Com jogos, a turma aprendeu a calcular
Luciane Fernandes Ribeiro fez uma sequência didática usando boliche, dados e argolas para ensinar números e operações
01/03/2013
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Jornalismo
01/03/2013
"Ao analisar o diagnóstico inicial da turma do 4º ano no começo do ano, me deparei com uma triste, porém comum, realidade: os estudantes tinham muitas dificuldades na resolução das operações matemáticas básicas", diz Luciane Fernandes Ribeiro, docente da EMEF Professor Raimundinho, em Marabá, a 485 quilômetros de Belém. Ela sabia que não seria fácil resolver a questão, mas tinha certeza de que fazer a garotada avançar, mais que necessário, era urgente. Entre suas constatações estavam a de que algumas crianças não identificavam os números de 1 a 50. Outras não conheciam alguns termos matemáticos e questionavam: "O que é diferença?" e "O que é dúzia?". E mais: havia alunos que não sabiam qual conta usar para resolver determinado problema. Em suma, dos 34, só sete resolveram as propostas da educadora de forma satisfatória.
Frente ao desafio, Luciane organizou uma sequência didática com jogos que possibilitava um grande envolvimento da turma. Seu objetivo era impulsionar a reflexão sobre os números e as operações matemáticas. "O jogo é uma situação- problema genuína. Podemos jogar 20 vezes a mesma coisa e nunca o desafio será igual. Temos uma satisfação quando encontramos uma nova estratégia: a todo o momento, estabelecemos relações e aprendemos", diz Ana Ruth Starepravo, pedagoga especialista no ensino da Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental.
A ideia de Luciane teve origem nas leituras e discussões do Grupo de Estudo Pedagógico Aperfeiçoando o Conhecimento (Gepac), instituído na escola em 2009. Na bibliografia usada, constam como referencial teórico os livros A Criança e o Número (Constance Kamii e Sally J. Livingstin, 112 págs., Ed. Papirus, tel. 19/3272-4500, 35,90 reais), Jogando com a Matemática: Números e Operações (Ana Ruth Starepravo, Ed. Aymara Educação, 224 págs., tel. 11/2076-6100, 34,90 reais) e Formulação e Resolução de Problemas de Matemática: Teoria e Prática (Luiz Roberto Dante, 191 págs., Ed. Ática, tel. 11/4003-3061, 34,90 reais).
"Para realizar um bom trabalho com jogos, o primeiro passo é explicar as regras e deixar a turma explorá-los - quer dizer, jogar muitas vezes", diz Ana Ruth. Luciane seguiu a orientação à risca: no início da sequência, a criançada entrou em contato diversas vezes com jogos de dado, boliche e argola e aprendeu a explorá-los (leia o quadro abaixo). Essa fase também contou com o registro da pontuação de cada partida e os estudantes socializavam as impressões e anotavam o que achavam fácil e difícil.
Para colocar os cálculos em cena, Luciane escolheu começar com os dados, o que favoreceu a aprendizagem de diferentes procedimentos de cálculo e a compreensão das relações aditivas e subtrativas para compor e decompor o número 10. Depois, foi a vez do boliche. Para marcar os pontos, a garotada explorava a multiplicação, a tabuada e a representação de expressões numéricas. Com o de argolas, o grupo trabalhou com números maiores.
Curti
"Não gostava das continhas de vezes. Eram difíceis. Depois do jogo da argola, ficou fácil. Se a garrafa vale 2 pontos e acerto 3 vezes, é só fazer 3 x 2!"
Wanessa Oliveira, 9 anos
Vamos jogar?
Conheça as propostas de Luciane para desafiar a turma a calcular
Argola
Organize dez garrafas com as seguintes pontuações: 12, 13, 20, 23, 25, 29, 34, 45, 50, 73. Tente encaixar seis argolas nas garrafas. Ganha quem fizer mais pontos.
Boliche
Organize dez garrafas de quatro cores diferentes: amarelas (3 pontos), azuis (4), verdes (5) e vermelhas (6). Ponha as de valor mais baixo à frente. Jogue a bola e tente derrubar o máximo de garrafas. Ganha quem fizer mais pontos.
Dados
A cada rodada, lance dois dados ao mesmo tempo e some os pontos. Ganha quem em dez rodadas conquistar 10 pontos mais vezes. Se o resultado for maior que 10, indique quantos pontos fez a mais. Caso contrário, quantos faltaram.
Depois da brincadeira, explicações do raciocínio
Depois de brincar, as crianças eram instigadas a explicar para a professora e os colegas o raciocínio realizado para chegar a determinado resultado. Isso foi um desafio. No início, Luciane perguntava como elas tinham obtido uma resposta e muitos logo pegavam a borracha: queriam apagar o que tinham registrado, temendo ter errado. A cena é típica da cultura escolar: diversos educadores só questionam os estudantes quando eles cometem algum equívoco. A postura de Luciane revela uma mudança interessante e promove um ambiente em que há segurança para falar sobre as estratégias usadas. "Hoje, eles estão mais seguros para explicar o caminho percorrido na solução dos problemas. Essa confiança vem sendo construída dia a dia", reconhece.
Quando a criançada já estava familiarizada com as atividades, Luciane propôs situações-problema para serem resolvidas em grupos (leia o quadro abaixo). "Ela considerou os saberes variados e propôs aos alunos problemas com os mesmos jogos, mas que pediam cálculos diferentes", diz Ana Flávia Castanho, formadora do Instituto Avisa Lá.
O passo seguinte teve como objetivo fazer com que os estudantes elaborassem questões sobre jogos para os colegas resolverem. "Todos se apropriaram de termos matemáticos e se preocuparam em dar informações suficientes para que as questões fossem resolvidas", explica Luciane.
Para encerrar o trabalho, ela repetiu o diagnóstico inicial. Os avanços eram visíveis, ainda que alguns alunos precisassem de intervenções pontuais. Todos resolviam desafios do campo aditivo com mais domínio e segurança e se apropriaram de estratégias de resolução com multiplicação. Durante o processo, a professora também aprendeu bastante. Por exemplo: criança em silêncio nem sempre é sinônimo de aprendizagem. Ao jogar, todas falavam alto e se movimentavam para trocar ideias e discutir.
Na avaliação de Ana Flávia, Luciane acertou ao olhar para o que cada um já sabia e poderia usar para estudar novos conteúdos. "Os estudantes chegaram ao 4º ano com muitas defasagens em Matemática. Foi fundamental que o ponto de partida fosse os conhecimentos que eles já tinham, e não os temas previstos para aquele ano", explica.
Para cada grupo, um tipo de problema
Confira uma proposta de Luciane para os diferentes níveis de saberes das crianças
Grupo I Imagine que você acertou as garrafas que valem 12 e 34. Qual o total de pontos feitos?
Grupo II Observe o número nas garrafas do jogo de argolas: 12, 13, 20, 23, 25, 29, 34, 45, 50, 73. Quais as duas que você precisa acertar para marcar 35 pontos? Explique como chegou ao resultado.
Grupo III Estas são as pontuações de cada garrafa do jogo de argolas: 12, 13, 20, 23, 25, 34, 29, 45, 50 e 73. Na tabela abaixo, está registrada a soma de pontos de algumas crianças. Descubra quais foram as garrafas que cada uma acertou:
Lucia | 63 pontos |
Felipe | 96 pontos |
João | 123 pontos |
O problema para o Grupo I, mais simples, pede que a turma realize uma adição para achar o resultado. Na atividade do Grupo II, é comum os alunos testarem cada um dos valores das argolas até encontrar a soma que resulta 35. No momento da correção, peça que socializem os procedimentos utilizados. Eles podem explicar que fizeram algumas antecipações, como somar primeiro as dezenas e depois as unidades. Para o Grupo III, os objetivos são praticamente os mesmos. Mas os dados estão em uma tabela e há diferentes possibilidades para chegar ao mesmo resultado. É interessante explorar isso. No caso de Felipe, por exemplo, é possível fazer 50 + 23 + 23 = 96, além de 23 + 73 = 96. Nas atividades dos grupos II e III, é importante levantar algumas questões que vão além do resultado em si, como: "Existe apenas uma possibilidade?", "Quais números podem ser descartados logo de cara?" e "Como antecipar os números que podem ser utilizados?".
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