Falta transparência na aplicação da Prova Brasil de Ciências
A um mês do exame, professores e gestores não têm informações claras sobre como será a avaliação
01/10/2013
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Jornalismo
01/10/2013
A aplicação da Prova Brasil de 2013, prevista para ocorrer entre os dias 11 e 22 de novembro, tem sido marcada por muitas surpresas. Desde abril, quando o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou a inclusão de Ciências no exame, os detalhes vêm sendo divulgados a contagotas. Faltando apenas um mês, pouco se sabe sobre os conteúdos que serão cobrados e os critérios utilizados para definir quais estudantes e quantas escolas vão participar da avaliação.
Em junho, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou as primeiras informações por meio da Portaria 304, publicada no Diário Oficial da União. De acordo com o texto, os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Médio, que participam da Prova Brasil e da Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) - mais conhecida como Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) -, serão avaliados este ano em Ciências, além das tradicionais disciplinas Língua Portuguesa e Matemática. Por causa dessa ampliação, a prova será realizada em dois dias. Até então, imaginava-se que apenas as Ciências Naturais seriam cobradas. Em setembro, no entanto, o Inep confirmou que também avaliará as Humanas. Serão 26 questões de cada nova área.
Ampliar o leque de disciplinas contempladas na prova é positivo, pois sinaliza que essas áreas são importantes e merecem atenção dos governos. No entanto, preocupa a forma como essa inclusão está sendo feita. Se o objetivo é verificar o desempenho dos estudantes e, com essas informações, elaborar políticas públicas para melhorar a qualidade do ensino, faz-se necessário ouvir a sociedade - em especial, os educadores - para construir o melhor instrumento de avaliação possível.
Esse debate mais amplo, infelizmente, não ocorreu. As questões que serão usadas nas provas foram elaboradas no primeiro semestre, sem que houvesse uma consulta pública para referendar as matrizes de referência - que orientam a elaboração dessas perguntas -, como normalmente ocorre em provas desse porte.
Segundo o Inep, o material foi feito com base em textos oficiais que pautam o ensino nacional e contou com a mobilização da Sociedade Brasileira no Ensino de Ciências, além de especialistas de área, técnicos do instituto e representações do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Ministério da Educação (MEC). Não houve, no entanto, o envolvimento direto de professores e gestores escolares.
Uma avaliação com questões em aberto
As secretarias receberam as matrizes em julho e, em setembro, o Inep enviou o texto Inclusão de Ciências no Saeb - Documento Básico, que explica o processo de inserção das áreas de Ciências Humanas e Naturais no exame (veja o histórico no quadro abaixo).
O documento, que até o final de setembro ainda estava em fase de finalização e aberto a sugestões, deixa muitas dúvidas sobre como a prova foi desenhada.
A primeira pergunta que pode ser levantada é por que fazer avaliação censitária e não amostral? O Inep alega ser preciso conhecer o desempenho dos alunos em cada escola. Mas se o exame será um piloto, como aparece no texto oficial, não seria melhor aplicar a prova apenas nas escolas que participam da Aneb? Com isso, teríamos uma amostra significativa de instituições públicas e privadas, sem o gasto que pressupõe a aplicação de um exame para todos. Até o fechamento desta edição, os custos da inclusão de Ciências Humanas e Naturais na Prova Brasil não haviam sido divulgados. O Inep afirmou que os valores não poderiam ser informados, pois não havia sido concluído o processo de contratação para a aplicação das avaliações.
Outro problema: os alunos do 5º ano não serão avaliados em Ciências nesta edição da prova. Se a proposta é analisar o desempenho dos estudantes, é importante saber com quais conhecimentos eles terminam o primeiro ciclo do Fundamental. Perde-se também a chance de influenciar as secretarias a valorizar outros temas, além de Língua Portuguesa e Matemática, nos currículos do 1º ao 5º ano e nas ações de formação.
Também fundamental é o debate sobre a qualidade das questões que serão aplicadas aos alunos em novembro. No caso do 3º ano do Ensino Médio, as perguntas terão como base a mesma matriz utilizada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, em 2014, será criada uma específica. Já para o 9º ano, a matriz elaborada apresenta apenas os eixos estruturantes de cada área, colocados de forma abrangente e pouco explicativa, sem descrever as habilidades que serão avaliadas.
Se não for bem-feita, a avaliação poderá trazer consequências desastrosas e incentivar práticas que vão atrapalhar mais do que contribuir com a aprendizagem. Quando aparece na matriz de referência, por exemplo, o termo "reconhecer conceitos", sem uma explicação do que se entende por isso, corre-se o risco de as escolas passarem a valorizar a memorização de listas de descrições desconexas. Isso se distancia muito das competências que devem ser desenvolvidas pelos estudantes: aprender a acessar um novo conhecimento, observar, levantar hipóteses, fazer relações e comparações, entre outras. Retrocessos como esse levam tempo para ser desconstruídos.
No caso das Ciências Humanas, há ainda um agravante. Conteúdos - como Cartografia, em Geografia, ou noção de tempo, relacionada à História geral - podem ser inquiridos a alunos de todo o país. Mas existem outros muito específicos e relacionados a questões locais e regionais, que pressupõem um tratamento diferenciado na hora de organizar as provas.
Faltando um mês para a aplicação do exame, é pouco provável que todas essas questões sejam respondidas e os problemas sanados. Diante desse cenário, é difícil acreditar que os resultados, com ampla divulgação prevista para junho de 2014, possam realmente traduzir o que os alunos sabem e o que falta aprender, servindo de subsídio para a elaboração de políticas públicas eficazes. O país segue sem um projeto claro de Educação, e isso não se resolve impondo avaliações.
Cronograma apertado
Menos de dois meses separam a chegada das informações às escolas e a aplicação do exame
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