Mais de 730 mil crianças e jovens estão fora da escola
O Brasil ainda tem mais de 730 mil potenciais alunos com idade entre 6 e 14 anos fora das salas de aula
PorNOVA ESCOLARodrigo RatierBeatriz VichessiElisângela FernandesAnderson Moço
01/11/2011
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Jornalismo
PorNOVA ESCOLARodrigo RatierBeatriz VichessiElisângela FernandesAnderson Moço
01/11/2011
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Pedro*, 8 anos, é um menino calado. Ele gostava de ir à escola, mas há mais de um ano não frequenta uma sala de aula. O problema começou quando a família chegou a Marabá, a 485 quilômetros da capital do Pará. Os pais estão à procura de emprego e ficam pouco em casa. "A gente não leva ele para a escola porque é longe. Meu marido tem problema de coração e não pode ficar sozinho. Ele também não pode nos acompanhar porque passa mal", conta a avó do garoto.
Infelizmente, a situação de Pedro não é única. Mais de 730 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos estão fora da escola como ele. O número, calculado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, demonstra que, apesar de 97,7% da população dessa faixa etária frequentar a escola, ainda estamos longe da universalização.
Há um inegável avanço desde a década de 1990, mas o percentual de 2,3% esconde um enorme contingente de meninos e meninas. "Para que eles sejam incluídos no sistema público de ensino, é fundamental saber quem são, onde moram e quais dificuldades enfrentam", afirma Maria de Salete Silva, coordenadora de Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.
Além de tornar universal o acesso ao Ensino Fundamental (obrigatório desde a Constituição de 1988), o país tem a meta de ampliar até 2016 o atendimento aos que possuem de 4 a 16 anos. "Isso representa trazer para os bancos escolares mais de 3,5 milhões de crianças e jovens", avalia Eduardo Luiz Zen, pesquisador do Ipea. Ele calcula que, com base no custo anual por aluno de 2009, o investimento para essa ampliação é de aproximadamente 10 bilhões de reais, cerca de 0,3% do PIB nacional.
"É bom comemorar que quase 98% estão na escola, mas não dá pra achar que está resolvido", enfatiza Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC).
Segundo o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 - O Direito de Aprender, do Unicef, o universo fora da escola está principalmente na Amazônia Legal, no semiárido e nas periferias de grandes centros. A dificuldade afeta, sobretudo, crianças negras, de baixa renda, em situações de vulnerabilidade e instabilidade familiar ou aquelas que possuem necessidades educacionais especiais (NEEs).
NOVA ESCOLA foi a Marabá, na Amazônia, a Crato, a 588 quilômetros de Fortaleza, no semiárido, e às periferias de São Paulo e Teresina, com a ajuda dos conselhos tutelares, para contar a história de Pedro e de outros quatro jovens e crianças que, assim como ele, têm negado o direito à Educação.
Vulnerabilidade social
Felipe*, 11 anos, é dependente químico. Passou por centros de reabilitação, abrigos e tem recaídas ao voltar para casa. Em maio, estava na Associação Cristã Esperança e Vida (Acev), em Crato, sem estudar. Ele diz não ter boas lembranças da escola e nunca conseguiu completar um ano de estudos. Sem finalizar o tratamento na Acev, voltou para a casa dos pais, em São José do Egito, a 404 quilômetros do Recife. Segundo o Conselho Tutelar, continua fora da sala de aula e não foi aceito por causa de sua agressividade.
A pesquisa mais recente sobre o que leva os mais jovens a abrigos foi feita em 2004 pelo Ipea e mostra que, assim como aconteceu com Felipe, a convivência com as drogas é uma das causas. O relatório O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: Os Abrigos para Crianças e Adolescentes no Brasil aponta que entre os motivos para a saída de casa estão a carência de recursos materiais (24,5%), o abandono por pais ou responsáveis (18,8%), a violência doméstica (11,6%), a dependência química de pais ou responsáveis (11,3%) e a vivência na rua (7%). Entre as 20 mil crianças e jovens dos 589 abrigos analisados, a maior parte se enquadra na faixa etária de 7 a 15 anos.
À margem das políticas
Na Favela da Fumaça, periferia da capital paulista, o pequeno Antonio*, 8 anos, leva nas costas uma mochila para mostrar o desejo de estudar. Ao lado de um córrego, está o barraco em que mora, sem ventilação e com colchões sobre o chão, onde dormem pai, mãe e quatro filhos. Sem nunca ter estudado, o casal trabalha com venda de ferro velho e reciclagem e não sabe dizer quando saiu de Limoeiro, a 77 quilômetros do Recife. Na família, apenas José*, 11 anos, conseguiu vaga este ano. Agora o desafio é matricular Antonio e o caçula, João*, 6 anos. Segundo o conselheiro tutelar Rogério de Paula Santos e o pai das crianças, os dois meninos não foram aceitos em nenhuma das escolas próximas por falta de vagas. "Não quero que eles sejam analfabetos como nós", lamenta.
Eles vivem em situação de extrema pobreza, mas não recebem o Bolsa Família (leia o quadro abaixo sobre o programa). Estima-se que 1 milhão de famílias estejam nesta mesma situação: se enquadram nos critérios, mas nem estão cadastradas. "Com o novo programa de erradicação da miséria, o Estado deve ir atrás desses casos", explica Daniel Ximenes, diretor do Departamento de Condicionalidades da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (Senarc) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
Idade crítica para matrícula
O Conselho Tutelar chegou à casa de Maria*, em Nova Brasília - periferia de Teresina -, após denúncias de violência doméstica. A garota estava no 5º ano quando pediu transferência e foi morar com a tia. Como não se adaptou, retornou para a casa dos pais, mas ficou fora da escola (leia as respostas das Secretarias na página seguinte). "Disseram que eu era desistente e a vaga estava ocupada. A diretora sugeriu que eu fosse para a EJA, mas minha mãe não aceitou. Acabei de completar 14 anos e nunca repeti", conta.
Segundo João Evelange Nascimento da Silva, conselheiro tutelar em Teresina, é comum a recusa depois do início do ano. Agindo dessa forma, as Secretarias tentam se livrar de uma possível reprovação, o que prejudica os indicadores da escola e da rede.
Benefício gera frequência
Exigência do programa federal incentiva os pais a manter seus filhos na escola
O programa de transferência de renda Bolsa Família tem se mostrado eficiente para que as famílias em situação de risco mantenham seus filhos na escola. Em maio deste ano, o número de crianças e jovens beneficiados era de 16,7 milhões. Desses, quase 97% cumprem a frequência escolar mínima exigida (85% para os que possuem entre 6 e 15 anos e 75% para jovens de 16 e 17 anos).
Mas é preciso cuidar dos 3% de beneficiários - quase meio milhão - que têm dificuldades. Para Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, do MEC, o caminho para garantir que eles não abandonem a escola passa por uma política intersetorial.
O acompanhamento mensal é feito por gestores municipais com informações dos diretores. Entre os motivos para as faltas estão: doença do aluno, negligência dos pais, desinteresse e desistência.
Aqueles que não cumprem as condicionalidades podem receber uma advertência e até ter o benefício cancelado. Desde a criação do Bolsa Família, em 2004, até setembro deste ano, 117 mil famílias foram descredenciadas. Em 2011, quase 47 mil estão sendo acompanhadas.
Sem diagnóstico
Luiz* é alto e tímido. Tem 17 anos e mal sabe escrever seu nome. Mesmo sem diagnóstico, a mãe acredita que o garoto tem algum tipo de deficiência intelectual. "Ele morava com a avó na roça e ia para a escola, mas a professora o expulsava. Dizia que ele batia nos colegas", lembra a mãe. O rapaz admite que às vezes agredia os colegas e diz que não quer ir à escola, mas tem saudade de quando estudava.
Se for confirmado que Luiz é um aluno com NEEs, ele estará na mesma situação de outras 200 mil crianças com deficiência que estão fora da escola. Esse número foi calculado pela antiga Secretaria de Educação Especial do MEC em 2010, com base no cruzamento dos dados do Censo Escolar com o cadastro dos que recebem o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC).
A boa notícia é que o número de pessoas com deficiência matriculadas na rede de ensino tem crescido. Em setembro de 2007, pouco mais de 340 mil, até 18 anos, recebiam o BPC e somente 100 mil (29%) estavam na escola. Em 2010, o número de beneficiados passou para 435 mil e a quantidade de crianças estudando cresceu para cerca de 230 mil (52%).
Apesar de a estatística positiva dar esperanças ao caso de Luiz, os desafios continuam grandes. Para que crianças e jovens como Pedro, Felipe, Antonio, Maria e o próprio Luiz não fiquem fora da escola, são necessárias desde ações simples, como o monitoramento de faltas, até políticas intersetoriais com metas claras para atingir o objetivo maior em 2016.
* Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados.
Secretarias comentam
Confusão de informações e demora para definir situação marcam casos abordados
Em Marabá, a Secretaria de Educação diz que as solicitações de vagas são atendidas e indica que os pais façam contato para realizar os encaminhamentos de matrículas pendentes.
Na cidade de São Paulo, também segundo a Secretaria, em janeiro a mãe fez o cadastro de Antonio e ele foi encaminhado para a EE Manuel Borba Gato. Mas, por falta de matrícula, passou a ser considerado desistente. Diante disso, a Secretaria Estadual informou que o menino pode se matricular na EE Luiza Marcelina Branca Chaib.
Em Teresina, a Secretaria diz ter encontrado duas escolas no bairro Nova Brasília, onde Maria reside. O caso está sendo acompanhado para garantir a vaga no ensino regular, adequado para a idade dela.
A Secretaria de Educação de São José do Egito descreve, em relatório, os encontros realizados com a família e conclui que Felipe deveria passar por tratamento e depois ser acompanhado pela mãe em suas idas à escola.
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