox, tel. 11/2505-1732) e 1492: A Conquista do Paraíso (Ridley Scott, 154 min, Spectra Nova, tel. 11/3103-9900), além de documentários sobre o Brasil. "Escolhi trechos que mostravam a paisagem e os costumes", explica. Para finalizar, elaboraram um relatório sobre o que aprenderam.
Para Regina Araujo, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), essa variedade de recursos é essencial: "A análise de documentos de diferentes naturezas amplia a visão dos alunos sobre aquela paisagem estudada". Ao trabalhar com relatos e imagens, porém, é essencial deixar claro que são uma versão dos fatos. "Artistas e descobridores enxergavam a paisagem de maneiras diferentes. O aluno pode construir sua própria interpretação do local, já que aquela paisagem mudou com o tempo."
Essa sequência didática é resultado de muito estudo. Santos fez uma especialização a distância, e um dos módulos foi sobre a América Latina. Com base no material que conheceu, desenvolveu essa e outras maneiras de trabalhar.
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