Plano cartesiano com desafios progressivos
Ao explorar diferentes desenhos, a classe entendeu como usar o sistema de coordenadas
01/10/2014
Este conteúdo é gratuito, entre na sua conta para ter acesso completo! Cadastre-se ou faça login
Compartilhe:
Jornalismo
01/10/2014
Para entender um determinado conceito matemático, a garotada precisa ver sentido nele e saber utilizá-lo. Foi exatamente essa a ideia da professora Marlene Garcia Alves ao articular diferentes situações didáticas para trabalhar o plano cartesiano com o 8º ano do CEEMF Vale do Saber, em Apucarana, a 362 quilômetros de Curitiba. Ao superar desafios cada vez mais complexos, os estudantes aprimoraram os conhecimentos sobre o assunto. Para isso, colocaram em prática a capacidade de refletir sobre situações-problema e de elaborar estratégias para resolvê-las com autonomia.
Nomeado em referência ao filósofo francês René Descartes (1596-1650), o plano cartesiano é um sistema de localização de pontos usado em diversos contextos, por exemplo, na elaboração de gráficos, no planejamento de construções - em plantas arquitetônicas - e como base para serviços de GPS. No decorrer da sequência didática, os estudantes de Marlene aprenderam esse conteúdo da geometria analítica e o aplicaram na formação de diferentes figuras, incluindo fachadas de casas das redondezas.
A professora iniciou o trabalho com uma aula expositiva, em que apresentou o sistema de coordenadas, as características dele e os principais conceitos envolvidos. Segundo Saddo Ag Almouloud, coordenador da área de pós-graduação em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também é possível fundamentar a teoria com o uso de outras estratégias. "Os próprios alunos podem descobrir o que é o plano cartesiano por meio dos usos que já fazem dele, como em mapas."
No quadro, Marlene mostrou que o plano é formado por duas retas perpendiculares: uma horizontal (chamada de eixo das abscissas e representada pela letra X) e uma vertical (o eixo das ordenadas, simbolizado pelo Y). Em cada uma delas, são encontrados os números reais. O local em que se cruzam corresponde ao zero de ambas (veja a primeira imagem da galeria). De modo parecido com um jogo de batalha naval, é possível localizar no plano qualquer ponto (identificado por uma letra), usando para isso um par ordenado - escreve-se primeiro o número correspondente à posição no eixo X seguido pelo relacionado ao eixo Y, a exemplo de: A (2,3).
Na etapa posterior, os estudantes aplicaram essa ferramenta por meio de atividades variadas, em que o conteúdo era aprofundado gradativamente. Como primeira proposta, Marlene deu a eles uma lista de coordenadas e solicitou que, em um papel quadriculado, encontrassem os pontos correspondentes a elas no plano cartesiano. Em seguida, deveriam ligá-los com retas, formando figuras. Nesse momento, a tarefa foi feita individualmente. Os desenhos encontrados representavam figuras geométricas planas, como retângulos e triângulos. "Como são formas mais simples, requerem uma quantidade pequena de pontos para serem feitas", explica a docente.
Quando a turma já dominava o desenho de planos, Marlene aumentou o grau de dificuldade da atividade. Com os pares ordenados dados por ela, todos precisaram formar representações de objetos geométricos, como poliedros, que envolviam mais pontos e retas para ser elaborados. A professora também controlou a complexidade dos desafios selecionando a localização dos pontos no plano cartesiano para que os alunos passassem a explorar todos os quadrantes dele.
Essa estratégia de Marlene pode ser associada à teoria do pesquisador francês Guy Brousseau. No livro Introdução ao Estudo das Situações Didáticas (128 págs, Ed. Ática, tel. 11/4003-3061, 32,90 reais), ele diz que "as variantes de uma situação relativa a um mesmo saber matemático podem apresentar grandes diferenças de complexidade e, em consequência, levar a diferentes estratégias ótimas e também a diferentes maneiras de conhecer um mesmo saber". No trabalho da professora, isso se reflete nas escolhas de situações-problema apresentadas aos alunos, que possibilitaram a eles pensar, mudar o comportamento em relação à questão enfrentada e, dessa forma, construir novos saberes.
As variações nos tipos de números que formavam os pares ordenados também auxiliou os jovens a consolidar conhecimentos sobre os conjuntos numéricos. Nas atividades iniciais foram usados apenas números naturais. Depois, a docente ampliou o conjunto para os racionais, propondo coordenadas compostas de valores decimais. Com isso, colocou a garotada diante de um novo desafio: como localizá-los nos eixos, numerados até então com inteiros?
Após discutirem coletivamente diversas possibilidades, os estudantes concluíram que cada número decimal deveria estar entre dois inteiros. "Ainda assim, continuou difícil encontrar os valores quebrados, pois não dá para saber exatamente onde colocá-los entre os quadradinhos", conta a aluna Denise Letícia das Dores, 15 anos. A solução encontrada foi usar dois quadrados da malha como intervalo entre os números inteiros, ampliando o espaço para fazer as marcações.
Foi a vez, então, de inserir valores negativos nos pares ordenados: primeiramente apenas em um dos eixos e, em seguida, nos dois. "Assim, os desenhos começaram a cruzar os eixos", explica Marlene. Essa exploração permitiu que os jovens aplicassem os conhecimentos que tinham sobre os conjuntos numéricos numa perspectiva diferente da que já tinham feito anteriormente.
De acordo com Almouloud, é imprescindível que o professor faça a articulação de conceitos para que os estudantes entendam como os diferentes conteúdos de Matemática se relacionam. "Muitas vezes, eles são trabalhados de modo estanque, desligados de outros temas, e isso não favorece a aprendizagem", destaca.
Aplicação prática dos saberes
Além de oferecer problemas de diferentes naturezas e graus de dificuldade, é importante apresentar aos alunos os diversos contextos e usos sociais do plano cartesiano. Uma das situações que envolvem esse sistema de coordenadas é o planejamento de construções, no campo da Arquitetura, e a docente elegeu essa utilização para aprofundar os saberes da turma.
Para isso, mostrou fachadas de edificações, representadas no plano, e contextualizou o uso do instrumento. "O material elaborado pelo arquiteto com o sistema de coordenadas permite que a construção seja realizada, pois ele é a forma de comunicação entre o idealizador do prédio e os mestres de obras. No planejamento dos projetos, esse recurso é bastante utilizado", explica Roberto Alfredo Pompeia, professor de Arquitetura da Universidade Anhembi-Morumbi.
Com uma lista de instruções distribuída pela professora, os estudantes montaram croquis de casas da própria cidade de Apucarana. "Essa tarefa foi a mais legal, porque era mais difícil do que as outras", diz Jeine Silva Siqueira, 13 anos. Para elaborar a atividade, Marlene usou folhetos de imóveis como referência para desenhar as edificações no plano cartesiano, localizar os pontos principais e, assim, fazer as coordenadas para serem dadas à turma posteriormente.
Um processo semelhante ao realizado pela professora foi percorrido pelos alunos na fase final do trabalho. Eles desenharam no plano, de maneira livre, fachadas de casas - baseadas em construções reais ou imaginadas por eles - e elaboraram as instruções para que outras pessoas pudessem reproduzi-las. "Com base nas produções, pude avaliar se os jovens realmente haviam desenvolvido o aprendizado", conta Marlene.
A turma precisou idealizar uma casa, localizar os pontos necessários para desenhá-la, identificar as ligações entre eles para formar as figuras e expressar isso em linguagem matemática, por meio dos pares ordenados, colocando em prática todos os conhecimentos alcançados.
Últimas notícias