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Jornalismo

Como o Pokémon Go mudou a relação dos alunos com a Arte

PorNOVA ESCOLA

06/12/2016

Os alunos do primeiro ano da Beacon School inventaram um jogo offline baseado na febre do Pokémon Go e o resultado envolveu toda a escola. Crédito: Natalie Catlett

Hoje, quem compartilha sua experiência com tecnologia é a Natalie Catlett, professora de Arte dos anos iniciais na Beacon School, uma instituição bilíngue localizada em São Paulo. Confira, abaixo, como ela aproveitou o interesse dos alunos por um game para incentivar que eles refletissem sobre arte e sobre nossas atitudes no mundo virtual.

“Durante as férias de julho, a febre mundial do Pokémon Go explodiu no Brasil. Tudo o que eu sabia era que se tratava de um game de realidade aumentada para celulares. Mas meus alunos do 1º ano voltaram às aulas falando sem parar sobre todos os lugares em que haviam encontrado Pokémon. Um desses locais era próximo a estátua de Albert Einstein.

Ao ouvir isso, percebi que havia uma grande oportunidade de aprendizagem. Pensei, então, como o jogo poderia conectar-se a diversos conceitos explorados nas artes, como, por exemplo, apropriação artística, ocupação do espaço físico e a natureza efêmera da arte.

Propus que criássemos algo inspirado no Pokémon Go e um aluno sugeriu espalhar desenhos com os personagens pela escola. Fiz uma provocação sobre criarmos nossas próprias figuras e os estudantes começaram a lançar suas ideias, concordando que “Mutantes” seria um tema muito interessante para desenhos.

Em poucos minutos, o projeto “Mutante Go” tomou forma e personagens começaram a surgir em todas as partes, mobilizando as outras séries a participar da caça e também criar novos desenhos. Nossa escola se tornou uma verdadeira galeria sem paredes, um legítimo museu a céu aberto e objetos do cotidiano, de repente, se tornaram fontes de interesse e exploração colaborativa.

Nós temos a tendência de ver a arte como algo estático e, geralmente, ao observá-la, estamos acostumados a estar em pé.  Em busca de mutantes, as crianças começaram a rastejar sob mesas e bancos, se enfiar nos canteiros de flores e foram espiar até nos bueiros. Foi fascinante ver como comportavam-se! Se um aluno se jogava num determinado lugar, em poucos segundos, outros se deitavam ao lado dele.

Desenhos de mutantes invadiram todo o espaço escolar, transformando a instituição em uma espécie de museu a céu aberto. Crédito: Natalie Catlett

No decorrer do projeto, algumas situações criaram um ciclo contínuo de ação e reflexão que transbordou a sala de aula. Quando a turma anunciou que alguém estava retirando os desenhos e jogando fora, o “ataque” foi visto como uma grande ameaça. Vi ali uma oportunidade para discutir o valor de uma obra de arte. Levantei com eles questões como: quando podemos interagir com uma obra? Ela vale menos se apresentada fora de um museu ou galeria? Nosso processo criativo tem valor? E o produto final?

Como os estudantes sentiam-se fortemente conectados aos desenhos, isso levou a classe a uma discussão calorosa sobre autoria.

Depois de algum tempo de projeto, as crianças começaram a focar na competição de quem encontrava mais mutantes e ficaram menos atentas aos desenhos em si. Foi então que decidi intervir para resgatar a observação. Criei um cartaz de “Procurados”, que se renovava todas as manhãs trazendo quatro mutantes e propondo o desafio de encontrá-los. Algumas fotografias do cartaz revelavam apenas o personagem, outras só a superfície sobre a qual ele estava colado.

Grupos se reuniram ao redor dos cartazes e demonstravam uma enorme capacidade de observação e interpretação. Notavam as formas e texturas, a posição dos objetos e seus arredores. A sensação de descoberta também estava em explorar áreas da escola que muitos não frequentavam.

Em uma variação da proposta, o 2º e o 3º anos começaram a fazer descrições escritas sobre onde encontrar seu mutante e que posições corporais permitiam vê-lo (como ajoelhar-se ou deitar-se). Isso introduziu o novo desafio de interpretar o texto e procurar a imagem com base nas informações. As hipóteses eram levantadas de forma colaborativa, eliminando possibilidades e construindo novos conhecimentos antes da ação.

Toda a experiência se renovou à medida que o não-planejado foi visto como uma oportunidade para aprender. Foi extraordinário pensar que tudo começou com uma simples conversa sobre Pokémon Go.  Acredito que devemos constantemente nos perguntar o que os alunos estão explorando, as perguntas que estão se fazendo e as relações que estão construindo.

No dia em que esse projeto começou, eu havia planejado uma aula de desenho de observação. A iniciativa liderada pelos alunos ensinou muito mais do que eu poderia ter imaginado... ou planejado. Ela afiou habilidades de comunicação, os motivou a colaborar uns com os outros e, acima de tudo, aumentou a consciência deles sobre o lugar que ocupam na comunidade. E, como os próprios concluíram, o fato do nosso game não envolver tecnologia, deixou as “mãos livres” para realizar outras atividades. Como disse o educador israelense Yaacov Hecht, a descoberta é uma das experiências mais poderosas e transformadoras que há.”

Se quiser conversar com a Natalie, escreva para ela no e-mail natalie.catlett@beaconschool.com.br

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