Polígonos e ângulos entre vigas e colunas
Ao analisar as casas enxaimel, construções típicas em Joinville, a classe de Valkiria Grun Karnopp aprendeu geometria
01/03/2013
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Jornalismo
01/03/2013
A caminho da escola, a turma do 8º ano da EM Governador Pedro Ivo Campos, em Joinville, a 176 quilômetros de Florianópolis, passa por casas enxaimel. Essas moradias foram escolhidas por Valkiria Grun Karnopp para trabalhar diversas questões sobre polígonos. Isso porque as madeiras aparentes, que constituem a estrutura das habitações, são encaixadas na horizontal, vertical e diagonal, formando quadrados e triângulos, entre outras figuras. Elas são preenchidas posteriormente com tijolos ou um material entrelaçado, como a taipa e o barro, dando origem às paredes.
O estudo proposto por Valkiria tinha como objetivo a resolução de problemas de geometria envolvendo as regras de construção das moradias em questão. Ela queria que a moçada se debruçasse sobre os ângulos e outros conceitos, como a área, e analisasse as particularidades que envolvem a elaboração da estrutura. Evidentemente, não é necessário morar em Joinville ou ter essas casas no entorno para usá-las como ferramenta de aprendizagem (leia a entrevista com o pesquisador Hector Ponce na próxima página). Fotos e plantas arquitetônicas podem ser utilizadas nas aulas. Também é possível lançar mão de portões, janelas e pontes que tenham características semelhantes.
"No início da sequência didática, antes de tratar das retas e dos ângulos presentes no estilo enxaimel, os alunos estudaram círculo e circunferência: a diferença entre eles e os conceitos de raio e diâmetro", diz Valkiria. Eles analisaram a relação entre o comprimento (c) e o raio (r) da circunferência e concluíram que o resultado sempre é um número irracional que vale aproximadamente 3,14, chamado ? (pi). A turma também usou objetos circulares, como roda de bicicleta e CDs, e analisou a fórmula c = 2?r. Para Dermeval Cerqueira, professor das Faculdades Guarulhos e das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), a validade de atrelar os dois conteúdos (polígonos e círculos) se dá porque o ângulo é uma medida derivada da circunferência, que, dividida em 360 partes iguais, dá origem aos graus. "O ângulo representa a inclinação entre duas semirretas com o mesmo ponto de origem", explica.
O passo seguinte foi convidar a garotada a observar a estrutura das casas. Depois de propor uma pesquisa e dar uma aula expositiva, a educadora conduziu um debate sobre as figuras formadas nas paredes, cujo nome revela ter muitos ângulos: em grego, poli é "muitos", e gono, "ângulos". O que elas têm em comum e em que diferem? Os lados têm medidas distintas? Isso implica em mudanças na área? Nesse momento, Cerqueira sugere explorar a nomenclatura do triângulo retângulo (hipotenusa e catetos).
Chegou a hora de os alunos produzirem o desenho de uma moradia, levando em conta o que tinha sido aprendido, e calcular a área das figuras, que pode ser usada para descobrir a quantidade de material necessária para preenchê-las (leia na próxima página). A maioria do grupo já sabia que a área do quadrado é lado vezes lado. "Sugeri dobrá-lo em duas partes, de modo a formar dois triângulos, e perguntei o que poderia ser deduzido. Os alunos explicaram que os triângulos formados têm a metade da área do quadrado: base vezes altura, dividido por 2", conta Valkiria. Ela também trabalhou outros polígonos com estratégias semelhantes. No caso do trapézio, depois de identificar as bases, os jovens construíram a fórmula (base 1 + base 2) vezes a altura, dividido por 2. Enquanto eles calculavam, a professora circulou pela sala verificando os desenhos e fazendo intervenções sobre o posicionamento das vigas e das colunas. Conforme a posição, elas não garantiriam a sustentação. "Sugeria que o estudante observasse a foto de uma casa real e identificasse padrões, como o modo com que as madeiras são apoiadas e os ângulos que formam, e comparasse com sua produção", diz. Concluída a atividade, ela elegeu alguns desenhos para avaliar coletivamente. Por fim, para sistematizar os saberes, propôs um jogo sobre as propriedades dos polígonos e os problemas com as figuras em situações diversas.
As avaliações realizadas no decorrer do trabalho revelaram a evolução da moçada. "Antes, quando pedia para os estudantes calcularem a área de uma figura, eles perguntavam: ‘É para somar ou multiplicar?’, expressando dúvidas típicas de quem memoriza algo sem entender." Agora, todos sabem o que está envolvido em cada fórmula e o motivo.
Essa sequência didática é muito valiosa, segundo Cerqueira, porque os alunos pesquisaram, discutiram conceitos e cálculos e entenderam bem a função de cada algoritmo. As atividades fizeram com que eles precisassem buscar soluções para problemas, checassem possibilidades e construíssem generalizações - o dito fazer matemático -, tão importantes para que todos aprendam de verdade.
Curti
"Desenhando uma casa enxaimel, estudamos vários conceitos matemáticos e entendi o que há por trás das fórmulas."
Ana Carolina Tonon, 14 anos
A casa enxaimel e algumas questões para problematizar
A produção do aluno, mesmo sem obedecer às regras de construção, rendeu uma boa análise
- Questione os jovens sobre a falta de madeiras horizontais. Peça que antecipem o que isso pode acarretar. Eles devem concluir que duas colunas não têm sustentação garantida se não houver uma viga entre elas, para uni-las.
- Para que as paredes e o telhado sejam estruturados, a casa precisa de uma madeira na vertical a cada 1,40 metro. Conhecendo a regra, oriente a classe a analisar e reformular o desenho, usando valores proporcionais. Aproveite para discutir o conceito de escala.
- Cada parede tem de ter no mínimo duas madeiras na diagonal (à direita e à esquerda). Cada uma delas é a hipotenusa dos triângulos retângulos formados. Indicando a medida dos lados, peça que os alunos calculem essas diagonais usando o Teorema de Pitágoras.
- O telhado precisa formar um triângulo retângulo isósceles. Peça que o grupo busque a localização do ângulo reto (superior) e calcule o valor dos demais (45°) e da inclinação (45°).
Consultoria Paulo Volles, carpinteiro de casas enxaimel e autor do site.
"Às vezes utilizamos o contexto. Às vezes não"
Para a aprendizagem significativa, os conteúdos precisam ter aplicações práticas?
Hector Ponce O ensino da Matemática tem um valor formativo em si, que vai além da sua utilidade prática. Mostrar que um conceito se desenvolve no cotidiano é interessante, mas justificar com esse argumento a existência de uma disciplina pode acarretar riscos muito sérios. O principal é alimentar a ideia de que a escola pode acabar quando os estudantes têm condições de resolver algumas situações do cotidiano. E isso pode ocorrer cedo, quando os alunos aprendem a resolver operações básicas. Outros riscos são: a impossibilidade de incorporar conteúdos de difícil vinculação a contextos do dia a dia e o deslocamento do objeto de estudo dos conhecimentos matemáticos para as situações da realidade.
Em que o ensino da Matemática vai além do utilitário na vida?
Ponce Às vezes, utilizamos o contexto. Às vezes não. Há aspectos que ultrapassam uma visão mais utilitarista ou de uso imediato: têm a ver com aprender uma forma de trabalhar na disciplina. Por exemplo, aprender a encontrar maneiras de saber se um resultado está certo, estabelecer relações entre conhecimentos que aparentam estar desvinculados e desenvolver o gosto por pensar e resolver uma situação desafiante só pelo entusiasmo de encontrar a resposta. Tudo isso, juntamente com os objetos que identificamos pelos nomes mais conhecidos da disciplina, como divisão, proporcionalidade e quadriláteros, algumas vezes é abordado em situações com um contexto cotidiano e, em outras, puramente matemático.
Como a contextualização pode limitar o desenvolvimento do conhecimento?
Ponce Na geometria, por exemplo, as representações ajudam a pensar: desenhar um quadrado permite inferir as propriedades do polígono, mas ele não é um objeto da realidade. É uma figura ideal. Os estudantes precisam entender isso.
Hector Ponce, professor e pesquisador de Didática da Matemática, na Argentina
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