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Jornalismo

De olho na pirataria

Como levar seus alunos a criar uma visão crítica sobre essa prática tão difundida no país

PorArthur Guimarães

31/10/2003

Cellus 

Copiar, reproduzir ou vender produtos alheios sem respeitar os direitos e a vontade dos criadores e donos originais. Essa é basicamente a definição de pirataria, prática ilegal que vem sendo muito difundida e discutida ultimamente, mas que já incomoda a sociedade há séculos. Algumas das grandes invenções da humanidade tiveram a paternidade disputada, e mesmo copiada, por várias pessoas. Todas sempre competindo para obter o reconhecimento legal, intelectual e financeiro sobre as obras.

Foi assim com o rádio, o avião, o telefone e, antes de todos, com a prensa. Seis inventores disputavam a autoria do artefato, que finalmente coube ao mestre gráfico alemão Johannes Gutenberg (1400-1468), responsável pela reprodução em série das primeiras bíblias. Em menos de 50 anos, no entanto, as primeiras edições extra-oficiais do livro sagrado já estavam circulando pela Europa.

"A história sempre se repetiu. Quando os homens puderam, usaram a força ou a cópia para conseguir o que buscavam", explica Nehemias Gueiros Jr., advogado especializado em direito autoral e professor da Fundação Getúlio Vargas. De acordo com ele, as pessoas continuam fazendo isso, muitas vezes sem saber. "É o caso de quem copia softwares do computador dos amigos ou baixa músicas da internet", exemplifica. "Hoje as legislações contemplam o assunto e prevêem penas variáveis para quem participar dessas fraudes, incluindo o consumidor final", adverte Gueiros Jr.

Essa proteção legal está ganhando cada vez mais força no país, mas acaba praticamente anulada pela ausência de uma fiscalização intensa e eficiente. No caso das falsificações em larga escala, o problema é ainda mais grave. Ousados, os grandes fraudadores se apropriam de produtos famosos e armam esquemas milionários para importar, produzir e vender as mercadorias clonadas em locais públicos. Indústrias são construídas em vários pontos do país e abastecem o mercado, o que provoca um rombo estimado em R$ 10 bilhões por ano na arrecadação de impostos, como apurou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada este ano na Câmara Federal.

A lista de produtos falsificados inclui brinquedos, cigarros, roupas, bebidas, fitas cassete, equipamentos eletrônicos, perfumes, relógios, tênis, softwares e até mesmo preservativos. Outras modalidades desse tipo de fraude também funcionam no país, mas por não necessitarem de uma estrutura montada são de controle quase impossível para a polícia, como a reprodução de livros.

"A pirataria, de qualquer tipo, destrói empregos, diminui a arrecadação de impostos, fortalece o crime organizado, suja a imagem dos produtores oficiais e ainda ludibria o consumidor, que recebe gato por lebre", diz Gueiros Jr. Alguns fatores favorecem a prática, como o desemprego e a conseqüente busca pelo trabalho informal, os roubos de carga, a corrupção de fiscais, a sofisticação das quadrilhas e o sistema tributário brasileiro, que muitas vezes torna a produção de bens excessivamente cara. Por não haver um motivo específico, o controle se torna tão difícil, na opinião do advogado. O problema, para ele, é agravado pela popularização da tecnologia de informação, que se alastra e facilita a pirataria digital. "Todos os esforços legais, políticos e econômicos que forem adotados para o controle dessa prática serão poucos diante da urgente necessidade de uma política mundial voltada para o problema, tão sem fronteiras quanto a própria internet."

O rombo da biopirataria

A biopirataria é outra modalidade de uso indevido da propriedade alheia que preocupa as autoridades brasileiras. É considerada ainda mais grave que a falsificação tradicional, pois além de causar ao país prejuízos financeiros estimados em R$ 16 milhões diários ameaça a harmonia do planeta. A ação dos criminosos segue o mesmo princípio. Muda apenas a matéria-prima a ser roubada, reproduzida e vendida, nesse caso, plantas e animais. "Por lei, as riquezas da fauna e da flora pertencem aos países que as abrigam. Essa determinação, contudo, vem sendo desrespeitada pelos biopiratas, estrangeiros que vêm ao Brasil roubar nossas espécies", alerta Tianelen Farias, pesquisadora do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Esse tipo de traficante entra no país disfarçado de várias maneiras, como catequista ou turista, por exemplo. Depois segue pelas florestas brasileiras recolhendo bichos e vegetais, ou pedaços deles, que são levados para o exterior ilegalmente. Eles quase sempre procuram se aproximar de comunidades indígenas, que, pelo convívio com a natureza, já conhecem as espécies com maior potencial. De acordo com Maria José Sampaio, especialista em Biotecnolgia e Direito Autoral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o biopirata pode seguir dois caminhos. "Eles simplesmente negociam o espécime no mercado negro de botânica ou de animais de estimação ou, o que é mais grave, vendem os achados para indústrias estrangeiras de medicamentos ou de cosméticos, que tentarão extrair dali e patentear novos princípios ativos e códigos genéticos rentáveis."

Exploração deve seguir regras

Explorar nossa diversidade natural não é proibido a outros países. "Mas eles devem pedir uma autorização, procedimento que nem sempre é seguido", pondera Maria José Sampaio, da Embrapa. Há uma lei internacional que rege a questão, a Convenção sobre Diversidade Biológica, documento assinado por 175 países no encontro Eco 92, realizado no Rio de Janeiro. A regulamentação garante uma repartição justa e equitativa dos benefícios gerados pelo uso dos recursos naturais. A lógica é a seguinte: o hemisfério norte é rico em tecnologia e pobre em matéria bruta, enquanto o sul vive situação inversa. Cabe então aos países do sul o grande e vital desafio de conciliar o desenvolvimento com a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. Essa tarefa não terá êxito, no entanto, sem a ajuda tecnológica e financeira das nações do norte. "A Convenção trata dessas assimetrias. Agora, as nações devem fechar contratos para dividir os esforços e lucros", explica Maria José. "Resta respeitar a norma."

Plano de aula

Direito à propriedade

A discussão sobre pirataria é complexa, por trazer como pano de fundo a questão do direito de propriedade. Esse direito, presente em quase toda a história da humanidade, coloca-se na fronteira entre os interesses pessoais e os sociais. Por isso deve ser alvo de regulamentações equilibradas, que atentem para a função social e política da propriedade intelectual e material (patente). Acompanhe o plano de aula multidisciplinar sugerido por Ulisses Ferreira de Araújo, professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, para turmas de 7ª e 8ª séries.

1. Questões para provocar

Para dar início à discussão, o professor Ulisses sugere lançar as seguintes provocações para a classe: O que é propriedade? Onde terminam os direitos privados de propriedade e começam os direitos coletivos, da sociedade? Como referência, utilize o artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Outra fonte interessante de informação é o site do Instituto Nacional de Propriedade Industrial www.inpi.gov.br.

A classe vai perceber que existem diferentes tipos de direito de propriedade que permeiam as preocupações sociais e são abordadas na mídia. Faça uma lista no quadro-negro, seguida das respectivas violações que sofrem. São exemplos a propriedade sobre a diversidade natural, desrespeitada pela biopirataria; o direito autoral sobre livros, que são xerocopiados, e sobre músicas, gravadas em MP3 e distribuídas pela internet; a patente sobre remédios, que pode ser quebrada; softwares, que são copiados; produtos falsificados; a propriedade da terra, que sofre a ação de grileiros etc.

Um bom caminho para o trabalho é escolher dois tipos de direito de propriedade, um de natureza particular e outro de natureza social, para centrar a discussão. Por exemplo, a falsificação de produtos e o direito de patentes sobre remédios que envolvem a vida das pessoas, como no caso dos indicados para o tratamento da aids. Outra possibilidade é a biopirataria e a distribuição de músicas pela internet.

2. Um debate, como na TV

Feita a escolha, peça à classe que organize a simulação de um programa televisivo de debates. Será necessária a participação de um mediador/apresentador e quatro convidados, que vão defender posições diferentes em relação ao direito à propriedade. Também devem ser escalados dois "repórteres" externos, encarregados de ouvir a opinião da "população" os demais alunos da turma sobre o debate na televisão.

Enquanto isso, cada disciplina desenvolve um trabalho específico. Em Língua Portuguesa, os alunos redigem textos informativos sobre o tema; em História, realizam uma pesquisa a respeito do direito de propriedade; em Geografia é possível abordar a questão da terra; as aulas de Ciências tratariam da biopirataria ou da produção de tecnologia e de remédios.

3. Avaliação e reflexão

Após avaliar o que os alunos aprenderam, discuta com a turma o que cada um pode fazer para efetivamente combater as diferentes formas de fraude. Proponha algumas atitudes concretas, como não comprar mais produtos de camelôs, por exemplo, e observe a reação dos estudantes. Esse tipo de provocação pode levá-los a perceber que não basta consciência. É preciso agir.

Quer saber mais?

Disque-denúncia, tel. 0800-156315

Nehemias Gueiros Jr., R. da Assembléia, 77, 12º andar, 20011-001, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 3806-8800, e-mail: ngueiros@tostes.com.br 

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