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Jornalismo

Saber libertador: uma escola dentro da penitenciária

Numa penitenciária em Mato Grosso, uma escola ajuda a mudar a vida de 183 presos

PorAna Rita Martins

01/01/2010

Foto: Aelson Ribeiro
DIREITO E CHANCE Na biblioteca do presídio, a professora Creuza Ribeiro coordena o período
de estudos. Foto: Aelson Ribeiro

À primeira vista, o corredor de entrada da Penitenciária Major Eldo Sá Corrêa, em Rondonópolis, a 218 quilômetros de Cuiabá, é igual ao de qualquer outra prisão. O ar que corta seus ângulos é úmido e abafado. Existem trancas e grades que fecham, em três unidades distintas, 600 homens condenados ou à espera de sentenças da Justiça. O que faz esse corredor ser diferente, porém, não é o aspecto físico. É aonde ele leva: uma escola, bem no centro do presídio.

Durante quatro dias na semana, em dois turnos de três horas, 183 detentos cursam turmas de Alfabetização e Ensino Fundamental e Médio. É o único lugar em que podem circular livremente, sem algemas (privilégio concedido só aos que decidem estudar). Foi na escola que Giovani de Souza Benevides redescobriu as cartas de sua mãe. Em 2004, ao ser preso, as correspondências eram apenas um amontoado de letras mortas, lidas de favor pelos colegas de cela. Hoje, alfabetizado e já na 6ª série, elas ganham contornos mais nítidos com a leitura autônoma. Mudaram também as letras de rap de Emerson Almeida Salomão. Antes, ele só escrevia sobre crime e revolta com o sistema penitenciário. As duas composições feitas em homenagem à escola mostram que há espaço para outros pensamentos. Esse caminho não se esgota ao fim da escolarização básica. Vitor Miguel Valêncio é filho de uma professora da Educação Infantil e já terminou o Ensino Médio, mas nem por isso deixa de frequentar a biblioteca. Está se preparando para o vestibular de Pedagogia.

Essas e outras histórias que têm a Educação como eixo são o resultado do trabalho árduo das dez professoras do presídio. Com curso superior nas áreas específicas das disciplinas que lecionam, elas são contratadas da Secretaria Municipal de Educação e contam com o acompanhamento diário da coordenadora pedagógica Creuza Ribeiro. Formada em Pedagogia, ela foi professora da rede municipal por sete anos e agente penitenciária. "Entrei na prisão pelo salário. Estava acostumada a dar aula para crianças e, de repente, passei a abrir e fechar cadeado. Logo cobicei uma das vagas da escola na penitenciária. É uma experiência única", conta. Além de mergulhar na didática da Educação de Jovens e Adultos (EJA), ela tem de conceber planos de estudo especiais para os presos temporários e lidar com faltas em decorrência de problemas de saúde, conflitos internos e doenças como a depressão.

"O trabalho aqui só dá certo porque a equipe não vê a Educação prisional como terapia ou benefício. É direito, estipulado pela Lei de Execuções Penais e pela Constituição", afirma Creuza. Apesar da garantia legal, o Ministério da Educação admite que apenas 20% da população carcerária tem acesso a algum tipo de Educação - incluída aí a fornecida por voluntários de organizações não-governamentais e entidades religiosas, sem experiência profissional para fornecer um ensino de qualidade. Definitivamente, não é o que se vê em Rondonópolis. Lá, as aulas são balizadas pelo currículo de EJA do município e planejadas semanalmente durante o horário de trabalho pedagógico. Por meio do ensino, quem sai daquele corredor que leva à escola - dessa vez, rumo à liberdade - pode se relacionar de um modo mais pleno com o mundo e a vida.

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CONTATO
Penitenciária Major Eldo Sá Corrêa
, Rod. MT-130, km 10, 78700-000, Rondonópolis, MT

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